Trinta e três
— Flora?
A princesa sobressaltou ao ouvir a voz masculina ressoar vindo de baixo de si. Por uma fração de segundo, pensou ter seu paradeiro descoberto por Henry e teria se amaldiçoado internamente por ter sido imprudente a ponto de deixar rastros que condenassem sua localização. Contudo, ao abaixar os olhos e encontrar o sorriso do irmão, associou imediatamente a voz confortadora ao rosto amoroso que aguardava sua reação.
— Ah, Fergie, é você? — ela indagou retoricamente, enquanto esforçava-se para que seus pensamentos e sentimentos tornassem a um lugar seguro.
— E quem você esperava que fosse? — ele questionou e sua mão foi de encontro a um dos troncos da enorme árvore onde Flora se abrigava. Depois, olhou para cima e antes de dar o impulso que o levaria para o alto, perguntou de maneira irônica. — Seu querido Henry?
Flora revirou os olhos e fechou o caderno que tinha nas mãos. Havia, mais cedo, registrado ali os sentimentos confusos de seu coração para então reler aquelas palavras tão confrontadoras antes de chegar a tristes constatações. Contudo, forçou um sorriso enquanto observava o príncipe escalando entre os galhos até alcançar o lugar no topo da árvore onde ela se refugiava do mundo complicado no qual vivia.
— Com toda certeza não seria uma companhia tão agradável como você, herdeiro do trono — ela brincou empurrando o ombro do irmão com o seu próprio.
Eles ficaram em silêncio. Flora observava o horizonte além das folhagens, cujo céu era de um azul que, ao contrário de sua alma, se encontrava límpido e claro, sem nenhum sinal de nuvens borrando a beleza daquela imensidão celeste.
— Sinto que são meus últimos dias aqui — Flora declarou, embora não houvesse nenhum tom de lamento em sua voz. Ela simplesmente sabia e, tentando ser razoável, não quis adentrar nas consequências do que o futuro lhe traria, suprimindo a aflição que tentava atormentar constantemente sua razão.
Fergie, que observava atentamente o rosto da irmã em busca de respostas, segurou sua mão delicadamente. Não era dado a se demonstrar sensível com tanta facilidade, porém, sentia-se pressionado a fazer algo por ela.
— Podemos dar um jeito, se você quiser — ele declarou seguro, levando a princesa a encará-lo. — Você não precisa se casar, se não for seu desejo. Nós...
— Eu não tenho escolhas, Fergie, você sabe disso — Flora o interrompeu com um sorriso triste no rosto. — Nunca fui alheia ao que o futuro me traria. Eu sei qual é o meu dever e não fugirei das minhas responsabilidades.
"Além do que — pensou Flora voltando a olhar para o céu em busca de algum conforto —, de que me adiantaria ter esperanças quando é tarde demais para mim?"
Mais um grande momento de silêncio se seguiu. O dia seguinte seria o grande dia, o Tsalach da princesa, quando o mundo tomaria conhecimento da beleza singela de Flora e, uma vez apresentada, ela estaria livre para se casar. Muito embora "livre" fosse a palavra mais longe da realidade na qual se encontrava. Ela de fato não tinha escolhas e não precisava explicar ao irmão sobre como o destino final de sua vida não estava em suas mãos, ele entendia disso muito bem e a observara nos últimos cinco dias o suficiente para crer que ela estava sofrendo. Por isso a procurara. Queria se certificar de que havia feito a coisa certa, partindo do pressuposto de que sua irmã estava agora tão descontente como ele com a união prevista, apostando na ideia que lhe assaltou no dia seguinte do retorno da aventura dela, mesmo sem ter certeza de que seu plano daria certo — e sem ter certeza de que ele mesmo estava certo.
— Você acha que ela foi muito infeliz? — Flora perguntou, com os olhos ainda perdidos no horizonte.
— Ela? Ela quem? — ele perguntou um pouco confuso.
Flora virou a cabeça o suficiente para lançar a ele um rápido olhar.
— Nossa mãe. — Ela suspirou. — Você teve a oportunidade de conviver um pouco mais com ela.
— Nem tanto, eu tinha pouco mais de seis anos quando ela se foi. Mas guardo algumas boas lembranças. — Fergie balançava os pés no ar quando uniu as duas mãos sobre as pernas. — Me recordo do sorriso dela, ela abria um sorriso sincero quando eu me aproximava. Acredito que ela nos amava, Flora.
— Eu sei — a princesa disse com o olhar distante novamente. — A Sra. Darcy me disse certa vez que mamãe considerava os filhos a única coisa boa de sua triste vida. E isso me leva a pensar em como ela deve ter sido muito infeliz. Nosso pai foi insensível tirando-a bruscamente de casa como fez. Isso soa tão cruel.
— Isso tem te atormentado, minha irmã?
Flora sentiu o coração apertar dentro do peito e todas as emoções ressurgiram com força. Sim, ela havia passado boa parte do tempo nos últimos dias pensando sobre seu destino. Embora as condições não fossem as mesmas, sentia que, talvez, estivesse fadada à mesma triste história da mulher que seu pai escolhera para ter ao lado, mas a quem não soube valorizar. E pensar nisso a assustava e a deixava ainda mais chateada por ter tentado se iludir por tanto tempo.
— Eu sempre pensei que se me casasse com um homem por quem fosse apaixonada e que eu conhecesse de antemão eu seria feliz e evitaria o mesmo destino de nossa mãe.
— E agora?
— Agora já não sei. Henry parece ser o que o futuro me reserva e até então eu imaginava que... Acreditava que o amava profundamente e nós seríamos felizes por causa desse sentimento, porque, diferente de nossa mãe, eu poderia escolher amá-lo antes mesmo de precisar partir.
— Acreditava? — ele questionou e quando o olhar dela confirmou suas suspeitas, fez de tudo para esconder o alívio que sentiu com a resposta positiva em relação às suas dúvidas. — O que Henry fez para mudar sua postura diante dele?
Flora era capaz de relatar ao menos uma dúzia de atitudes de Henry nos últimos cinco dias que não só a irritara, como foi capaz de extinguir qualquer resquício de encanto que ainda sobrara nela depois daquele estranho reencontro. Uma delas, a insistência em beijá-la sempre quando havia uma oportunidade e a reprovação demonstrada quando ela recusava delicadamente ceder a seus intentos, fizeram com que ela tomasse providências para nunca ficar a sós com ele, o que gerou ainda mais descontentamento no homem.
— Henry tem ideias bastante limitadas sobre o cérebro das mulheres — Flora escolheu com cuidado uma de suas insatisfações com o herdeiro de Goi para tentar expor a mudança de seus sentimentos. — Ele acredita que só pensamos em vestidos, joias, penteados e bailes.
Os lábios de Fergie se curvaram ao analisar o quanto ela estava certa. Contudo, nada disse, dando espaço para que a irmã continuasse a falar.
— E eu não posso deixar de sentir certa raiva quando ele me informou que eu não poderia levar Amelie comigo para Goi depois do casamento, tampouco a Sra. Darcy. Isso porque ainda não estamos noivos. Segundo ele, elas não são o tipo de relação que eu deveria ter e me arrumaria uma criada menos arrogante que se colocasse em seu lugar. — Flora demonstrou com um olhar sua indignação, principalmente porque Henry foi incapaz de entender os laços que a unia a essa família. — Ame nunca escondeu sua aversão ao príncipe, e agora eu consigo entender o porquê.
Ah, sim, ela entendia. Fora tola, ela sabia. Enganou a si própria, fechando os olhos e ouvidos para não enxergar a verdade e fantasiou no príncipe a espécime de homem perfeito com quem seria feliz para sempre. Aqui devemos isentar a princesa de certa medida de culpa, uma vez que o príncipe de Goi era perito na arte da conquista e a jovem mulher, até então, não tinha condições de julgar decentemente comportamentos masculinos. Para ela, toda aquela elegância, charme e palavras doces aos seus ouvidos eram a combinação perfeita de um pretendente ideal, garantido felicidade eterna e um arrebatador romance como os dos livros de ficção.
E então, quando ela percebeu o quão supérfluo eram aqueles atributos perto do que realmente importa, lamentava-se e envergonhava-se por ter defendido a honra de alguém cuja paixão cegara sua visão. E reconhecer isso trouxe apenas mais angústia por recordar que Philip mais de uma vez tentou alertá-la de suas tolas fantasias.
Flora apertou o caderno com mais força, tentando se proteger do que ali estava escrito. Estava tudo perdido. Ainda que tivesse tido uma única chance de mudar seu futuro — o que provavelmente era só uma ilusão —, ela tinha estragado tudo, afirmando tantas e tantas vezes o seu sentimento por Henry. Portou-se como uma criança insensata e não esperava outra reação dele ao partir sem se despedir.
Sim, "ele" aqui mencionado é nosso guerreiro de Or cujo paradeiro no momento é desconhecido para o leitor. Não será difícil para você compreender como os sentimentos de nossa heroína em relação à Philip foram descobertos por ela quando se sentiu desamparada e abandonada pelo homem a quem ela aprendeu a admirar, embora ela culpasse exclusivamente a si própria por repelir toda e qualquer tentativa de aproximação.
De nada adiantava pensar em Philip, ela sabia. Não deveria perder tempo fantasiando algo que nunca aconteceria. E quanto mais essa realidade apresentava-se dura e infalível, mais sentia-se arrependida de um dia ter bolado aquele plano terrível com Amelie.
— Eu estou tão confusa, Fergie. Sinto que se não tivesse me aventurado a sair, nada teria mudado e eu poderia seguir com meu plano de vida, me esforçando para que ele desse certo. — Ela olhou para os dedos prensando o caderno cuja capa era de couro marrom e lamentou mais uma vez suas desventuras. — Não estaria sofrendo agora se não tivesse conhecido... O mundo lá fora.
Fergie se agitou. Se por um lado teve a certeza de que havia feito a coisa certa, por outro, temia que seu plano não terminasse como previa, por isso teve receio de dar falsas esperanças a sua irmã. Sabia que sua interferência estava limitada a interesses de outros e esperava que estivesse certo quanto a seus palpites. Mesmo assim, se tudo ocorresse da maneira mais perfeita possível, ainda restava seu pai, e tinha certeza que diferente dele, o rei não se importava com os sentimentos da filha.
Bem, o que o monarca poderia fazer, uma vez que ele mesmo não se importou com os sentimentos da própria mulher a quem desposou, tratando-a como apenas mais um prêmio de suas conquistas? O príncipe conhecia o pai e seus caprichos. Ele estava, naquele momento, inclusive, demonstrando uma grande dose deles ao rejeitar a presença de Flora, fazendo questão de proibi-la até mesmo de cruzar seu caminho, como punição pela fuga da jovem. O rei poderia ser um excelente governante, mas era péssimo em assuntos familiares.
— Aconteça o que acontecer, Flora, eu estarei aqui para você e apoiarei suas decisões — Fergie por fim respondeu passando seu braço sobre o ombro da princesa, puxando-a para um abraço confortador. — Tente ao menos aproveitar seu baile amanhã, sabemos que é um grande momento e você não tem motivos para ficar infeliz diante de tal acontecimento.
Flora tentou concordar com o irmão, entretanto, nada mais fazia sentido para si, nem mesmo a perspectiva de seu baile, tão almejado em tempos não tão distantes. De repente tudo aquilo havia perdido a cor e seu coração parecia ansiar por um lugar desconhecido, como se ali fosse o seu verdadeiro lar.
— Além do mais — Fergie completou — Amelie está a sua procura, e conhecendo-a tão bem como eu, sabe que estarei encrencado se você não retornar rapidamente para decidir a cor do seu vestido, ou algo assim.
Flora sorriu, dessa vez um sorriso sincero.
— Embora — Fergie sentiu necessidade de completar quando já iniciava a descida na frente da irmã — duvido muito que ela, assim como eu, pense que sua mente só se preocupa com vestidos, joias e bailes.
A despeito desse comentário, Flora sentiu necessidade de acertar o irmão com o primeiro objeto que estivesse ao alcance da mão.
Ao menos, ela sabia, tinha o amor de Fergie e dos Darcy's e isso ninguém e nada poderia mudar.
....
Novamente peço perdão aos leitores pela demora. Esse capítulo, em especial, tive dificuldade em escrever. Comecei e parei por diversas vezes até consrguir chegar aonde desejava. Mas, a boa notícia é que estamos na reta final e eu não vou abandonar a estória, mesmo que haja demora em postar os capítulos. Seguiremos juntos até o fim, se porventura continuarem comigo.
Temos um Instagram agora: @ladysdepemberley
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