Trinta e dois

Flora sentia o coração pular em seu peito enquanto caminhava pelos enormes corredores do palácio. Era impossível prever quais seriam as reações de Henry diante da presença da princesa que, até então, estava isolada e carregava em seu corpo sinais de uma doença terrível e altamente infecciosa. Dado aos olhares indiscretos dos funcionários e a hesitação ao se aproximarem e curvarem em reverências, imaginou que talvez o amado de sua alma reagisse de semelhante forma, repelindo-a de perto de si. E, definitivamente, tudo que ela precisava era de braços acolhedores de um amigo.

Dispensarei aqui o leitor de ler um relato minucioso sobre os minutos antecedentes desse encontro, quando, após o anúncio da chegada do príncipe de Goi, Flora precisou se apartar de seu irmão e se preparar para se apresentar diante de seu prometido. Apenas mencionarei a insatisfação de Amelie que, com sua costumeira implicância, auxiliou a princesa como pedia o dever, embora deixasse claro seu desgosto com a presença de Henry. E foi ela quem assumiu o cargo de acompanhante e caminhava ao lado da princesa apreensiva, cujos olhos, apenas, demonstravam a ansiedade e o medo dominando-a completamente.

Flora puxou bastante ar pela boca, inflou o peito e ergueu a cabeça, esboçando um sorriso encantador assim que as portas da sala de recepção foram abertas. Henry, que trocava formalmente algumas palavras com Fergie, ergueu-se imediatamente da poltrona em que estava ao avistar a esbelta figura da princesa adentrando no ambiente. Determinado, caminhou a passos rápidos em direção a ela, os olhos azuis buscando os incertos da jovem.

— Flora, minha querida — ele pegou a mão que ela ofereceu sem titubear e conservou-a entre as dele. — Gratidão e alívio por meus olhos poderem confirmar a expectativa de meu coração. Vejo que se encontra estabelecida, como Fergie me garantiu que estaria.

Flora sentiu o calor da mão do belo príncipe contrastar com as suas mãos geladas. Henry estava ainda mais encantador do que a última vez que o vira. Já havia se passado seis meses e o corte de cabelo estava diferente, os cachos loiros penteados, embora displicentes, tinham um cumprimento maior, dando um aspecto ainda mais perfeito ao rosto que parecia ter sido esculpido por mãos de um artista talentoso. Obviamente, Henry não estava alheio à beleza espetacular com a qual fora premiado, cuja associação com um título e uma educação de primeira, deixava praticamente todas as mulheres a seus pés. Usava tudo ao seu favor, sabendo quanto uma imagem valia no seu mundo e quantas vantagens a vida poderia lhe oferecer desde que usasse seus atributos com astúcia e inteligência. Flora também estava ciente disso, fato que naquele momento acentuava o calor que irradiava em seu coração, quando se recordava que dentre tantas outras, ele havia a escolhido para amar.

— Sinto-me perfeitamente bem, príncipe Henry.

Um sorriso aberto e verdadeiro estimulou o beijo carinhoso que ele depositou nos dedos alongados dela.

— Aceitaria dar um passeio? — Henry perguntou e sem esperar resposta, colocou gentilmente a mão dela em seu braço. — Temos autorização para andar pelos jardins.

Flora, que dedicava sua atenção ao príncipe, desviou rapidamente o olhar e encontrou os olhos inquisitivos de Fergie. Por um momento imaginou que ele estivesse confuso, contanto, compreendendo as intenções dela em aceitar a proposta, ele apenas acenou com a cabeça em sinal de permissão.

— Ficaria encantada! Há tantas coisas para conversarmos! — ela respondeu com expectativas. Ainda não decidira o quanto revelaria a ele de sua aventura, mas estava certa de que ele daria boas risadas ao saber parte pelo que ela tinha passado.

— Sim, temos — ele respondeu com uma seriedade que fez os pelos da nuca de Flora se arrepiarem.

Os dois caminharam lentamente até o jardim, seguidos por Amelie que não ousou se afastar do casal. Estava bastante claro que nem ela nem Henry sentiam-se felizes com a presença dela como dama de companhia de Flora, contudo, as ordens tinham sido bastante claras e Ame não poderia se afastar da princesa, em nenhuma hipótese, até o Tsalach. Henry relatava com bastante gosto tudo que aconteceu em sua nada monótona vida durante os últimos meses, contando sobre as viagens dentro dos Reinos, sobre seus muitos deveres e como havia alcançado as melhores vantagens em uma negociação, conseguindo assim, aumentar ainda mais sua renda particular — o que significava mais vestidos e joias para sua esposa, o que foi dito num tom bastante insinuante.

— Mas, preciso admitir que mesmo em minhas mais emocionantes jornadas, meu coração clamava por um lugar que eu possa chamar de lar, onde uma bela mulher esteja me esperando, de braços abertos para receber todo o meu amor.

Flora, que estava distraída olhando as flores amarelas recém-abertas, viu de relance quando Amelie revirou os olhos e não escondeu o sorriso. Henry recebeu aquilo como um encorajamento e apoiou sua mão na dela. Flora o encarou a tempo de perceber o olhar sério com que ele lhe observava.

— Acredito — ela começou a dizer, percebendo que deveria dar uma resposta — que embora uma aventura tenha sua cota de emoções, sempre é bom ter um lugar onde possa ter a sensação de domesticidade e a segurança de um lar. — E aquilo de repente soou como uma verdade incontestável para ela.

— Você é uma mulher preciosa, Flora — Henry declarou sem esconder a satisfação de ouvir aquelas palavras. — Sou muito sortudo porque meu coração se aprisionou a uma mulher como você.

Aqui o coração da princesa acelerou e ela esperou que ele dissesse algo em relação ao previsto — e esperado — casamento dos dois. Embora Henry nunca tivesse se esforçado para esconder o afeto que sentia, sempre mencionava apenas a expectativa com o baile de apresentação, quando, ela sabia, seu pai passaria a receber os pedidos oficiais de casamento. Porém, ele beijou a mão dela e a olhou intensamente, talvez esperando que Flora tomasse frente diante do assunto. Contudo, ela foi incapaz de dizer algo.

— O que acha de pararmos ali, naquela sombra? — O príncipe apontou para um espaço embaixo de uma frondosa árvore. Flora concordou e eles caminharam até um dos bancos de madeira que ali se encontrava.

Amelie manteve certa distância, mas não o suficiente para que a conversa do casal ficasse longe de seus ouvidos. Quando eles se sentaram, ela passou a recolher algumas pequenas flores alaranjadas que brotavam ao redor, entretanto, com os ouvidos muito bem atentos ao que acontecia entre os dois.

Henry manteve a mão de Flora na sua quando se sentaram, ainda que isso não fosse tão apropriado. Contudo, eles estavam quase comprometidos, ela pensou quando ele a encarou e perscrutando seu rosto, ergueu as sobrancelhas.

— Você me parece mais corada — ele disse em tom lamuriante, tocando suavemente nas faces da jovem. — Sua pele não está mais branca como porcelana. Pelo grande guerreiro Silos, espero que até o baile possa recuperar sua cor.

Flora engoliu em seco surpreendida com a fala e com os dedos que passeavam livremente por seu rosto até alcançar seus lábios. Henry desviou os olhos para ali, mas não se atreveu a aproximar.

— Pensei que a encontraria mais abatida, pálida e com olheiras profundas nos olhos — ele disse, desviando de seus pensamentos o real desejo do momento. — Mas ao invés disso, me parece com ainda mais vigor.

Flora suspirou.

— Henry...

— Faz parte do tratamento — Amelie interviu na conversa com coragem, recebendo olhares confusos por parte dos dois. — O médico receitou que a princesa tomasse várias horas de sol para ajudar a combater a apatia que lhe sobreveio, e pelo visto funcionou mesmo. Por isso ela se encontra assim, colorida pelos raios do gigante astro solar.

Henry não escondeu o quanto ficou chocado com a intromissão de Amelie. Para ele era inconcebível que uma simples criada falasse pela princesa, e isso porque ele não tinha se dado conta de que ela estava de fato ouvindo a conversa deles. Flora mordeu o lábio sem saber o que fazer.

Ela poderia concordar com a história de Ame, mas, ao pensar na possibilidade, no mesmo instante lhe veio a mente uma repreensão na voz de Phillip.

A testemunha sincera não engana, mas a falsa transborda em mentiras.” — disse certa vez o guerreiro com toda a seriedade que emanava de si.

— Ela precisa mesmo estar aqui? — Henry sussurrou com desgosto, forçando Flora a voltar a dar atenção ao príncipe. — Não compreendo porque Amelie sempre insiste em se manter por perto.

— Ela está apenas cumprindo com seu dever. É uma dama de companhia, como tal, deve estar por perto — Flora respondeu com um sorriso fraco.

— Se ela nos deixasse por um segundo, eu prosseguiria com meus intentos — ele disse com a voz firme e puxou a mão dela para mais perto. — Só eu sei o quanto espero para beijá-la de verdade, minha princesa.

— Beijar? — Flora indagou num misto de expectativa, surpresa e receio. Ele nunca tinha falado tão abertamente sobre o assunto, muito embora já tivesse tentado roubar alguns beijos da inocente jovem, conseguindo uma ou duas vezes, mesmo sob protestos dela, encostar os lábios de ambos rapidamente. — Isso significa...

— Que eu estou loucamente apaixonado por você e mal posso esperar o momento de tê-la em meus braços. — Henry inclinou-se um pouco para frente e segurou uma mexa de cabelo dela. — E serei o homem mais orgulhoso por ter ao meu lado a mais linda mulher dos quatro Reinos de Chail. Todos invejaram a minha mulher. Minha mulher...

Flora segurou a respiração por um momento. Porém, quando Henry passou a beijar sua mão e atreveu-se a beijar seu punho, ela recolheu o braço rapidamente.

— Isso significa que você já acertou tudo com meu pai? — indagou ela hesitante.

— Ainda não — Henry respondeu com a feição de insatisfação pela recusa dos seus avanços. — Mas isso é mais certo do que o sumiço de um homem que se atreve a atravessar o Vale Embevecido durante a noite.

A menção fez os pensamentos de Flora seguirem por outro caminho. Bem, dois homens haviam passado pelo Vale e não haviam sumido, isso era certo. E pensar neles fez seu coração contrair entristecido. A rompante partida do guerreiro e seu escudeiro ainda não tinha sido bem recebida pela princesa e parecia que nem mesmo aquela nova informação revelada por Henry teve a capacidade de animá-la.

Bem, talvez porque ela já esperava aquela notícia, não é verdade?

— E é por isso que eu acredito ser merecedor de seus beijos.

— Henry, já esteve em Or? — Flora perguntou num rompante sem dar atenção às palavras dele.

— Em Or? — ele perguntou retoricamente ao perceber a escapulida da princesa.

— Sim, tenho curiosidades sobre o Reino — ela disse com tanta doçura que desarmou o príncipe, encantado com o jeito dela. — Gostaria de saber mais sobre esse lugar desconhecido.

— Sim, é claro que já estive lá — ele respondeu a aproveitou a chance para dar um de seus sorrisos charmosos. — Contudo, é um lugar sem graça, com pouca diversão e com regras um tanto... intransigentes. As pessoas têm ideias ultrapassadas, algumas jovens mulheres se vestem como senhoras idosas — ele disse de maneira brincalhona, mas reprovadora. — Se eu puder mantê-la afastada de lá, minha pedra preciosa, é isso que farei depois que levá-la comigo para Goi.

Flora tentou esconder o choque por ouvir palavras tão contraditórias ao que imaginara até então.

— Mas o rei de lá é tido como um grande sábio. Fergie mesmo me disse que vários nobres e líderes buscam o seu conselho em muitas ocasiões.

— Sim, um bando de velhos anacrônicos incapazes de manter uma visão além dos contos da antiguidade. — Henry ergueu o queixo e passou um de seus braços por trás dos ombros da princesa, embora tenha sido cuidadoso para apoiá-los no encosto do banco e não tocá-la depressa. — Não confio na visão desses anciões ultrapassados. Tenho ao meu lado os melhores e mais inteligentes homens de Goi, jovens em seu máximo vigor, e todos estão prontos para estarem ao meu lado quando eu ascender ao trono. Dispensarei toda aquela corja dos conselheiros de meu pai. — Vendo a expressão de surpresa no rosto dela, ele amaciou a voz e ousou tocar em seu ombro. — Mas isso não deve ser uma preocupação para você. Não perca seu tempo se afligindo com assuntos desinteressantes. Pouparei seus ouvidos de saber como um Reino deve ser de fato governado.

Flora estava prestes a debater sobre aquilo, mas se conteve a tempo quando percebeu o olhar vitorioso de Amelie, que recriminava Henry sem dó. E, de repente, percebeu que em outra época ela concordaria com a colocação dele.

— Pelo grande guerreiro! Estamos aqui discutindo assuntos que devem ser extremamente tediosos para você, querida Flora. Por favor, não se iniba se deseja falar sobre a grande festa, ou sobre o vestido que pensa usar. Estarei aqui pronto para ouvir qualquer assunto de seu interesse e garanto que mal posso esperar para vê-la descer as escadarias ao meu encontro no baile que há tanto tempo você espera. Será um dia inesquecível para nós!

E aqui posso apenas contar como a princesa, sentiu-se pressionada por não ter como explicar que mal tivera tempo de pensar em qualquer assunto relacionado ao baile, já que não estava de cama, entediada, como ele imaginava. Ao contrário, passara os dias anteriores tão envolvida com todo tipo de aventura que mal tivera tempo de pensar em vestidos de festa. Sendo assim, ela o estimulou a falar dos dias que estiveram distantes e tentava a todo custo buscar nas falas dele algum vestígio de admiração que, pouco a pouco, pareciam evaporar enquanto o príncipe expunha seus sucessos e seu desejo desmedido de enfim anunciarem a união que, segundo as próprias palavras do príncipe de Goi, demarcaria uma nova era de administração, cuja união de força — da parte dele — e beleza — da parte dela, não tirando, é claro, os próprios atributos dos quais ele era dono — simbolizariam o poder de seu reinado.

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