Trinta

Perdoem-me a demora, senhoritas, mas trabalhos extras exigiram minha atenção nos últimos dias. Contudo, tenho trabalhado para concluir brevemente esse livro. Informo aos leitores que as Ladys agora estão também no Instagram.

Pouparei aqui palavras informando apenas ao leitor que Flora e Philip mal perceberam o tempo passar, enquanto conversavam durante o trajeto. Nosso guerreiro estava muito satisfeito em ouvir sobre as peripécias de uma princesinha nos seus dez anos aprontando com os empregados. Não se deu conta de que durante todo o tempo mantinha um sorriso nos lábios, ainda que muitas vezes tímido. Inclusive, talvez futuramente devesse estudar se tal sentimento de felicidade era capaz de extinguir dores como a que sentia no braço. O fato é que mal se lembrou do incômodo até chegarem às proximidades do palácio.

Assim que se aproximaram do imponente monumento totalmente rodeado de muros altos feito de pedras cinza, cuidadosamente colocadas uma sobre as outras, a ansiedade e a tensão tomou conta do interior da carruagem. Phillip prevendo o afastamento repentino e a responsabilidade que lhe era devida chamar, ciente de como seria recebido pelos familiares da linda jovem assentada à sua frente. Ela, por sua vez, mal podia respirar com tantos sentimentos brotando e misturando-se dentro de si. Medo, pavor, saudade, satisfação, negação, tristeza e outras tantas emoções comprimiam seu peito. Encontrava-se inerte, calada, observando a paisagem do lado de fora dos muros onde vivera toda uma vida.

- Ficará tudo bem, tenho certeza - Phil a surpreendeu segurando sua mão fria. - Não se preocupe.

Antes que Flora pudesse contabilizar o prazer de sentir o toque quente e gentil do homem, ele se afastou bruscamente, cruzando os dois braços sobre o peitoral, fazendo uma careta de dor quando sem cuidado manuseou o braço ferido.

- Temo o que pensarão de mim. Agora estou ciente da grande confusão que causei e quanta responsabilidade cairá sobre mim com essa ousada saída - ela confessou olhando pela janela.

- Não haveria como saber que a senhorita seria sequestrada. Embora não posso aplaudir seu ato inicial, principalmente sabendo que se afastou propositalmente de sua guarda, posso compreender plenamente que houve uma situação inesperada da qual não é responsável.

Flora riu involuntariamente.

- Está tentando aplacar minha culpa, senhor Philip?

Phil não queria ter rido, mas era impossível resistir à expressão doce e peralta da jovem.

- Apenas tentando ser compreensível - respondeu dando de ombros.

Os dois fizeram silêncio novamente e foi possível identificar o barulho de pessoas conversando do lado de fora da carruagem. Flora espiou mais uma vez pela janela e foi surpreendida quando o veículo puxado por quatro cavalos entrou pelo portão secundário onde, normalmente, entravam apenas os funcionários. Ela mordeu os lábios imaginando o que as pessoas pensariam de uma princesa fujona e irresponsável.

Seria aquela uma parte dos castigos que sobreviriam sobre ela? Perdera seu prestígio? E ela se importava com isso?

Ela tentou não pensar e desviou o olhar da janela, fechando a cortina encostou-se ao banco, exausta física e emocionalmente. Porém, ao invés de fechar os olhos, contemplou por um momento o homem a sua frente com quem vivera a maior aventura de sua curta existência. Contudo, ela estava prestes a voltar para sua antiga vida, cheia de regras, etiquetas, vestidos e aparências. E mais, seria apresentada ao Reino, sendo conhecida pelos súditos e levando em suas costas ainda mais carga, embora tudo isso soasse, agora, como uma prisão.

"Bem, ao menos em pouco tempo eu estarei casada com Henry e minha vida mudará... Isso se..."

Por mil pastos! Ela não tinha ponderado sobre seu quase futuro noivo! O que ele pensaria dela? Bem, Henry era um jovem amável e compreensível. Sempre incentivara Flora em todas as suas ideias, elogiando sua inteligência e, claro, beleza inigualável. Mas... E se ele tivesse achado que ela o recusara, fugindo como fez?

Contudo, a resposta não veio. A carruagem parou bruscamente e antes que ela pudesse pensar, a porta se abriu e a figura elegante e máscula do príncipe Fergie cobriu todo o espaço de visão da princesa que, sem pensar, atirou-se desengonçada nos braços do irmão.

- Pelos céus radiantes! Você está bem! - Fergie respondeu, abraçando-a desajeitadamente. Depois, afastou-se um pouco e avaliou o rosto da princesa, ajoelhada no assoalho do veículo. - Você ficará de castigo pelo resto de sua vida, menina atrevida! Como ousa?

- Oh, Fergie! - Flora choramingou, levando as duas mãos até o rosto. - Não seja tão duro, eu te peço. Explicarei tudo.

Fergie beijou a testa de sua irmã antes de voltar seus olhos para o acompanhante até então ignorado. Flora se recompôs e se afastou um pouco para que eles pudessem se conhecer.

- Fergie, esse é o senhor Philip De Baruch, quem me conduziu em segurança até aqui e a quem devo minha vida por me livrar das mãos dos verdadeiros vilões.

Os dois homens, desconfortáveis com a maneira que eram apresentados, manearam a cabeça num cortês cumprimento. Antes que alguma palavra pudesse ser dita, Fergie foi delicadamente retirado do lugar onde estava, para que uma jovem loira, dos olhos verdes e um sorriso iluminado, tomasse seu lugar.

- Flora! - ela exclamou estrépita, sendo advertida para ser discreta pelo príncipe ao seu lado. Sem pensar, segurou as mãos da princesa com força. - Oh, minha querida amiga! Você está bem? Passei todos os dias me culpando e só consegui ter paz quando recebi a carta do senhor De Baruch - ela olhou para o homem sentado no banco do veículo - que deve ser o senhor, meu senhor.

Flora riu, soltou as mãos da amiga e se sentou novamente no banco.

- Amelie, esse é o senhor De Baruch. Philip, essa é Amelie.

Philip fez uma mesura, sendo retribuído igualmente pela menina. Logo depois, a movimentação de alguns soldados ao redor se intensificou e Flora desejava muito sair de dentro daquele pequeno espaço agora que estava em casa. Porém, antes que pudesse revelar seus intentos, foi advertida de que seria necessário esconder-se com uma capa devidamente providenciada por sua dama de companhia e camareira.

Philip, portanto, foi aconselhado a descer e Flora viu de soslaio ele e o irmão conversando de modo bastante formal e um tanto contido enquanto Amelie a ajudava a vestir a pesada capa por cima de seu vestido, então sujo e amarrotado.

- Todos pensam que você está terrivelmente doente, com algo contagioso - Ame contou, prevendo as indagações da princesa. - Não havia outra maneira de esconder seu sumiço sem causar um escândalo.

Flora mordeu os lábios enquanto a amiga amarrava as tiras do capuz sobre seu queixo.

- Quem exatamente é todos, Ame?

Amelie era íntima suficiente para entender o teor da pergunta.

- A princípio foi possível esconder do rei, mas Fergie achou que seria necessário contar quando teve ciência da carta dos sequestradores. Infelizmente, a do Sr. De Baruch só chegou alguns dias depois. Teríamos poupado o desgosto de seu pai se soubéssemos que estava em boas mãos, voltando para casa. - Ela fez uma pausa e contemplou o rosto expressivo de Flora. - Seu irmão aplacou a fúria de Sua majestade e conseguiu convencê-lo de manter nossos planos. Pronto, está irreconhecível assim.

Flora suspirou e sentiu pesar por colocar seu amado irmão em tal situação. Mas o que estava feito, estava feito. Não havia como voltar atrás.

Com auxílio de Amelie, Flora desceu da carruagem e escondeu sua face por baixo do capuz. Rapidamente Adrey aproximou-se e tocou as costas dela com delicadeza, indicando o caminho por onde deveria seguir. Contudo, antes de iniciar o trajeto, captou a voz do príncipe, dirigindo-se a Phil.

- Consinto com seu desejo, conseguirei uma audiência com Sua majestade, senhor.

Flora ergueu levemente a cabeça e encarou o guerreiro, cujos olhos encontraram o dela. Havia ali aflição? Inquietação? Ela não conseguiu decifrar, contudo, parecia que aquele olhar era mais significativo do que imaginava. Quando Adrey a apressou, Philip maneou a cabeça num cumprimento formal e ela foi obrigada a se retirar apressada.

Infiltraram-se no palácio pela entrada sul, normalmente utilizada pelos soldados e guardas. Caminharam em silêncio por corredores propositalmente vazios e desconhecidos a ela antes de adentrarem por passagens secretas que existiam dentro de quase todas as paredes do castelo. Ela entrou e saiu por tantas portas e caminhou por longos corredores escuros, sujos e úmidos, que logo perdeu a noção de tempo e espaço. Suas pernas também davam sinal de cansaço e os dias de viagem pareciam pesar em suas costas.

Flora sentiu um enorme alívio quando reconheceu o corredor da ala dos seus aposentos. Saíram por uma porta que dava na dispensa das roupas e após Adrey conferir o caminho, as duas mulheres correram em disparada e só respiraram aliviadas quando estavam seguras no quarto da princesa e a porta trancada atrás delas.

Flora, ofegante, ergueu a cabeça e desceu o capuz, sendo recebida com um forte abraço de sua mais querida amiga. Ali elas não precisavam manter as aparências.

- Oh, Flora! Como é bom tê-la aqui! Pensei... Pensei que nunca mais a veria novamente e carregaria esse peso em minhas costas pelos restos dos meus tristes dias, que seriam poucos, obviamente, já que seria executada por ordens do rei.

Flora apertou a amiga em seus braços, apesar de reconhecer o drama dela. Percebeu a falta que Ame fez naqueles dias e imaginou o terror sentido quando ela não voltou.

- Mas chegue de melancolia! Vou preparar um banho para a senhorita. Como deve estar cansada depois de tantos dias convalescente nessa cama.

Flora riu com a mudança brusca do humor de sua serva e agradeceu o auxílio para se livrar da capa e do vestido, olhando para a convidativa cama do quarto. Com toda certeza ela desejava muito descansar seus músculos.

- Conte-me, como tudo ocorreu durante minha ausência? E o baile... Como? - Flora seguiu a amiga até o quarto de banho. - Por favor, Amelie, deixe-me ciente do que me aguarda.

Amelie parou e virou-se para ela com os lábios curvados.

- Arranjamos uma grande confusão com nosso pequeno segredo. - Depois de Flora retribuir o sorriso ela voltou a preparar a banheira para receber a princesa. - E vossa alteza me deve muitos léchem. Precisei desembolsar uma boa quantia para cobrir possíveis rastros.

Flora suspirou e cruzou os braços.

- Sabe que isso não será um problema.

Amelie passou a relatar como tudo ocorrera. A princípio, quando os dois homens que faziam sua guarda retornaram sozinhos, desesperados, Ame pode contar com aquela imprudência deles para garantir completo silêncio e foi quando Adrey precisou ser informado. Ele ficara enraivecido, de tal modo como a irmã nunca tinha visto. Imediatamente montou uma pequena equipe com seus soldados de confiança e partiram em busca dela. Foi quando interceptaram uma carta, avisando de um possível sequestro. Compreenderam rapidamente, pelas palavras tão mal escritas e uso comum de uma expressão do reino inimigo, que os correspondentes se tratavam de guers Achers.

- Adrey assumiu que não poderíamos mais esconder de Fergie e ele foi avisado de seu sumiço - ela contou auxiliando a princesa a entrar na banheira quente. - Mas, por incrível que pareça, a princípio o príncipe não pareceu tão preocupado. Apenas quando meu irmão e seus homens não voltaram de suas buscas é que ele começou a suspeitar do pior. Nessa altura, fizemos a fofoca sobre uma doença misteriosa que acometeu a princesa se espalhar pelo castelo, antes de tomar as ruas e as suspeitas do seu Tslach ser adiado, causando grande comoção entre o povo.

- Meu pai...

- Fergie quem lidou com ele. Sei que a notícia de sua doença foi informada e o príncipe garantiu que o médico que tratava da senhorita era o melhor do reino, pedindo isolamento da doente e proibindo a aproximação de homens de idade do seu quarto. Nesse caso, apenas eu fui escalada para passar meus dias ao seu lado em seus aposentos, evitando o contato com o mundo exterior, enquanto cuidava da princesa gravemente doente. - Amelie revirou os olhos. - Imagina como foi tedioso ficar trancafiada todos esses dias aqui, não podendo sair para nada? Tenho certeza de que a ideia partiu do seu e do meu irmão, punindo-me como uma prisioneira por apoiá-la em seus planos.

Amelie auxiliou Flora enquanto relatava sobre a carta de Philip, sobre o alívio por saber que ela estava bem e como se desdobraram todos os acontecimentos posteriores, inclusive sobre a terrível mudança do baile.

- Sabe que essa é a segunda vez que a tradição é quebrada? Seu pai está inconformado porque o Tslach não acontecerá na data tradicional, uma semana antes do dia de seu nascimento. Contudo, sua doença e o desejo de sua recuperação a princípio aplacou a decepção. - Amelie que estava sentada no chão ao lado da banheira, suspirou. - Até ele descobrir a verdade. Fergie disse que ele proferiu palavras que não devem nem ser mencionadas novamente.

- Estou bastante e encrencada então, imagino.

- Não tanto - Amelie ergueu-se e pegou a toalha, percebendo nos olhos pesados da amiga que ela precisava mesmo de um descanso. - Ele está mais interessado no seu casamento e no que poderá ganhar com tudo isso.

Flora sorriu e lembrou-se de Henry.

- Antes que me pergunte - Ame interrompeu quando ela estava prestes a abrir a boca. - Não fui informada de como seu irmão atrasou a viagem do príncipe, antes dele saber de sua doença e retornar para Goi, ciente do adiamento do baile. Contudo, algo me diz que eles se divertiram bastante causando algumas dificuldades no caminho de seu amado.

Flora sorriu antes de sentir o prazer do contato delicado da toalha em seu corpo e se dar conta de que sentira falta de tal luxo. Amelie foi rápida em vesti-la, alimentá-la e com grande sabedoria enviá-la para a cama, como uma mãe zelosa faria.

Flora se recordaria, futuramente, que sorrira com o final inesperado de seu passeio ousado antes de fechar os olhos e entregar-se ao sono profundo que a consumia, mesmo sendo ainda dia.

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