Três
Philip observou a jovem bocejar pela terceira vez e, embora ela mantivesse uma distinção incrível em seus modos, a cada minuto parecia se render um pouco mais ao cansaço em cima do alazão de Jasper. Haviam andado pouco e em ritmo lento desde o início da jornada para poupar os cavalos, o silêncio interrompido apenas pela insistente cantoria do jovenzinho contente, que descrevia muitas de suas viagens através de versos animados e longos assovios, montado atrás do lombo do cavalo que Philip conduzia.
Philip avaliou bem Flora. Ainda estava intrigado sobre a sua verdadeira identidade e seus modos tinham levantado muitas suspeitas e indagações ao cavaleiro. Perguntava-se como uma senhorita conseguira se aventurar por aquelas estradas sem uma dama de companhia. E tinha, claro, o fato de estar em fuga, amarrada, com um homem mal intencionado no encalço, conjecturando, obviamente, que ela estava em apuros — e ele precisava saber a medida das confusões em que ela estava envolvida, comprometendo-o automaticamente a partir do momento em que se fez responsável por ela.
Surpreendeu-se também com a devida dedicação com que a jovem contemplava as pequenas coisas ao redor. Parecia deliciar-se com o canto dos pássaros, a brisa tocando seus cabelos, o sol irradiando em sua pele branca e não escondia o contentamento com a paisagem ao redor, se bem que estivesse empregando toda sua força de vontade para esconder o cansaço a dominando a cada metro avançado.
— Você parece estar como sua montaria, exausta — Philip disse e deu uma investigada no animal amarrado a sua sela, caminhando na sua traseira a passos lentos, mas satisfeito por não ter que levar peso extra.
— Sim, eu estou. Não dormi nada com o balanço da carroça. — Flora respondeu naturalmente, atenta ao voo de uma borboleta de um lilás intenso. — Não acho que seja um lugar apropriado para uma dama viajar.
— Uma carroça! — Jasper exclamou curioso demonstrando estar atento na conversa. — Por que a senhorita estava viajando em uma carroça?
Flora arregalou os olhos e se deu conta de que tinha jogado por água a baixo todo o seu plano de não expor sua fracassada aventura. De relance, ela observou que os dois homens estavam atentos nela, aguardando uma resposta. Tentou a todo custo pensar em uma explicação plausível, mas não achou uma saída a não ser desconversar.
— Esses pontinhos brancos nas plantas, tão belos, o que são?
A mudança brusca de assunto dita com uma desafetação forçada, não passou despercebida a Philip. Contudo, Jasper pareceu não perceber a intenção da garota em fugir de uma resposta e prontamente quis ser útil, como era do feitio de seu caráter.
— São pragas, senhorita. Atacam as plantas ferozmente e são capazes de destruir uma plantação inteira, arruinando toda a renda de um pobre agricultor.
— Que horror! — a moça exclamou de fato horrorizada. — E não há nada a ser feito para combatê-las?
Jasper passou a dedicar-se a explicar pacientemente sobre técnicas de cultivo, algo que ele conhecia muito bem, uma vez que seus pais eram agricultores. Philip pouco disse, mais empenhado em observar as reações da jovem, parecendo de fato muito interessada em toda a conversação do jovenzinho animado.
Quando o divertido assunto terminou, o silêncio se instaurou novamente entre os três e Flora voltou a bocejar movendo os ombros e pescoço em busca de aliviar o desconforto dos músculos afetados. Philip sabia que ela não conseguiria chegar até a cidade e corria sérios riscos de adormecer e cair do cavalo, colocando em perigo a própria vida e adiando ainda mais os compromissos do cavaleiro.
— Jasper, vamos parar no próximo vilarejo, às margens do riacho — Philip comunicou baixinho, evitando assim que Flora ouvisse suas intenções.
— Mas, senhor, se pararmos, dificilmente chegaremos a tempo de encontrar o Sr. Bascher.
— Se continuarmos, a jovem e o cavalo desfalecerão. Precisaremos fazer uma pausa e pensar como despachá-la em segurança antes de seguirmos para nosso destino. — Philip parou por um momento para refletir em suas decisões. Jasper, não dado a desobedecer às ordens dele, se calou. Então, como se quisesse justificar suas decisões, o cavaleiro completou. — Embora o conteúdo de nossa mensagem seja de suma importância, Sua Majestade ficaria muito decepcionado se não cumprimos com nosso dever diante da segurança de uma dama.
— Sim, ele se aborreceria e nos daria uma grande lição de moral: "Não adianta ter conhecimento se não aplicarmos em desenvolver também as qualidades de nosso caráter, cumprindo sempre com o nosso dever, custe-nos o que custar!" — Jasper repetiu entonando na voz do rei.
Flora, observando a baixa conversação entre os homens, manteve-se discreta, concluindo que o assunto não era reservado a ela. Embora, logicamente, precisamos destacar a natureza curiosa de sua condição feminina que se aguçou diante da perspectiva de um segredo que poderia ou não envolvê-la. Porém, ela continuou com sua resolução de não intrometer na discussão dos homens que ela sabia pouco ou quase nada.
A princesa, buscando a todo custo não pensar nas consequências de seu desaparecimento, deixou sua mente viajar para pensamentos mais agradáveis, como o lindo sorriso de Henry. Não podia esconder que a maior expectativa com seu Tsalach era poder enfim formalizar seu relacionamento com Henry — não que já houvesse algum acordo real entre eles, tudo não passara de flertes inocentes por parte dele e muitas faces coradas por parte dela, envolta em sua paixão platônica de infância.
Flora sempre soube que seu destino estava atrelado ao dele, desde criança. Princesas como ela não escolhiam seus futuros maridos e as uniões se davam a base de associações políticas e interesses gerais dos reinos envolvidos. Talvez por isso ela tenha forçado todo seu coração e emoções a se apaixonarem perdidamente pelo encantador rapaz dos cachos loiros. Tudo começou com uma conversa entre seu pai e Fergie, analisando possíveis alianças e mencionando um matrimônio vantajoso entre ela e o herdeiro de Goi; conversa essa que Flora ouvira atrás de uma porta apenas um ano antes do fracassado encontro com o príncipe já mencionado anteriormente. Ela era ainda uma criança, embora princesas não tivessem uma vida em geral como de uma criança comum. Sempre que se aventurava a fazer o que as meninas da idade dela estavam fazendo, acabava de alguma forma suja, metia-se em encrencas e ralhavam com ela.
"Princesa, você precisa ter modos! Sua vida tem um propósito e como tal, deve-se empenhar em cumpri-lo". — Ela podia ouvir a voz de sua tutora repreendendo-a, até mesmo em seus pensamentos, ainda que estivesse tão distante de casa.
Flora suspirou pensando em quanto a censurariam e ela precisaria usar toda a sua diligência para manter a paciência, aceitando cada palavra esbravejada sobre suas atitudes inconsequentes. Poxa, pela primeira vez na vida ela se aventurou em fazer algo arriscado e acabou onde acabou, bem longe de casa, morta de cansaço, montada no cavalo de um guer que ela não fazia ideia de quem era.
Mas, sua natureza delicada e amável procuraram pensar no bem de tudo aquilo e ela logo já havia se esquecido da maldade dos homens anteriores, passando a enxergar novamente seus novos companheiros como uma benção divina. Pouco ponderou na possibilidade de estar errada e voltou a divagar em Henry e no dia em que dariam o primeiro beijo de amor verdadeiro.
Contudo, mal embarcara em seus sonhos mais coloridos, quando os cavalos pararam e os homens saltaram de suas selas.
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