Doze

Esse capítulo ficou bastante extenso. Inevitavelmente, agora a trama tomará um rumo onde os acontecimentos serão mais intensos, sendo assim, disponibilizarei capítulos um pouco maiores. Espero que apreciem o que vem por aí!

***

Diante da confusão que havia se metido na barraca de pães, Flora decidiu que deveria encontrar Philip e Jasper. Ponderou, primeiramente, na possibilidade de retornar até o grande poço, contudo, ao constatar a necessidade de passar em frente ao homem de quem tinha escapulido há pouco, resolver mudar drasticamente seus planos.

Estava disposta a achar Philip. Ele não deveria estar longe, uma vez que havia saído em busca de informações. Naquela altura a princesa se encontrava em uma praça, longe do aglomerado comércio, decidindo assim começar pelas proximidades.

Sentada embaixo de uma tenda, uma senhora de meia idade dedicava sua tarde a observar o movimento da rua. Flora notou, de longe, o quanto ela se atentava a todos os detalhes das pessoas passando para lá e para cá. Percebeu a nítida semelhança com uma das arrumadeiras do palácio, sempre vigilante atrás de novas fofocas para espalhar entre os funcionários, e que conhecia um bom número de pessoas da região.

Considerou uma excelente oportunidade para ir atrás de alguma informação, por isso, aproximou-se sorridente da mulher.

— Com licença — Flora a interrompeu, que imediatamente teve seu interesse desperto pela princesa —, a senhora sabe onde posso encontrar o senhor Philip?

A senhora fez uma rápida avaliação das vestes de Flora, depois subiu para o penteado e deteve-se no rosto queimado de sol devido às horas de viagem em pleno sol.

— Ele é alto, mais ou menos assim. — Flora ergueu a mão e tentou se recordar exatamente a altura de Phil, indicando para a mulher com um gesto no ar onde seria o fim de sua cabeça. — Tem os cabelos longos e os fios são escuros. Ele é... Forte e anda com uma espada na cintura.

A mulher franziu a testa, tentando associar a descrição da jovem a algum conhecido. Contudo, a vaga informação não facilitava. Flora, sem saber como descrever melhor seu guardião, recordou-se de um detalhe importante.

— Ele é um guer, senhora — informou suspirando. — Preciso encontrá-lo imediatamente.

Um sorriso astucioso formou-se nos lábios da mulher. Ela endireitou a postura pensando em como a paixão deixava as jovens completamente fora da razão.

— Bem, não conheço nenhum Philip, contudo, se ele é um estrangeiro, deve estar na Taverna da Lua cheia. Todos os guer costumam se reunir ali.

— A senhora pode me mostrar onde essa Taverna fica? — Flora sentiu uma pitada de esperança nascer com a resposta segura recebida.

— Acho que não seria muito apropriado para a senhorita ir atrás dele. Não convém uma jovem...

— Sei bem do decoro imposto, contudo, Philip e eu estamos viajando juntos por que... Bem, isso não importa. — Flora cruzou as mãos em frente ao corpo e encarou a mulher com olhos de súplica. — Preciso encontrá-lo logo!

A mulher compreendeu a necessidade urgente de Flora. Claro, já havia testemunhado a presença de várias amantes viajando na companhia de homens, principalmente guers, contudo, nunca tinha encontrado uma tão jovem e de tão boas maneiras como a que estava de pé a sua frente. Deu-se conta de que, talvez, a menina fosse uma dama em fuga para se casar com um estrangeiro desaprovado por seus pais.

De posse de potenciais tramas para contar às conhecidas — e aumentar um pouco, como é de costume —, a mulher explicou à Flora qual caminho ela deveria percorrer para encontrar o objeto de seu afeto e sentiu-se parte do enredo de uma grande história de amor, quando testemunhou Flora agradecer enérgica diversas vezes a ajuda prestada.

Flora despediu-se da senhora e partiu, completamente alheia à situação corrompida na qual havia se colocado.

Seguindo a orientação recebida, a princesa parou diante de um cômodo — um pouco escuro e sujo para seu julgamento — e leu a placa "Taverna da Lua cheia". Feliz e mais aliviada por ter conseguido chegar até ali sem se meter em novas confusões, parou por um momento em frente à porta do estabelecimento, ouvindo o som de vozes masculinas vindo lá de dentro.

Obviamente, acostumada com todo o luxo e mordomia do palácio, e sem nenhum conhecimento da cultura local, o lugar pareceu um pouco sombrio. Mas, ponderou, era um local onde um homem guerreiro como Philip poderia estar... Bem, embora ela também não tivesse um claro conhecimento sobre o comportamento masculino fora do ambiente real.

Resignada a não parecer uma mulher ingênua para o rapaz, levou a mão até a maçaneta e abriu a porta, adentrando no ambiente bastante segura de si.

Flora não esperava se deparar com o tumulto que encontrou. Sentiu um forte odor masculino misturado à bebida alcoólica, fazendo seu estomago revirar. Por um breve instante, a ideia de sair correndo dali lhe ocorreu, porém, antes mesmo de conseguir decidir colocar em prática, uma cena à direita captou sua atenção.

Um homem vestido de preto, com a barba longa e negra, dono de uma avantajada barriga — chamaremos de Stuart — estava parado, de olhos fechados, enquanto um segundo homem, mais ou menos da mesma estatura e vestido similarmente — Richard —, apontava uma arma de fogo em sua direção. O coração da princesa gelou diante da expectativa de presenciar um assassinato e, com toda bondade e pureza de seu coração, correu e se colocou diante da arma.

— Não faça isso, eu imploro! — ela suplicou chamando a atenção de alguns homens ao redor, que, para horror de Flora, nada faziam além de assistir a cena.

— Moça, saia já daí — Richard ordenou com a voz levemente arrastada, sinalizando um possível sinal de embriaguez. — Você está atrapalhando nossos...— Ele deu um sonoro arroto e riu. — Nossos negócios!

— Não, por favor, eu não sairei daqui! Vocês são adultos, homens, podem resolver suas questões de outras maneiras.

Flora surpreendeu-se com as inesperadas risadas ecoando ao redor e a gritaria masculina, zombando da situação.

— Você está vendo, Stuart? — Richard gritou e abaixou a arma, zombando do parceiro, outrora de olhos fechados, parecendo agora furioso. — Essa moça aqui não permite que o nosso acordo ocorra. Sendo assim, eu venci!

— Atire agora, Richard! — Stuart revelou-se muito nervoso, contudo, os gritos da multidão ao redor não permitiram Flora ouvir as palavras de baixo calão pronunciadas depois.

— Eu não posso! — Richard sorriu maliciosamente para Flora e parecia muito satisfeito por ela ter se colocado entre eles. — Essa incrível e linda donzela não me permite. Nesse caso, ela venceu! Sendo assim, você não se arriscou o suficiente para receber sua grana.

— Isso não é possível! — Stuart tentou protestar, mas o alvoroço à volta já havia determinado o fim da questão. O homem com a arma estaria impossibilitado de dar continuidade com suas intenções e a aposta havia findado.

Flora, de braços cruzados, um pouco amedrontada, um pouco intrépida, sentia a adrenalina percorrer suas veias, dando, de alguma maneira, coragem para manter-se imóvel mesmo diante da ameaça masculina ao seu redor.

Richard guardou a arma e se aproximou dela, tocando seus cabelos de maneira nada digna.

— Obrigada, docinho! Vou ficar devendo. Bem, se quiser, posso demonstrar minha completa gratidão agora mesmo — ele insinuou fazendo Flora recuar um passo.

— Não, obrigada, estou muito bem sozinha.

A resposta direta desencadeou mais gritaria ao redor. Por alguma razão desconhecida à princesa, Richard estava deveras feliz para prosseguir importunando a jovem. Fez uma mesura exagerada e, um pouco cambaleante, retirou-se, unindo-se a seus companheiros ao redor do bar, numa sonora comemoração.

Flora suspirou aliviada e aproveitou o momento para olhar ao redor a procura de Philip. Contudo, sobressaltou-se quando Stuart, o homem da barba negra que ela havia salvado de levar um tiro, aproximou-se e, furioso, colocou-se diante dela.

— Sabe o que você fez, mulher? — ele esbravejou aproximando-se ainda mais.

— Sei, sim! — Flora cruzou novamente os braços. — Salvei a sua vida, caro senhor.

— Não! Mademoiselle me fez perder mil léchem! — O homem percebeu quando Flora deu um passo para trás, por isso, adiantou-se mais em direção a ela. — Interferiu no meu jogo e eu perdi minha aposta!

— Ah! — Flora murmurou percebendo a fúria nos olhos negros de Stuart. — Bem, nesse caso, devo me desculpar...

— Não, não — ele disse balançando o dedo bem em frente ao rosto dela. — Tenho outros planos em mente. Você vai me devolver o valor exato que perdi.

Flora, quando se deu conta de que seu ato de heroísmo na verdade tinha a colocado em outra enrascada, olhou em direção a porta, traçando uma rota de fuga. Contudo, mãos firmes e asquerosas seguraram seu braço, impedindo-a de sair correndo.

— Eu... Eu não tenho dinheiro — gaguejou olhando para a mão pressionando sua pele.

Stuart, ao constatar a verdade dita por Flora, avaliou a jovem da cabeça aos pés.

— Então, tenho uma maneira um pouco mais divertida para me pagar cada léchem que deve.

— Pare, por favor! O Senhor está me machucando. — Flora tentou se desvencilhar das mãos dele, mas não conseguiu. Olhou ao redor em busca de ajuda, mas nenhum homem parecia muito disposto a interferir nos negócios tratados por Stuart. Um frio em sua espinha denunciou o risco iminente. — Me largue! Está doendo!

— E vai doer ainda mais se você for exatamente como eu espero que seja — Stuart respondeu com um olhar lascivo. Com um puxão, começou a arrastar a princesa para um canto da taverna.

Flora protestou e tentou usar sua inútil força para firmar os pés no chão e dificultar os desígnios do homem.

— Me solte, por favor! Me solte! — ela suplicou dando um soco no braço de Stuart, disposto a prosseguir com seu pavoroso plano.

...

Philip não podia acreditar na capacidade de Jasper perder a princesa tão rapidamente. Sentiu-se culpado por ter se afastado sozinho e passou a imaginar onde Flora poderia ter se metido. Não era nenhum pouco adequado que uma jovem, principalmente tão bonita como ela, passeasse por um comércio, desacompanhada. Phil conhecia bem a boa lábia de certos homens da região e pelo histórico de Flora, ela não sabia bem reconhecer a maldade nas pessoas.

Praguejou silenciosamente muitas vezes depois que encontrou Jasper, desesperado, relatando o sumiço da princesa. Esquecera até das boas notícias que haviam desperto uma espécie de esperança dentro de si, dando lugar à preocupação e o nervosismo.

Depois de vasculhar o lugar, passaram a perguntar às pessoas sobre o paradeiro dela. E foi como conseguiram informações com uma senhora sentada na praça, satisfeita em informar que uma jovem estava à procura de um guer chamado Philip, cuja descrição lembrava muito a ele.

Phil suspirou de alívio por ter notícias, mas prendeu a respiração, aflito, quando ela contou para onde tinha enviado a princesa.

Quando adentrou as portas da Taverna da Lua cheia, avistou imediatamente a silhueta da princesa, única mulher presente no mal frequentado lugar. Seu sangue ferveu ao perceber que um homem a arrastava, contra sua vontade, para um ponto escuro do cômodo. Sem perda de tempo, caminhou a passos largos, abrindo caminho na multidão.

— Querida, até que enfim te encontrei. Procurei você por todos os lados, minha joia!

— Philip — um murmúrio angustiado escapou dos lábios dela quando reconheceu nosso herói, embora não compreendesse as atitudes dele.

Stuart parou por um instante e avaliou minunciosamente Philip. Estava claro que a postura do cavaleiro o fez recuar um pouco da sua obstinada ideia que envolvia uma mulher em apuros.

— Essa mulher é sua esposa, senhor? — ele questionou ao perceber o olhar autoritário do cavaleiro.

— Esposa? — Phil cruzou os braços em frente ao peitoral, sobressaindo assim os músculos. Ele deu uma risada e balançou levemente a cabeça expondo um sorriso. — Não exatamente — ele declarou deixando claro o significado nas entre linhas. — Mas ela é minha! Completamente minha e possui obrigações comigo. — Philip puxou uma cadeira ao lado e se sentou, tentando se mostrar mais relaxado, embora sua mão tenha ido diretamente em direção à sua espada. — Agora, minha princesa, mova-se e busque uma cerveja para mim porque estou realmente muito cansado.

O homem valentão soltou o braço da mulher e alisou a barba, encarando Philip com cautela. Flora, perdida no meio daquela encenação, não conseguiu mover um músculo de seu corpo.

— Vamos, querida — Phil ordenou com veemência apontando para o bar.

Ela, ainda não entendendo a postura de Philip, obedeceu às ordens, retirando-se dali.

Stuart, cautelosamente furioso, colocou-se em frente a Philip que, alerta, segurou firmemente no cabo de sua espada, pronto para reagir a qualquer passo em falso.

— A sua... Propriedade me fez perder mil léchem e eu exijo pagamento. Vocês não sairão daqui sem restituírem o que me é devido.

— Gostaria de saber como ela fez isso — Phil aproveitou a deixa e lançou um olhar avaliativo para Flora, certificando-se de que ela estava em lugar onde a fuga seria facilitada.

— Não interessa! — Stuart esbravejou encarando Philip com ódio. — Se ela está sob seus cuidados, o senhor deve assumir o compromisso!

— Infelizmente, não temos mil léchem disponíveis. — Phil respondeu sem mudar em nada sua postura relaxada. — Ficaremos devendo dessa vez.

— Sendo assim — o homem sorriu malicioso e espiou Flora no balcão do bar —, vou cobrar diretamente a ela o que me deve e ficarei profundamente satisfeito com os serviços prestados pela moça.

— Você não vai tocar nela! — Phil declarou entre dentes, levantou-se e preparou-se para desembainhar a espada.

Jasper, que assistia a cena da porta, aproximou-se de Philip, cauteloso, em posição de guarda, no mesmo instante em que alguns homens ao redor se levantaram prevendo uma briga.

Flora viu de longe a movimentação. Ela estava parada, sem saber se deveria ou não pedir uma cerveja, ainda não compreendendo bem as intenções de Philip.

Ele havia a chamado de sua? Havia dito que ela o pertencia?

Dissipou de sua mente o pensamento quando ouviu o homem no bar murmurar ao seu lado.

— Pelos meados dos caminhos! Odeio quando eles fazem isso — disse apoiando uma pistola na madeira a sua frente, pronto para intervir caso atormentassem o andamento do bar.

Flora não era tão ingênua a ponto de não perceber a clara desvantagem de Philip e Jasper. Ainda tinha a pistola do homem ao seu lado. Culpada por colocar os dois naquela triste e horrível situação, a princesa levou a mão até o peito, sentindo seu órgão vital bater com fúria.

Ela fechou os olhos tentando encontrar uma rápida saída, quando se recordou do anel em seu dedo. Sem pensar muito, abriu espaço entre os homens até ficar ao lado de Philip. Retirou o anel e estendeu para Stuart.

— Creio que essa joia cobrirá seus prejuízos, senhor.

O homem arregalou os olhos ao perceber a riqueza oferecida e sem muita demora, pegou o objeto na mão da princesa.

— Com certeza, creio que é o suficiente.

Stuart, bastante satisfeito, cerrou os dedos protegendo o item valioso e fez uma mesura irônica antes de se retirar.

Phil segurou no braço de Flora com firmeza e os três deixaram o local. Já do lado de fora, ela percebeu que Philip não a largara, mantendo-a ligada a ele, enquanto o silêncio predominava durante o curto caminho percorrido até um local seguro, quando o cavaleiro claramente nervoso encarou a princesa.

— O que a senhorita tem na cabeça para entrar num local daqueles?

Flora, indignada, levou as mãos até a cintura, forçando-o a soltá-la.

— Para sua informação, eu estava a sua procura! — ela declarou mais segura agora que se encontrava fora de perigo.

— A minha procura? Numa taverna de Achers? — Phil indagou sentindo-se levemente ofendido por ela o comparar com homens do Reino indesejável.

Flora engoliu em seco ao ouvir a nova revelação, então, cedeu um pouco sua fúria.

— Eu não sabia que era um ambiente frequentado apenas por Achers. Informaram-me que ali se reuniam guers e imaginei que o senhor pudesse estar lá.

— Ha! Claro, claro. Um simples guer! É exatamente como a senhorita me enxerga! — Phil deu uma risada fria e se afastou de Flora.

— Mas não é o que o senhor é? Um estrangeiro? Do Reino de Or? — Flora indagou sem compreender os motivos para ele se exaltar com a verdade exposta. Vendo que Phil não mudou a postura, ela avançou até ele com o dedo indicador apontado para o seu nariz. — E aquela história de eu ser completamente sua? Me rebaixou, tratando-me como um objeto qualquer, uma... Uma mulher da vida!

— Eu estava te protegendo! — Philip esbravejou. — Não percebe? A senhorita está sob minha responsabilidade e eu não poderia mentir, precisei improvisar. Só Deus sabe o que eles poderiam fazer se soubessem que é uma donzela... E que está desprotegida, andando sozinha por aí!

Diante da verdade revelada, Flora percebeu a seriedade do que aconteceu. Deu um passo para trás e fixou o olhar no chão, enquanto suas mãos se moviam ao lado de seus braços.

— Sinto muito. Não foi minha intenção causar problemas.

Philip foi atingido pela tristeza e arrependimento demonstrado pela princesa. Ainda estava dominado pela ira e pelo terror de vê-la em perigo, contudo, controlou-se como pode.

— Tudo bem. Vamos partir — respondeu sendo mais seco do que gostaria.

Jasper que assistia a discussão um pouco afastado, aproximou-se de Flora tentando demonstrar piedade diante do ocorrido. Sorrindo, ela procurou esconder os sentimentos borbulhando em seu peito enquanto retornavam para o grande poço.

Quando adentraram no corredor comercial, Flora recordou-se de seu primeiro incidente e, como uma criança que apronta, encarou Philip disposta a se humilhar novamente.

— Sr. Philip, poderia me emprestar vinte léchem? Prometo pagar quando me entregar em segurança no Palácio.

O cavaleiro a encarou completamente surpreso com o pedido inusitado.

— Para que a senhorita precisa de mais dinheiro?

Flora desviou o olhar, apenas esperando o momento em que cruzariam a banca de pães. Sem saída, mordeu os lábios antes de relatar o pequeno acontecimento que a colocara em grande confusão.

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