Um dia "normal"
3h0 da madrugada
Apartamento em Semityville
17 de março
Era madrugada, eu estava sozinha, como sempre estive. Me levantei cautelosa da cama e caí na tentativa de me pôr de pé. Gruni de dor e passei as mãos na minha perna esquerda. Aquela caimbra noturna maldita, logo após um pesadelo. Após cinco minutos torturantes de dor, sinto aliviar e começo a caminhar de novo, com instabilidade.
- Porra de câimbra noturna! - Resmunguei enquanto mancava até a cozinha.
Meu estômago roncava alto, chegava a ser assustador, como um monstro faminto. Abri a geladeira, não havia quase nada. Umas verduras esquecidas, quase podres, uma caixa de leite passada que eu joguei fora junto com as verduras que nem sei por que comprei. Eu odeio verduras, mas me castigo a comê-las. Achei uma carne temperada no freezer, umas salsichas, várias coxas de galinhas e empanados. Credo, é isso que morar sozinha faz comigo. Tenho que fazer umas compras. Peguei três coxas de frango e fritei, quase caindo de novo enquanto caminhava até o fogão empoeirado. Nossa, eu cozinho tão pouco assim?
Dentro de poucos minutos, fritei o frango e o devorei assistindo um filme idiota de comédia que nem me fez rir, mas serviu pra me distrair. Não gosto de comédia, sempre preferi uma boa ação, mistério ou qualquer coisa do tipo. Olhei no relógio de parede, já eram cinco e alguma coisa que não pude identificar. Desliguei a tv e fui tomar um banho, tinha que pegar o ônibus das seis em ponto.
Somente quando a água fria tocou minhas costas, lembrei que tinha que pagar as contas, ou ficaria no escuro. Não demorei para me arrumar, eu nem fazia tanto, apenas uma maquiagem escura, eu não estava no clima para conversas.
Peguei o elevador. Ao sair, dou de cara com o segurança. O sujeito me encara, com um bloco de notas em mãos.
- Srta. Grier? - Ele pergunta, batendo sua caneta no bloco.
- Sou eu. - Afirmo, bufando. Eu não queria perder meu ônibus, apesar de odiar a cobradora da manhã.
- Havia alguém com você no seu apartamento? - Ele tinha um olhar desconfiado.
- Não, sou só eu. - Digo.
- Hum... - Ele olha para os lados. - Tome cuidado. Algumas pessoas reclamaram de um suposto homem estranho passeando por aqui pela madrugada. Tenha um bom dia. - Ele sauda, saindo do meu campo de visão.
Um homem? Meu pensamento voa para longe, aquele medo, o frio congelante. Afasto meus pensamentos, mesmo assustada. Crio coragem e vou pegar meu ônibus, antes que o perca.
O sujeito estranho da noite passada está lá, na mesma cadeira, com seu olhar sombrio. Meus pelos se eriçam, meu coração acelera, sinto um gosto ardoso na boca. Graças ao capuz que ele usava, eu não podia ver seu rosto. Me conformo e me sento, dentro de umas duas paradas, o ônibus estava cheio.
A cobradora me lançava olhares sem parar, como sempre. Eu ignorei, revirando os olhos. Voltei minha atenção para a janela e mergulhei em lembranças.
- Skie, o que você faz aí? - Matt pergunta do outro lado da linha.
- Estou trabalhando em um pub, na estação. Faz uns dias. - Digo a ele.
-E onde você está morando? - Meu irmão curioso pergunta.
- Na casa de uma amiga. - Minto. - Ela é legal, na maior parte do tempo.
- Qual é o nome dela? - Ele fala, parece não acreditar muito no que eu dizia.
- Olga. - Falo, soando o mais sincera possível.
- Olga? - Ele ri. - Não lembro de nenhuma Olga que fosse amiga sua. Isso parece nome de velho. - Ele ri um pouco mais.
- E o que você sabe sobre minhas amigas? - Digo, acompanhando seus risos.
- O mesmo que sei sobre você. Pouco ou nada. - Matt diz, direto.
Suas palavras doem. Mesmo que eu conheça a verdade nelas. Eu, o fantasma dos Grier. Mathew não tem mesmo noção do que fala, ou faz. Acho que se ele soubesse o quanto as pessoas ao seu redor são levadas por suas palavras, ele tomaria mais cuidado. Era fácil dele se tornar um galinha, bem como nosso pai. E isso, seria péssimo.
- Mathew, eu preciso desligar. - E desligo, sem lhe dar tempo para um tchau.
Abri os olhos, pessoas se apertavam por todos os cantos no ônibus. Me levantei, pois desceria logo.
Caminhei firme até meu trabalho, para aturar mais um dia servindo café e guloseimas para um bando de pessoas que apareciam por lá.
Meu dia era tão igual. Eu tinha entrado na merda de uma rotina, estava começando a ficar com medo de virar uma gorda cheia de colesterol, não que eu realmente me importasse tanto com isso. Eu deveria fazer umas corridas, mas sempre era vencida pelo frio de Semytiville, que nos assolava dia e noite, era como estar na Antártida.
Antes de ir para casa, passei no supermercado, eu tinha que comer algo que prestasse e me enchesse de verdade.
Caminhei com um monte de sacolas, esperando a droga do ônibus, que decidiu atrasar, justamente hoje, que eu carregava potes e potes de sorvete. Eu amava sorvete. Quem tem insônia, tem que ter sorvete para socorrer na madrugada.
Logo começou a chover em Brukstow, o que raramente acontecia. Quando eu parava para pensar que todos os dias eu atravessava de uma cidade para outra, ficava cansada. E era realmente exaustivo fazer essa tragetória tão sem graça.
Senti um frio correr por todo meu corpo. Comecei a tremer, me encolher na noite chuvosa. Quando vi, um vulto negro, que passou por trás de mim, depois na minha frente. Deus, o que é isso?! Estava novamente com medo.
Do outro lado da rua, havia um homem. Alto, vestia preto. De longe, eu podia ver seus olhos azuis, suas íris brilhavam na escuridão, sua pele pálida, as mãos nos bolsos. Ele olhava na minha direção. O que ele quer comigo?! Suas íris azuis brilhavam tanto que parecia anormal, eu não sabia que existia isso. Ele começou a se aproximar, caminhando, atravessando a rua, ganhando velocidade, então, um outro vulto passa, o levando para longe, onde não posso ver. Meus olhos estam arregalados, meu peito vai e vem. Vejo o ônibus chegar, faço parada. O que acabou de acontecer?! Enquanto eu subia os degraus, uma mão toca a minha, cobrindo-a levemente. Sinto meu coração acelerar novamente. Sinto aquele gosto ardoso na boca. Os olhos verdes, claros como água, me olham. Pela primeira vez, posso ver seu rosto e me espanto ao notar que já o tinha visto, no mundo dos sonhos. Eu estou mesmo acordada?
- Você precisa subir - Ele diz, sério. Seus olhos dizem outra coisa, algo que eu queria muito entender.
Volto a subir os degraus e passo pela roleta. Nem lembro mais onde eu estou. Aquele sujeito estava mexendo comigo, de uma forma que eu não conseguia explicar. E eu só o havia visto duas vezes, três se contar com o sonho-pesadelo e quatro se contar agora. Mas... Minha mente se abriu e pude lembrar claramente do dia do enterro do Mattew, este homem... Ele estava lá! Mas, o que ele fazia lá?
Tantas perguntas me rondavam e eu não queria fazê-las. Por medo? Talvez. Mas, era bem mais que medo.
Bem como na noite passada, antes de descer o último degrau, encaro seus olhos. Havia algo neles, eu sabia que havia, algo de estranho, assustador, provocativo e atraente neles.
Segui pela rua, cheia de compras nas mãos. O frio desta vez, foi reconfortante, como um abraço lento e apertado.
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