Os sonhos viram realidade
05h04 da madrugada
Apartamento em Semityvile
23 de março
Meu quarto estava exatamente igual ao de sempre, desde a última vez que o arrumei. Aquela decoração chata e repetida. Meus olhos nem haviam piscado de sono quando me deitei. Eu estava imóvel na cama, encolhida. Olhava para um único ponto no canto da parede, com aquele desconhecido sem sair da minha cabeça. Quem é ele? Ou... O que ele é? Eu mal sabia que pergunta fazer primeiro, tantas dúvidas enchiam meus pensamentos... Eu sentia que devia encontrá-lo, fazê-lo me contar tudo, me contar quem era, o que fazia se metendo na minha vida... Mas, como eu iria fazer isso, eu não sabia. Me virei para o outro lado da cama, exatamente no momento em que a janela do meu quarto se abriu e um vento frio soprou. Senti meu corpo gelado e um arrepio subir pela coluna. Fechei os olhos.
O homem velho, de cabelo grisalho apareceu, caminhando elegantemente com seu terno preto. Seus olhos azuis luminosos. Ele mexia os dedos ligeiro, dois anéis tilintando ao se tocarem, um de ouro e o outro de prata, um barulho persistente. Caminhei na direção do homem, porém, me deparei com um espelho enorme, encrustado em diamantes nas laterais e no comprimento. Me aproximei do espelho de vidro fosco, do lado oposto. Ergui a mão esquerda institivamente e toquei o vidro, fazendo-o refletir a mim no ato. Eu estava linda, meu cabelo tão comprido e brilhante, vermelho escarlate, meus olhos tão dourados como ouro, minhas pintas sapecadas pelo nariz, minha pele alvíssima, eu vestia um vestido longo cor escarlate, decotado. Meus lábios rosados e cheios. Me surpreendi ao ver aquela mulher no espelho, que eu ainda achava ser uma garota. O homem grisalho surgiu atrás de mim, estremeci no seu toque. Ele inspirou profundamente e sorriu, um riso malicioso e cruel. Vi seu semblante enegrecer no vidro, veias nigérrimas surgirem em seu rosto pálido, senti medo. Seus olhos luminosos e assustadores penetrando os meus.
- Você é puro veneno para nós. Diga-me, humana, -vi presas afiadas e longas - porque?
Meu coração acelerava cada vez mais, em puro pânico. Seus dedos escorregaram pelo meu ombro e eu senti repulsa. Ele trouxe em sua mão uma faca pequena, dourada.
- Exatamente como seus olhos. - Ele aproximou a faca do meu pescoço, fiquei altiva institivamente. Tremia. - Responda-me. - Ele disse, friamente.
Ele apertou a faca no meu pescoço e uma gota de sangue desceu, me desesperando ainda mais.
Abri os olhos, minha respiração falhando. Eu não havia dormido, estava acordada. Sonhando acordada, pela primeira vez. Me forcei a ficar de pé e tomar banho. Por mais que minha vida monótona estivesse se tornando louca, eu tinha a necessidade de fingir para mim mesma que estava tudo "normal". Eu precisava prosseguir, fingindo apenas que estava tudo sob controle, que não havia nada de estranho e bizarro na minha vida.
Enquanto a àgua quente levantava vapor, eu ouvia de novo a voz dele. Os risos infantis, as partidas no video game, as comidas que ele sempre dizia: "Skie, onde você aprendeu a fazer isso?". Os filmes loucos, as brincadeiras, as atividades da escola...
O menino baixinho, com um cobertor nas mãos, ele abraçava-se nele. Seus olhos estavam avermelhados e inchados. Descalço no chão frio da noite. Ele me olhou e piscou.
- Skie, posso dormir com você? - Sua voz chorosa me amoleceu. Me levantei para pegá-lo no colo, quando meu pai surgiu no corredor.
- Larga ele! - Ele vociferou, com raiva. Ouvi gritos da minha mãe lá de baixo. - Está surda?! Mandei você soltar ele!
Abracei meu irmão mais forte. Mattew não tinha culpa das brigas dos nossos pais, não merecia assistir as mesmas brigas as quais eu era submetida quando criança.
- Não. - Falei friamente, com ódio.
- Como é?! - Ele avançou na minha direção, arrancando Matt dos meus braços e o jogando no chão. Ouvi o choro infantil dele. O homem, me deu um tapa no rosto que caí sobre o chão, com as faces vermelhas. - EU SOU O SEU PAI! VOCÊ TEM QUE ME OBEDECER!!! SUA PIRRALHA IGNORANTE!
Ele começou a desafivelar o cinto da sua cintura. Eu mal acreditava no que estava vendo. Ele ia me bater! Ia mesmo! Comecei a me levantar do chão, mas sua mão me segurou firme e o cinto de couro começou a entrar em contato com a minha pele, queimando e ardendo no caminho em que acertava. Não dei um pio, estava doendo, mas eu não lhe daria o prazer de ouvir meus gritos, nem de ver meu choro. Puxei meu braço, e mordi a mão que me segurava, ele gruniu. Desci as escadas correndo e tropecei, rolando alguns degraus. Além das marcas de cinto, eu também tinha roxos de queda da escada. Me levantei com meu pulso doendo, doendo tanto, que gritei.
- Skie! - Mattew gritou, com lágrimas nos olhos, o monstro do meu pai surgiu, empurrando Matt para o lado e descendo a escadaria, com a mão pingando sangue. Me arrependi de não ter arrancado seu polegar. Ele ainda segurava o cinto. Saí da escada e corri para a cozinha, peguei uma faca e me escondi, lutando para segurar o choro, pois meu pulso doía e tive que deixá-lo imóvel. Quando ele entrou na cozinha, me preparei, saí do meu esconderijo e enfiei a faca na perna dele, ele me olhou com ódio, enquanto gritava de dor. Mamãe apareceu e foi socorrê-lo, os olhos dela estavam inchados e o esquerdo estava roxo. Haviam hematomas espalhados pelo seu corpo pálido. Ela também havia apanhado. Meu pai ficou com mais raiva ainda e deu um tapa nela e socos até desmaiá-la.
- Isso é culpa sua! Você não sabe criar seus filhos! - Vociferou.
Ele ligou para a emergência, com uma história falsa de que havia acontecido um "acidente doméstico". Quando a ambulância chegou, eu contei tudo, toda a verdade. Mas, minha própria mãe me desmentiu. Ela o defendeu. E aquele dia ficou marcado em mim. Aquele foi o dia que eu fiquei órfã, pois eles dois haviam morrido pra mim.
Desliguei o chuveiro. Encarei no espelho a cicatriz da fivela quebrada do cinto que acertou minha pele e sorri orgulhosa, pois ele não arrancou um único "ai" de mim.
Me vesti e fui pegar meu ônibus. A chuva me trazia lembranças, tudo me trazia lembranças, eu ouvia repetidas vezes minha última conversa com Mattew. Eu podia vê-lo, perfeitamente em minhas memórias. Ele havia crescido bastante, estava maior que eu. Era como um estranho, deitado no caixão, sua pele fria, sem cor, sem vida, as mãos no peitoral adulto, os olhos fechados para sempre. Era só um dia a mais para mim, nada de especial. O homem não estava lá, mas eu sentia que ele estava próximo, que eu devia encontrá-lo. Abanei a cabeça. Isso é loucura.
Como mágica, o ônibus encheu rapidamente. Eu me sentia vazia e solitária, bem comum para mim. O tempo corria, logo puxei a corda, disparando o sinal pelo ônibus.
Antes que eu pudesse descer, uma mão negra me segurou e fui atraída para olhos escuros e assustados de um homem.
- Você está certa! Eles-eles estão por toda parte! Os morcegos, e-eles estão por toda parte! Não confie neles! Eles são maus, não confie neles! - A voz do cara negro gritou no meu inconsciente. Alguém me empurrou e eu caí na calçada do ponto de espera do ônibus.
Aquilo era estranho. Me levantei devagar. Ouvi como que uma voz sussurrar no meu ouvido: Dejá vú
Não havia espaço, não havia vida. Não havia morte, não havia nada. Pessoas caminhavam sem destino, todas pareciam ocupadas demais no seu trajeto para algum lugar. Um homem se destacou na multidão, alto, forte, brozeado, olhos verdes, os mais lindos que já vi, o rosto másculo e esculpido, as roupas escuras, seu olhar não encontrou o meu, mas eu queria tanto que encontrasse... Queria que ele me visse, queria senti-lo próximo a mim... Era como se já nos conhecêssimos há muito tempo, como se eu soubesse exatamente quem ele era e o que significava para mim, de repente, a escuridão, a negritude me invade e já não posso ver além dos olhos.
Um vulto me arrastou para longe. Aquilo estava acontecendo, meus sonhos estavam virando verdade. Eu estava em um beco, via o aglomerado de pessoas passando na avenida extensa.
- Deve ficar longe dele. - Aquela voz vinha de uma mulher de cabelo bagunçado e castanho, o corpo cheio de tatuagens. Ela se virou para mim e pude ver seus olhos estranhos, vermelhos com apenas uma listra que repartia suas íris ao meio.
- O quê? Quem é você? - Perguntei.
Ela vestia uma roupa de couro, se aproximou de mim, me puxando pelo braço, para um lugar que eu não sabia onde era.
- Espera - puxei meu braço. - Para onde você está me levando?
- Escuta, garota. Eu vou explicar tudo, assim que estivermos longe o suficiente dele.
Dele? Ela voltou a me puxar pelo braço. Num piscar de olhos, estávamos em um vale de plantas secas, uma névoa cinza se espalhava. Que lugar é esse?
- Se chama Ywfha. - Ela disse. - É um esconderijo no subconsciente, onde ninguém pode me encontrar. Sei que tem dúvidas, Skyla. Eu não sou sua amiga, sou uma caçadora. Caço seres como aquele que persegue você. E vou matá-lo. Por isso, fique longe dele. - Ela diz, séria.
- Você... - Tento absorver toda aquela loucura na minha cabeça. Então noto que aquele era o momento para descobrir tudo o que eu queria saber. - Seres como ele? Quem é ele? - Parte de mim tem medo da resposta.
- Ele... É Miguel, um príncipe vampiro perigoso. Pertence ao clã mais perigoso do mundo. Não confie nele.
Senti um arrepio. Uma espécie de medo, misturado com uma sensação de proteção. O vale começou a desaparecer, assim como a mulher do cabelo bagunçado e seus olhos vermelhos de gato.
- Skyla! Está atrasada! O que faz aí parada na porta?! Seu trabalho é aqui dentro. - Falou, meu chefe desimpaciente.
Entrei no Pub, me perguntando se aquela mulher era real, ou meu estado mental andava bem pior. Mas, eu tinha certeza, meus sonhos estavam acontecendo e outras coisas também. Eu conhecia a verdade. Se me dissessem que vampiros existem há duas semanas atrás, eu teria chamado a pessoa de louca e teria ignorado. Mas, eu vi, com os meus olhos e tudo o que eu sonhava acontecia, então me preparei para as próximas realizações. Eu tinha medo, mas precisava ser firme. Pelo menos uma vez na vida.
A noite não demorou a chegar e com ela, meu horário de sair. Vi as ruas vazias e senti medo, porém segui adiante.
- Boa noite! - Madson sorriu para mim, enquanto eu atravessava pela roleta giratória.
Tentei sorrir de volta, mas encontrei os olhos dele, os olhos do Miguel.
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