Ingratidão

               06h0 da manhã
Apartamento em Semytiville
21 de março

        Meus braços abertos ao vento, eu usava um vestido branco que eu sequer lembrava de ter vestido, ou de tê-lo no meu guarda-roupa. Eu sentia o ar em minhas costas. Não era tão terrível assim pular de um prédio. Meu cabelo esvoaçava no meu rosto, estava frio, meu corpo estava ficando dormente à medida que eu me aproximava do chão. Meus olhos fechados na escuridão da noite. O tempo parecia ter parado.
        Quando senti braços fortes, um cheiro tão bom, um impulso para a frente, ouvi o barulho de uma janela sendo quebrada. Abri os olhos, admirando aquele rosto tão perfeito, tão lindo, os olhos frios, como vidro. Ele me mantinha em seus braços, recusando-se a me soltar. Ele havia me pego em plena queda e quebrado uma janela, me levando para dentro do prédio. Ele se levantou e caminhou, olhando para o caminho até meu quarto.
        - O que você é? - Consegui perguntar. Ele parou, olhando para mim novamente. Ficar admirando-o era tão bom, que eu tinha impressão de que se eu passasse a eternidade fazendo isso, me sentiria privilegiada.
        - Nunca mais faça isso. - Ele disse, me repreendendo por ter cometido a idiotice de pular de um prédio.
        Quis me irritar por ele fugir da minha pergunta, mas não consegui. Ele desviou seu olhar, voltando a caminhar.
        Estava tão perdida, que quando ele me pôs sobre a minha cama, fiquei com raiva pelo tempo ter passado tão depressa.
        Eu o observei tão próximo ainda, tentada a tocá-lo e céus, como eu queria! Queria lhe tocar, sentir seu cheiro, ouvir sua voz... Eu o queria por completo.
        Então, ele começa a sumir, sua imagem se apaga aos poucos e eu percebo que ele vai me abandonar, assim do nada.
        - Não, fica! Por favor, fica comigo! - Gritei.
      
        Dou um pulo da cama gritando, foi só um sonho. De novo. Era domingo, um domingo ensolarado, lindo e cheio de vida.
        Então, tudo não passou de sonho. Eu não havia pulado do prédio, não havia vestido o vestido branco, não havia sido pega por ele, ele sequer havia aparecido. Foi tudo sonho!
         Fiquei com raiva, eu queria que fosse verdade, queria que tudo o que eu estava sonhando fosse verdade. Acho que eu enlouqueci nessa obcessão por um desconhecido... Acho que sou esquizofrênica... Eu tenho que parar com isso!
        Me levantei e bati o pé firme no chão. Eu estava decidida a parar de me fechar para o mundo, tragédias acontecem e não podemos impedi-las, o mundo continua com seu curso, eu não podia estacionar no tempo por causa de uma causa perdida.
        Abri a janela do meu quarto, alta, maior que eu. Olhei para fora, observando o céu e os pássaros cantando, como nos filmes de contos de fadas. Haviam tantas coisas a serem admiradas e eu estava presa em um apartamento no final do mundo.
        Arrumei a cama e tomei um banho. Peguei algumas poucas coisas, jogando tudo dentro de uma mochila. Tranquei o apartamento e falei com o segurança que passaria o dia fora, olhei no relógio de parede que já marcava sete horas e parti, rumo ao único aeroporto de Semytiville.
       
     Eram dez horas, quando cheguei na casa dos meus pais, lembranças logo me invadiram no instante. Toquei a campainha e esperei. Em poucos minutos, minha mãe apareceu na porta, ao me ver, seus olhos se encheram de lágrimas, ela me abraçou, algo que me surpreendeu bastante.
       - Entra... - ela me puxou gentilmente, me convidando.
       A casa estava limpa, impecável. Os móveis arrumados, um cheiro irresistível de comida vindo da cozinha.
       - Senti sua falta. - Ela disse com um sorriso sincero, parecia realmente feliz.
        Era estranho vê-la vestida tão simples, ela que sempre amou se arrumar e parecer bela. Fiquei feliz por estar lá, apesar de não lembrar tão bem da minha antiga casa. Tudo estava diferente, mais bonito. Haviam fotos do Mathew espalhadas pela sala.
       - Ele faz muita falta... Apesar de não estar sempre em casa. Não posso culpá-lo por isso. - Ela diz, um tanto hesitante.
       Ouço passos pesados de alguém descendo pela escada. Me viro, encontrando o olhar do meu pai. Ele não sorri, nem parece sequer animado com a minha presença.
         - Skyla?! - Ele fala como se fosse um absurdo a minha presença. - O que você faz aqui?!
          - Ela veio nos visitar, tenha pelo menos um pouco de educação com a sua filha! - Ela diz, engrossando seu tom de voz.
          Ele nem chegou a se aproximar de mim, me olhava com ódio, algo que não me incomodava nem um pouco. Fiquei altiva, meu orgulho sempre falaria mais alto que qualquer outra coisa.
         - Ela não é minha filha! Essa garota não passa de uma ingrata! Eu lhe daria tudo e o que ela fez?! Induziu o próprio irmão a fazer o que desse na telha e olha só o que aconteceu?! Mathew está morto! - Ele abre os braços no ar. - Quem você vai levar a se matar agora? A sua mãe?!
        Sinto raiva e vontade de rebater todas as suas palavras, mas minha mãe é mais rápida.
         - Mathew quis, foi escolha dele! Ele nunca teve um exemplo de pai para seguir! - Ela rebateu.
         - Você quer falar comigo sobre exemplo?! E qual foi o exemplo que deu pra ela?! - Ele berra, seus olhos estão vermelhos.
        - Chega! - Gritei. - Estou cansada disso tudo, nem sei por que vim aqui. - Me afastei da minha mãe, que estava mais concentrada em brigar com meu pai que nem chegou a perceber que eu estava indo embora.
         - Está vendo o que está fazendo?! Você afasta seus filhos, você mim afasta! Não sei no que eu estava pensando quando aceitei me casar com você! - É a última coisa que ouço ela dizer, antes de bater a porta e me encaminhar para Deus sabe onde.
        Ouço a porta se abrir e fechar novamente, mamãe aparece, me pedindo para esperar. Ela me chama para entrar no carro, por algum motivo, eu vou com ela.
        Depois de alguns minutos tensos, ela suspira enquanto dirige e balança a cabeça.
        - Você sempre soube, não é? - Ela pergunta, sem me olhar.
        - Do quê? - Pergunto, séria.
        - Do seu pai. Confesso que demorei para perceber... Me desculpe por aquilo tudo, ele me tira do sério, nem o suporto mais! - Ela fala.
       - Está com ele por que quer, ele sempre foi um babaca! - Digo, com raiva.
       - Ele é seu pai. - Ela me lembra.
       - Não me importo, que a verdade seja dita. - Respondo, encerrando nossa discussão.
        Naquela tarde, ela até se esforçou em conversar comigo, me levou para comer alguma coisa, depois para o aeroporto. Eu não queria lhe dizer onde morava, não queria que ela do nada simplesmente aparecesse. Na verdade, eu só queria ficar sozinha, estava acostumada.
        Ela me deu um último abraço antes que eu seguisse para o avião. Vi quando ela acenou com um sorriso. Na tragetória daquele avião, paramos em Dunter Hills, Brukstow, Asterfield Viah e Gollyr Songty. Fui chegar por volta da meia noite em Semytiville.
       Estava cansada, porém um tanto orgulhosa por ter enfrentado meu sedentarismo.

Um deserto, a cidade estava deserta, todos haviam sumido. Eu caminhei, para algum lugar que nem eu sabia onde ficava. Parte de mim me dizia que estava indo de encontro com a morte, mas eu não tinha como evitar, embora meu coração desse fortes pulos, ameaçando rasgar meu peito para os dois lados e eu também sabia por que ele estava assim. Eu sabia que ele estava lá, podia sentir isso.
Ouvi um barulho estranho, como morcegos, um monte deles. E era exatamente isso que me esperava, me virei, vi um monte deles, com um barulho horrível, voando por todos os lados. Tampei os ouvidos com as mãos, os animais estavam quase me errastando, mas acabaram por me derrubar no chão. Vi todos eles se transformarem em pessoas, ou pelo menos, pareciam pessoas. Um deles, de cabelo grisalho, olhos azuis brilhantes, vestido de preto, a pele pálida, os lábios num vermelho escarlate, pude ver seus dentes, afiados nas presas, bem como os dentes de um vampiro.
- Então, é essa a humana? A tal mortal? - Ele aponta para mim com um olhar desprezível.
- Sim, é esta a humana. - Um deles diz, aquele que eu me lembrava muito bem, naquela noite enquanto eu esperava o ônibus. O sujeito ergueu o nariz no ar, inspirando profundamente com um sorriso sádico.
Então, posso vê-lo. O homem dos meus sonhos, que sempre me protegia, sério. Ele não me olha, parece fingir não me conhecer, está a direita do homem de cabelo grisalho. Seus olhos estam azuis, inexpressíveis, frios como vidro. Na verdade, seus olhos são como vidro, refletem a mim, mesmo que ele não esteja olhando para mim.
- Peguem a humana. - O homem mais velho diz, dando as costas.
Então, tudo o que posso ver, são vários deles vindo pra me pegar, tento correr, mas é inútil, tudo era inútil naquele momento. Sou pega e tento me debater, tudo que consigo é encontrar os olhos dele, que agora me olham, posso ver sua luta em não vir até mim, sinto que ele quer vir. Algo acontece, pois minha visão começa a escurecer.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top