Sangue e Honra
O clima no acampamento estava tenso, as notícias trazidas por outros clãs não eram boas: os ciganos estavam sendo aprisionados em alguns reinos, por isso, o grande pai resolveu que permaneceriam naquele vilarejo por um tempo.
Manolo estava enfurecido com a mulher e a proibira de dançar nas apresentações da praça, mas sua honra ainda não estava limpa.
Sentia que era motivo de piada entre os ciganos, afinal, fora afrontado em praça pública entre ciganos e gajãos, e nada fizera a respeito, até aquele momento.
Ramon estava amansando um cavalo no cercado, era um belo animal de pelugem castanha e temperamento indócil.
O cigano havia conseguido, após muitas tentativas, colocar uma sela sobre o animal e agora tentava aproximar-se para montá-lo.
Ramon andava devagar em direção ao animal que o olhava desconfiado enquanto riscava o chão com o casco dianteiro ainda sem ferradura.
Manolo aproximou-se abruptamente e assustou o animal que relinchou alto e bateu com as patas no chão partindo para cima de Ramon.
O jovem cigano lançou-se ao chão e rolou para o lado se esquivando das patas do animal.
Quando desistiu de atingi-lo o cavalo passou a correr pelo cercado, Manolo, fugindo do animal, foi para junto do irmão.
- Viu o que fez? - falou Ramon - Ele quase me matou.
- Melhor seria se tivesse feito - Manolo partiu para cima do irmão socando-o no rosto e o lançando ao chão.
Nazira levava água para o marido e assim que viu o que acontecia jogou a jarra no chão e voltou correndo para pedir ajuda pois temia que Manolo tendo o dobro do tamanho de Ramon, o matasse.
- Que pressa é essa, minha filha? - Zoraide colhia ervas quando a jovem passou correndo.
- Manolo está brigando com Ramon - gritou a ciganinha numa voz falha e embolada.
- Vá buscar ajuda - agora era Zoraide quem corria ao encontro dos filhos.
Manolo e Ramon rolavam pelo chão aos socos, o cavalo corria em círculos cada vez mais próximo dos ciganos.
Zoraide estacou gelada, viu vultos ao redor dos filhos, quando conseguiu retomar os comandos do próprio corpo, ajoelhou-se e levantou as mãos clamando aos bons espíritos.
Os vultos foram se dissipando, a mulher escondeu o rosto para não ver os tsinivaris que estavam sedentos de sangue, o sangue de seus filhos que manchava o chão.
Igor chegou apressado acompanhado por mais alguns ciganos, abrindo o cercado, permitiu que o animal saísse para só então, separar os irmãos com ajuda dos demais.
- É questão de honra! Sangue por honra! Sangue por honra! - Manolo estava transtornado, tinha uma ferida aberta no lábio que sangrava.
Os ciganos afastaram-se em respeito a tradição: honra só é lavada com sangue.
Igor tentava segurar Manolo.
- Deixe, meu filho - a voz do grande pai saiu autoritária - Manolo pede pela honra.
Igor buscou pela aprovação do pai para soltar o irmão, mas não o encontrou.
Nazira chorava ao ver que Ramon também sangrava acima do olho.
- E isso agora! - Zoraide entrou no cercado, olhos baixos, sem encarar o líder, pedindo permissão de falar.
- Pode falar, minha filha.
- Não há honra a ser lavada aqui - Zoraide mantinha a voz num tom mais baixo que o do grande pai, mas que era claro e compreensível - Manolo não viu com clareza, Tarah tocou Ramon para espantar uma abelha.
Manolo cuspiu sangue no chão.
- Meu filho... Zoraide aproximou-se e com lágrimas nos olhos, sussurrou para que apenas ele ouvisse - Vais matar-me aqui junto a Ramon.
Manolo empurrou Igor e saiu do cercado.
- Aqui chamaram honra por sangue, o sangue deve ser derramado hoje, minha filha - avisou o grande pai, afastando-se.
Nazira correu ao encontro de Ramon, chorando. Ele a abraçou e tentou acalmá-la.
- Pensei que ele ia te matar - soluçava a ciganinha.
- Vá banhar-se Ramon, leve Nazira com você - mandou Zoraide.
O casal afastou-se e Zoraide chamou Igor para buscar o cavalo.
Nazira ainda chorava e Ramon secava suas lágrimas com a mão.
- Sabes que só tenho olhos para ti, mi amor.
- Manolo ia te matar.
- Ora, por que me toma? Mi amor, já deitei cavalos maiores que Manolo - brincou ele, arrancando um sorriso dela - Ficas mais bela quando sorri.
- Fiquei com medo de perder-te.
- Manolo teria que matar-me nesta e noutra vida para que ficasse longe de ti.
Nazira sorriu e aninhou-se ao peito do rapaz, ouvindo os batimentos e sentindo a respiração calma.
Quando estava mais tranquila o ajudou a tirar as roupas para banhar-se, apesar dele ter insistido para que ela o acompanhasse, a ciganinha contentou-se em observá-lo da margem.
Igor trouxe o cavalo preso a uma corda, Zoraide puxou o punhal e desferiu um golpe fundo na jugular do animal, o sangue jorrou, manchando o chão.
- Era um bom animal - lamentou-se Igor.
- Que me perdoe o céu, mas antes ele que teus irmãos - respondeu Zoraide, vendo os vultos surgirem no local.
Optchá aos corações ciganos! Meus caros, é tradição lavar a honra com sangue! Não concordo, mas, faz parte da cultura de um povo e eu respeito.
Estou muito feliz com os comentários respeitosos, obrigada a todos que compreendem que é uma CULTURA! E que não expressa a opinião da autora.
Que Santa Sara os abençoe com o pão, o sal e o vinho!!!
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