Dois
Capítulo 2
Heloisa
Concentrada em projetar um escritório de advocacia, do setor de móveis planejados, onde faço estágio, escutei meu nome ser chamado.
— Helô, tem uma ligação para você.
— Pode pegar o recado? — pedi, não queria parar aquilo que fazia.
Um tempo depois ela voltou e disse:
— É urgente e precisa ser agora. A senhorita Adele, a arquiteta, é quem deseja falar com você.
— Adele Abram? — perguntei.
— Sim.
Levantei-me. Caminhei até a mesa da Nari e atendi a ligação.
— Oi, Adele, tudo bem?
"Infelizmente não, amiga. E preciso da sua ajuda."
Sentei-me. Odeio notícias ruins vindas pelo telefone.
— O que aconteceu?
— "Estou hospitalizada."
— Como assim? Você está bem? Quer que eu vá ficar com você?
"Até que não seria uma má ideia, mas não é este o caso. Você ainda fala bem o árabe, certo?" — Entendi que era uma pergunta retórica. — "O Danilo precisa de uma intérprete com certa urgência."
— Hã? Quem? O todo poderoso? — perguntei, ela deu uma risadinha antes de responder:
"O próprio."
— Mas por que eu? Não sei escrever direito, apenas entendo e falo bem.
"Pronto! Resolvido. Você pode me ajudar? Se precisar redigir algum documento eu faço."
— Tudo bem, mas só... — O que eu ia dizer? Adele me pedia um favor, eu jamais recusaria. — Certo, eu ajudo. Mas me conta o que faz no hospital.
Senti uma reticência, mas por fim sua voz falhou um pouco ao dizer:
"Tive um aborto espontâneo."
— Ô amiga, sinto muito. Eu nem sabia que estava grávida.
"Nem eu, Helô, nem eu..."
— O que você precisa que eu faça? — mudei o assunto para não deixá-la ainda mais triste.
"É o seguinte..."
Adele explicou que trabalhava em um grande projeto, um resort que seria construído no litoral, no qual empresários árabes eram os clientes. E por este motivo teve a oportunidade de participar e mediar as negociações por falar a língua. Agora ela teria que ficar de repouso e as negociações finais não foram concluídas.
Tranquilizei minha amiga. Então fiquei de acertar tudo com a assistente pessoal do chefe. Prometi que faria o trabalho da melhor maneira possível, mas antes ela me alertou:
"Amiga, se prepare. Danilo não é uma pessoa fácil de conviver, por isso não lhe dê moleza. Seja firme. Ele é arrogante, autoritário, impaciente e, pior: lindo! Ele tem toda consciência disto e acha que todas as funcionárias morrem de amor por ele, o que não é de tudo mentira. Por isso te aviso, não caia na lábia dele."
— Fique tranquila quanto a isso. Sou comprometida e sei lidar com este tipo. Melhoras. Depois te ligo, e se precisar posso sim ir ficar com você.
"Sabia que podia contar com você. Já me ajudará bastante não me fazendo perder este projeto. É muito importante para minha carreira. Depois te dou mais detalhes quanto a essa perda. Beijos."
Encerrei a ligação e fiquei pensativa. Com certeza essa gravidez não foi planejada e minha amiga sofria.
Não demorou cinco minutos para o telefone tocar novamente e a Maika pedir para eu subir até a presidência. Nunca tinha ido até a cobertura e foi quase uma viagem de elevador. Saí do terceiro andar em direção ao vigésimo.
Assim que as portas se abriram, percebi que o ambiente era totalmente diferente dos outros setores. Uma grande área de luz, repleta de verde, iluminou a minha visão.
À frente, paredes de vidros separavam um grande ambiente do corredor, eu sabia se tratar de salas de reuniões. Confesso que adoraria conhecê-las. Tudo que sabia eram somente especulações e algumas fotos.
Entrei na recepção e o som de água cair me revelou uma fonte em forma de cascata que parecia uma extensão do jardim externo. Deu-me a sensação de frescor natural e não do ar-condicionado. Sofás de aparências confortável completavam o ambiente acolhedor.
Aproximei-me do balcão, onde três moças, aparentemente iguais, trabalhavam. Encontravam-se muito elegantes em suas saias retas nas cores neutras. Os cabelos perfeitamente arrumados num coque baixo na cabeça. A moça que me atendeu pediu para que eu aguardasse um minuto e ficasse à vontade. A outra me perguntou:
— Aceita um café, água ou suco?
— Não, obrigada, estou bem assim.
Maika, sobre quem eu escutara falar, não me decepcionou. Ela era tudo que imaginei. Uma senhora elegante, encantadora, simpática e acolhedora. Vestia-se igual às outras, mas o salto agulha não me passou despercebido. Após se apresentar, me explicou novamente tudo que Adele já havia me falado e detalhou mais alguns pontos. Afirmei que poderia ajudar.
Com um sorriso de alívio, ela ligou para o chefe, que almoçava em algum lugar da cidade. Pelo que entendi, ele disse que já retornaria, então esperei. Acho que foi almoçar na lua, de tanto que demorou.
Eu já tinha feito amizade com as moças, que riam e conversavam comigo sobre os mitos que rolavam na empresa. Também acabei aceitando um café, para disfarçar a fome e passar o tempo. Uma xícara, porém, acabou virando três e nada de ele chegar. No instante em que já começava a me arrepender por não ter comido os biscoitos que guardara na gaveta da minha mesa, lá no terceiro andar, ele entrou como um furacão na recepção e fez com que elas se calassem.
Realmente ele poderia parecer intimidador por causa de sua altura e seu tom de voz forte e firme. Porém, ao observar sua conversa com Maika, compreendi que seria mais difícil do que eu imaginava ajudar minha amiga. Odiava pessoas que não deixavam o outro falar e tentavam adivinhar a próxima fala.
Contudo, pensei no conselho de Adele. Precisava colocar o desespero dele em meu favor, então fiz meu próprio jogo e dei as cartas.
Conclusão: ele entendeu quem ditaria as regras. Tudo ou nada. Abaixou a cabeça e me pediu desculpas depois da grosseria.
Sob os olhares curiosos das recepcionistas, entrei no santuário que era a sala dele.
Sim, a minha aparência não tinha nada a ver com aquele ambiente, nem eu desejaria que tivesse, porque, afinal, não pertencia a ele mesmo.
Que sala maravilhosa. A começar pela mesa, que foi o primeiro a me chamar atenção, por ser de madeira maciça entalhada com desenhos delicados, diferente de tudo o que eu tinha visto pela empresa. Devia ser uma peça antiga. A estante, do chão ao teto, possuía muitos livros, mas o que me fascinou foram as miniaturas das grandes obras de engenharia e arquiteturas famosas.
— Deseja alguma coisa? Café, água ou um suco? — ele me perguntou.
— Não, obrigada — respondi. Voltei a atenção para ele e comentei: — Enquanto esperava o senhor, tomei café demais e ainda não almocei. Podemos ser rápidos, não é mesmo? Afinal, eu não quero atrapalhar o seu trabalho.
Ele limpou a garganta, inspecionou-me mais uma vez, nada discreto e explicou — de novo — toda a situação com os gringos.
— Eu já entendi. Posso sim mediar as negociações.
— Desculpe-me, mais uma vez — pausou, incerto de perguntar. — Tem certeza que pode fazer isso? Eu posso confiar? Sabe, é algo muito importante...
— Eu que pergunto, o senhor confia na Adele? — Ele afirmou com a cabeça. — Ela que me indicou, não foi? É importante, tanto para ela, como ao grupo Avelar, verdade?
— Sim. Creio que sim.
— Então o senhor já tem sua resposta!
Ele me observou quando me levantei, puxei de sua mesa um bloco e anotei meu número de celular.
— Na hora que tiver o horário da reunião pode me ligar — falei e me direcionei à porta.
— Ei! Aonde pensa que vai? Não terminamos. Nem acertamos nada ainda.
— Preciso almoçar. — Olhei no relógio e já passava das três da tarde. — Ou jantar.
— Como posso saber se vai dar certo, se não a conheço direito e tampouco vi seu trabalho?
Virei para ele e recitei parte de um poema que conhecia em árabe.
"min khilal alhabi ma hu almru ybdw haluwaan
min khilal alhabi tusbih al'ashwak alwurud
min khilal alhabi yatahawal alkhalu 'iilaa alnabidh alhulu
min khilal alhabi alnaar almushtaeilat hi daw' latif
min khilal alhabi , walhuzn hu mithl alfarh.
min khilal marad alhabi hu alsiha
min khilal alhabi yartafie almawtaa maratan 'ukhraa
min khilal alhabi yusbih almalik eabdana"**
Ele ficou literalmente sem fala. Ainda bem que não fazia ideia do que se tratava, pois era um poema de amor que o pai da Adele recitava para a esposa. Eu achava tão lindo que decorei para dizer a alguém um dia. Claro, pretendia que fosse alguém que eu amasse.
— Posso ir agora, senhor Danilo?
Não esperei que ele respondesse, saí da sala e deixei a porta bater sozinha. Antes de me retirar falei baixinho a Maika que veio em minha direção.
— Não dê informação profissional minha a ele, é apenas o que lhe peço. Vamos judiar desse desconfiado um pouquinho.
Ela sorriu e concordou.
Deixei o andar com as mãos frias, mas rindo por dentro da cara dele. Acho que vou me divertir um pouco neste trabalho. Afinal, Danilo era o chefe e a pessoa mais temida da empresa, mas neste instante quem precisava de quem? Aproveitaria a oportunidade e faria o meu melhor. Quem sabe garantiria um emprego.
Liguei para Adele e peguei o endereço do hospital. Precisava fazer um estudo rápido de onde eu estava me metendo.
Entrei no quarto depois de dar duas batidas na porta. Ela enxugava as lágrimas recentes e segurava as mãos de Mauro, visivelmente emocionado.
— Desculpe-me, posso voltar outra hora.
— Oi Helô, entre. Está tudo bem. Conte-me como foi lá, estou curiosa — pediu Adele com a voz ainda emocionada.
— Oi, Mauro. Tudo bem mesmo? Posso voltar depois e...
— Está tudo bem, Helô. E se você disser que pode ficar um pouco aqui, eu aproveito para ir em casa tomar um banho e fazer um lanche. No máximo em uma hora estarei de volta.
— Vá tranquilo, eu faço companhia para ela.
Assim que ele saiu, ocupei seu lugar ao lado da cama, e então Adele começou a contar os últimos acontecimentos.
— Helô, eu não sabia que estava grávida. Há alguns dias não me sentia bem, com mal-estar e, às vezes, uma leve tontura. Deixei de visitar algumas obras e coloquei culpa neste calor insuportável fora de época dos últimos dias. Achei que, a ansiedade deste projeto com os árabes e o estresse acumulado do trabalho cooperavam com tudo que sentia. Mas ontem, desabei durante o almoço com Mauro e ele me trouxe na emergência do hospital. Depois de alguns exames, eles constataram que eu tive um aborto espontâneo. Precisei fazer um procedimento, a curetagem. Sabe aquela limpeza?
Balancei a cabeça que sim.
— Sinto muito.
— Eu também... Mas nem sei o que sinto direito, porque não cheguei a ter uma relação... Sabe? — Ela contorcia as mãos. — De me sentir mãe... Essas coisas.
— Tenho certeza que vocês terão outras oportunidades e, agora, com planejamento — falei. Segurei em suas mãos e ela me fitou com os olhos brilhantes pelas lágrimas que ameaçavam voltar a escorrer.
Aproximei-me um pouco mais e a puxei para um abraço. E assim ficamos. Nestas horas nenhuma palavra consolaria. Uma frase poderia sair fora de contexto e soar errada. Então, o silêncio se fez presente e nossos corações entenderam que o momento era apenas para isso.
De repente, ela me empurrou, secou as lágrimas e sorrindo, perguntou:
— Vamos mudar de assunto? O que achou do Danilo? Ele foi "ogro" ou príncipe?
— Acho que nem para ogro ele se encaixaria.
— Foi tão ruim assim?
Dei uma risada.
— Acredito que também não fui uma princesa e muito menos boazinha com ele. Estou mais para uma bruxa má.
— Fiquei curiosa, porque ele me ligou para saber quem era você. Agora me conta: como foi?
E por fim falei:
— Está bem, eu vou te contar.
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**Através do amor o que é amargo parece doce
Através do amor os espinhos se tornam rosas
Através do amor o vinagre vira vinho doce
Através do amor o fogo ardente é uma luz agradável
Através do amor a tristeza é como alegria
Através do amor a doença é saúde
Através do amor os mortos ressuscitam
Através do amor o rei torna-se escravo
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E aí meus amores, o que acharam da Helô? Essa pequena é uma grande garota, tenho certeza que vão gostar muito dela.
Lena Rossi
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