Cinco

Capítulo 5

Heloisa

A expressão do Danilo, ao perceber que os seus diretores me consideravam alguém apropriada para estar ali, foi impagável. Era visível sua irritação. E mais intrigante foi perceber que a minha presença era totalmente dispensável naquele almoço. Os gringos falavam algumas coisas em português e bem o inglês. O vamos ver, seria a noite, onde os verdadeiros investidores estariam presentes e no outro dia na empresa. Agora, o porquê de ele fazer questão que eu estivesse ali, eu ainda iria descobrir.

Não me fiz de invisível, pelo contrário. Queria mostrar para aquele filhinho de papai que eu estava naquele lugar por merecimento.

Participei das conversas, mostrei minha desenvoltura no inglês e ainda conversei em árabe e hebraico com os seus clientes.

Final do almoço, Danilo não aguentou a curiosidade, ou a "intimidade" do Renato comigo, sempre me chamado de Helô, ele perguntou:

— Posso saber de onde conhece a Heloisa?

— Ora, ela é uma de nossas estagiárias.

Ele quase cuspiu o café.

— Estagiaria? Em qual área?

— No meu setor. Ela é da área de designer de interiores.

— Você é estudante de arquitetura? — perguntou-me baixinho. Acredito que era para que os árabes não percebessem.

— Sim. Vou formar no final do ano.

— Formar? Como assim?

Olhei de lado e encontrei seu olhar preso em mim em total confusão. Realmente ele parecia não acreditar nas minhas palavras. Suponho que esperava que a qualquer momento eu gritasse: brincadeira! Estou no colegial!

— Passei no vestibular há cinco anos, fiz um ano de intercâmbio no exterior, por este motivo vou formar agora. Poderia ter sido ano passado.

— Qual sua idade?

— Por quê? Pareço ter 18 anos?

— Nem isso.

— Pois saiba que tenho 23 e este ano ainda, farei 24 anos. As aparêcias se enganam, senhor Danilo. E comunicar-se é o mais importante. Foi o que te falei no primeiro dia, lembra?

— Falou? Não lembro.

— Ahd altahadiyat alkubraa lilbashariat hu taelam fin altawasul — repeti.

Assim que terminei a frase, percebi que todos me olhavam. E um dos árabes percebeu a não compreensão dos outros. Traduziu num português arrastado: "Um dos grandes desafios da humanidade é aprender a arte de comunicar-se."

Ele deu um sorriso amarelo e concordou. Ficou quieto por um tempo, ou até o assunto da frase se diluir por completo. Então, abaixou perto do meu ouvido e perguntou:

— Quis dizer o quê, com isso? Que não sei falar?

— Falar e mandar, eu acredito fielmente que sabe. Dialogar, conversar, entender e buscar informação, que é minha dúvida.

— Isto, porque pensei que fosse uma menina mal saída das fraldas?

— Verdade que o senhor achou que eu fosse tão nova assim? Hum... — Olhei atravessada para ele e sorri, mas não falei nada, apenas tomei minha água.

— O que foi esse sorriso? — perguntou com aquele olhar intrigado.

— Você me achar nova...

— E não é?

Voltei meu olhar para ele e o encarei. Fiz uma inspeção completa, apesar de estarmos sentados, porque não pude olhá-lo da cabeça aos pés. Desviei meus olhos e reparei naquelas ruguinhas no canto dos seus. Em uma pinta perto da sobrancelha direita e em outras perto da orelha e maxilar. Sua boca firme expressava tensão. Suas mãos apoiadas à mesa eram grandes e inquietas. E quando voltei a encará-lo, ele mantinha a mesma fisionomia zangada.

— Acabou?

— Não. Gostaria de ter feito uma análise igual ou parecido àquela que você fez em mim no dia que nos conhecemos, mas deu para entender a diferença.

— Qual?

— Não sou eu que aparento ser nova. Você que é velho.

Ele estreitou o olhar, e com eles me fuzilou, tenho certeza que se saísse fogo, teria me queimado. No instante que abriu a boca para me rebater alguém disse:

— Posso pedir a conta?

Fui salva pelo fim do almoço.

Abaixei a cabeça e sorri, os três homens disputavam minha atenção, um quis puxar minha cadeira antes do outro, em seguida os dois, Renato e Marcelo, conversavam quem me levaria embora. Foi então que escutei Danilo deixar claro, com aquela sua delicadeza natural de ser:

— Ela veio comigo e assim voltará.

Fechou a questão, e eu? Olhei para Renato e apenas sorri em concordância.

Enquanto esperávamos o carro dele, parados a frente do restaurante, eu disse:

— Aposto que se eu caminhar, chegarei primeiro que o senhor.

Ele me olhou de cima com expressão fechada e não respondeu, no entanto, segurou meu cotovelo. Assim que o carro foi estacionado a nossa frente ele me puxou como se eu pudesse fugir ou sair correndo.

— Quer me soltar, por favor.

— Melhor não. Ainda não sei se acredito que tenha vinte três ou três anos.

— Quer ver meus documentos? — perguntei assim que ele me soltou e acomodei-me na poltrona do carona. Ele não respondeu de imediato, permaneceu alguns segundos me observando até fechar a porta. Deu a volta no carro e entrou, após dar a partida, comentou.

— É o que deveria ter feito, desde o momento que coloquei meus olhos em você.

— Sabe por que não fez? — Não esperei ele responder. — Porque questionava a minha competência pela aparência. Não sou chique e muito menos sofisticada.

— Pare de falar bobagem! — disse, virou para mim ao parar o carro no engarrafamento.

Balancei a cabeça e não respondi.

— Vai ficar calada? Não vai me retrucar?

— Não! Eu sei que estou certa.

— Petulante!

— Arrogante.

— Você sabia que sou seu patrão? — perguntou, mas percebi certo sorriso em seus olhos.

— Mais ou menos, não é mesmos? Não sou funcionária da empresa Avelar, apenas faço estágio. O senhor é patrão do Renato que é meu supervisor.

— E a senhorita sabia que muitos estagiários se tornam funcionário?

— Verdade? E todos passam pelo senhor antes, ou são os supervisores que escolhem?

Ele não respondeu. Concentrou-se no movimento da rua e do carro que não tinha andado nem cem metros.

— Qual seu endereço? Acho melhor sair desta avenida e te levar para casa. Assim não se atrasa para o jantar.

— Primeiro, eu não me atraso para compromissos. Segundo, ainda não encerrei meu horário de trabalho hoje. E terceiro está muito cedo, eles disseram que o jantar é às nove da noite. O que achei muito tarde, mas não irei discutir esse assunto.

— Eu te libero para poder descansar e se aprontar.

— Eu disse que preciso ir para a empresa terminar um trabalho e pegar minha bolsa. E se eu continuar no seu carro é que vou me atrasar mesmo. Ele anda muito! — coloquei a mão na porta para abri-la e ele segurou meu braço.

— Não faça isso!

— Daqui eu vejo o prédio, olha — Apontei. — está ali à frente. Por que não posso descer?

— É perigoso. Fique quieta aqui. O sinal abriu.

Respirei pesado e me mantive quieta, mas percebia que ele me analisava. Por fim, perguntou:

— Quantos anos você acha que tenho?

— 50 ou 60? — respondi, mas não aguentei ficar séria.

— Muito engraçadinha...

— Errei? — Coloquei a mão no peito. — Desculpe-me. É um pouco mais?

— Por que acha que sou velho?

— Sabe senhor Danilo, você deve ter no máximo 35 anos, mas seu jeito é de um homem centenário.

— Vou encarar como um elogio. Homens centenários são sábios. Mas eu quero saber o porquê tem essa impressão?

— Por que a minha opinião é importante? Sou apenas uma estagiaria sem importância.

— Quero saber.

— Talvez seja porque não estou acostumada a andar com pessoas sempre de terno e gravata. Meu meio de convivência, as pessoas usam Jeans e camiseta.

— E a roupa me faz velho?

— Não é somente isso, a sua maneira de se relacionar arcaico. Mas não precisa me levar a sério.

Ele ficou em silêncio, porém eu percebia que não aceitava a minha resposta. Tenho impressão que ninguém nunca tenha dito essas coisas e ele se achava o poderoso. Sim, ele era o chefe e todos os funcionários o temiam. Certos eles de zelar por seus empregos, eu até tinha essa pretensão, mas agora, por minha língua afiada sabia que minha chance tinha escorrido pelo ralo.

Tudo bem, meu currículo eu trabalhava por ele ser de bom ou ótimo. E...

— Pensa muito, não acha? Quer dividir comigo?

— Não. Vou sair aqui e entrar pela porta principal. Obrigada pelo almoço. Manda o nome do restaurante que estarei lá... — ele me cortou.

— Nada disto. Vou te buscar... — o cortei.

— Não! Se fosse a Adele, você iria buscá-la? Não! Então... — ele me interrompeu novamente,

— Adele é adulta e tem carro... — fiz o mesmo, não deixe que completasse a frase.

— E quem disse que não tenho? Tirou conclusões antecipada de novo, senhor...

— E você tem? — perguntou de forma quase ofensiva. E quando ameacei a responder ele continuou: — Quer parar de me interromper!

— E você também! Não concluí nenhuma frase, percebeu? — falei num tom de voz mais alto.

Ele riu e não disse nada. Prestou atenção no transito e deu seta para mudar de faixa e entrar pela área de estacionamento interno do prédio. Tentei abrir a porta, mas estava travada. Tive que esperar o senhor todo poderoso me libertar, o que somente aconteceu depois que ele desligou o carro.

— Heloisa, me passa seu endereço que vou mandar buscá-la. É obrigação da empresa pela sua ajuda.

— Tudo bem. Te mando pelo celular. Boa tarde e até mais.

Saí do carro sem olhar para trás.

Se ele acha que vai mandar em mim, porque é o presidente da empresa, sinto decepcioná-lo. Não vai mesmo. — pensei.

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