Capítulo 8
- Sabe, eu acho que se falar para sua vizinha que gosta dela, ela não vai te dar um fora. Sinto que ela gosta de você, sabia?
- Não diga?! – retruquei com certo sarcasmo enquanto preparava o almoço sozinha, já que a folgada da Juliette não movia um dedo para me ajudar.
- Sério! Quando eu disse que era sua namorada, a cara de espanto com decepção que ela fez foi nítida pra mim. Ela gosta de você!
- Você acha mesmo que ela gosta de mim? – parei um instante de mexer na panela que se encontrava no fogo e olhei para Juliette, sentada sobre a mesa.
- Eu acho! É estranho isso, mas enfim... Tem gosto estranho pra tudo nessa vida, né?
Estreitei meus olhos em Juliette. Ela não perdia uma oportunidade de me insultar.
- Quando acho que estamos tendo uma conversa direita, você vem e estraga tudo!... E quer sabe o que seria estranho mesmo?
- O quê, quatro olhos?
- Uma garota se interessar por você!
- Pois saiba que isso já aconteceu, ouviu? Já tive um número razoável de namoradas. Aposto que você com esse seu jeito nerd e estranho não deve ter tido uma sequer.
- Aí que você se engana insuportável. Já tive namoradas!
Na verdade não foram ‘’namoradas’’ apenas uma namorada. Foi ano passado e durou apenas duas semana. Foi um namoro relâmpago. A garota me deixou, porque eu era nas palavras dela: uma garota ‘’estranha demais’’, porque só queria saber de estudos e não me divertia fazendo coisas de gente normal.
- Conta outra! Vou perguntar pra sua mãe então.
- Não se atreva! Se você ousar perguntar a ela, eu conto seus planos de entrar num cassino usando ID falsa.
- Está me chantageando?
- Ah, pode crer que eu tô!
- Tudo bem, não vou perguntar nada. Mas saiba que não é por conta da sua chantagem e sim, porque não quero constranger a sua mãe. Agora, voltando ao assunto da sua vizinha... Eu posso te ajudar com ela.
- Você?? – quase engasguei.
- Sim! Posso virar amiga dela e te detonar pra ela.
Juliette me disse caindo na risada. Era óbvio que ela não me ajudaria, muito pelo contrário, se pudesse tenho certeza, de que ela não hesitaria em me detonar mesmo para Kerline como acabou de dizer.
- Não vi graça alguma!
Graças a Deus o telefone da casa tocou, evitando que aquela garota ousasse me dizer mais coisas.
- Eu atendo!
Juliette, saltou da mesa em um pulo, correu da cozinha e não me deu tempo de impedi-la. Fechei a panela apressadamente e corri atrás daquela garota antes que ela atendesse a ligação, mas cheguei tarde à sala. Ela já falava com alguém ao telefone.
- Com quem você quer falar? – Juliette perguntava a outra pessoa da linha.
- Me dá esse telefone, Juliette! – pedi, mas ela fez um gesto para eu esperar.
- Ela está aqui. Quem quer falar?
Pela pergunta dela deduzi que a ligação era para mim e sem cerimônia puxei o telefone da mão dela.
- Aqui é a Pocah, uma amiga da Sarah. Mas como você se chama gatinha? Sua voz é linda! – ouvi Pocah dizer toda galante do outro lado da linha. Essa aí não perde tempo mesmo!
- Viviane! – chamei pelo nome da minha amiga, revirando os olhos em desagrado por meus ouvidos terem sido obrigados a ouvirem as cantadas baratas de Pocah.
- Sarah?
- Eu mesma.
- Foi mal, amiga. Eu estava falando com uma garota de voz linda. Quem é ela?
Uma peste!
- Uma hóspede que vai passar um mês aqui em casa. – contei.
- Sério?! E como ela se chama?
- Juliette. – vi a própria me encarar assim que pronunciei seu nome. Com certeza, ela sabia que o assunto naquele instante era ela. Entretanto, mudei a pauta e indaguei a minha amiga a razão de sua ligação.
Pocah me disse que no fim da tarde, ela e as demais tinham marcado de jogar futebol contra um time do bairro onde Pocah mora. O jogo aconteceria em uma quadra society fechada, e isso já estava marcado desde ontem. Inclusive, as garotas já haviam até pago a hora para o dono da quadra e deixado reservado o horário delas para hoje. Mas ainda pouco Lumena, a garota que geralmente é a goleira do time, ligou avisando a Pocah que não poderia ir, porque mais cedo caiu da bicicleta e machucou o pulso. Agora, a Pocah queria que eu ocupasse o posto de goleira.
- Fala sério, Pocah! Sabe que não gosto de jogar futebol, amiga.
Na verdade, eu não era muito de praticar qualquer esporte, tanto que as aulas de Educação Física eram as que eu mais detestava.
- Eu sei, amiga. Mas você é muito boa no gol, Sarah. E o seu nome foi o único que me veio à mente.
Pior que eu era boa mesmo. Apesar de não gostar tanto de jogar futebol, nas raras vezes em que eu me atrevia a jogar como goleira nas aulas da escola, eu mandei muito bem. Ano passado, o professor que é também o técnico do time da escola até me fez o convite para fazer parte do time, mas eu recusei. Fazer esporte não é para mim. Uma vez ou outra, vá lá, mas constantemente, não!
- Quebra esse galho pra gente, Sah. É o jogo da revanche contra o time do meu bairro. Semana retrasada o nosso time perdeu para aquelas vacas e agora a gente quer dar o troco.
Eu torci a boca em total insatisfação. Jogar bola... Ficar suada e fedida... Acordar no dia seguinte toda dolorida... Entretanto, apesar dessas coisas ruins, eu acabei aceitando quebrar esse galho para as minhas amigas.
- Tudo bem, Pocah. Eu vou!
- Yes!... Valeu, amiga! Vou mandar pra você o endereço da quadra e o horário da bola por SMS.
- Tá!
- Leva a sua hóspede pra gente conhecer!
- Não!
Era só o que me faltava levar essa garota a tira colo para conhecer as minhas amigas.
- Por que não?... Gizelly vai levar a Marcela, Cami levará a mais nova ficante dela, o Gil também vai levar o Lucas e ainda irão mais algumas garotas assistir ao jogo. Leva a sua amiga pra fazer companhia pra elas.
- Ela não é minha amiga. É apenas uma hóspede! – resmunguei, vendo Juliette arquear uma das sobrancelhas.
- Que seja! Mas leva a garota ou do contrário, vou achar que você não quer nos apresentá-la, porque já está dando ‘’uns pegas’’ na menina e tá com medo da concorrência.
Eu arregalei os olhos e ia mandar Pocah a merda, mas não tive tempo porque ela encerrou a ligação imediatamente.
Onde já se viu, eu dando uns pegas naquela garota? Nem se ela fosse à última na face da terra!
- Que cara é essa, quatro olhos?
- Não é da sua conta! – respondi grosseiramente, batendo o telefone com força na base, em seguida voltei para a cozinha tendo em meu encalço a minha sombra chamada Juliette.
- Eu tive a impressão de que falavam de mim. Posso saber o quê?
- Não! – retruquei diante do fogão para ver o molho branco da massa que estava preparando.
- Tenho o direito! – ouvi Juliette replicar atrás de mim. Bufei com raiva.
- Minha amiga queria saber quem era você. – resumi a história a apenas um fato.
- E por que disse que eu não era sua amiga? Pensei que já fôssemos um pouco amigas.
- Pensou errado!
- Nossa! Assim você mágoa o meu pobre coração, Sarará!
- Até parece! – ironizei, vendo Juliette cair na risada.
- O que mais sua amiga queria?
Resolvi contar logo o resto na esperança de que Juliette se recusasse a ir. Falei a minha hóspede que minha amiga me chamou para jogar futebol com as outras e sugeriu-me de levá-la comigo para fazer companhia às outras garotas.
- Ah, legal! Gosto de assistir futebol!
Eu imediatamente murchei diante disso, pois minhas esperanças de que ela não me acompanhasse foram pelo ralo.
- Vai ser divertido ver se você além de nerd, também é perna de pau e frangueira! – ela me deu um soco no braço enquanto exibia um sorriso para mim.
‘’Que ódio!’’
***
Era por volta das cinco e meia, quando Juliette e eu, saímos de casa para ir ao jogo. Mais cedo já tinha avisado minha mãe aonde iria e que Juliette me acompanharia. Minha mãe ficou contente por eu ‘’sair da toca’’ e levar Ju - minha mãe já está nesse grau de intimidade com aquela garota - comigo para ela conhecer minhas amigas.
- Você vai enxergar a bola sem os óculos?
- Eu vou usar lentes, garota.
- Ah! Por que não usa sempre as lentes ao invés desses óculos horrorosos?
- Porque não é da sua conta.
- Ai, que amor, você é hein.
Cinco segundos esse foi o tempo que ela ficou em silêncio após tal fala. Logo em seguida voltou a abrir a boca de matraca.
- Essa quadra ou arena fica longe daqui?
Suspirei, buscando não perder a paciência.
- A gente vai ter que pegar duas conduções pra chegar lá.
- Tudo isso?
Desta vez revirei os olhos já começando a me irritar e ficar impaciência pelas perguntas daquela garota. Ela não queria ir? Então que não me amolasse com perguntas.
- É, tudo isso!
- Por que não pedimos um Uber?
- Porque vai sair mais caro do que irmos de condução. - retruquei rispidamente. - Olha se quiser ainda dá tempo de você voltar pra casa e ficar lá. – respondi ao alcançarmos o ponto de ônibus.
- Ficar sozinha e de quebra perder a chance de descobrir se você é uma goleira frangueira? Nem pensar!
Mais uma vez bufei. Só mesmo porque Pocah e as demais são minhas sisters que estou saindo da minha casa para ir jogar bola lá onde o Judas perdeu as calças e tendo ainda por cima, que levar Juliette a tira colo. O que não fazemos pelas amigas?!
Por sorte as conduções não demoraram tanto e mais de quarenta minutos depois, Juliette e eu já chegávamos à quadra. Toda a galera já estava lá e os olhares de todos bateram de imediato na sujeita que me acompanhava. Cumprimentei minhas amigas, primeiramente e as demais conhecidas que vieram. Depois, fiz as devidas apresentações do pessoal a Juliette e vice-versa.
Não sei se foi somente impressão minha, mas podia jurar que notei uma troca de olhar entre a minha insuportável hóspede e Pocah quando as apresentei.
Como aquela insuportável mesmo me disse mais cedo: ‘’tem gosto pra tudo nesse mundo!’’.
Surpreendeu-me a rapidez com a qual Juliette logo já havia se enturmando com o pessoal. A tirar por Gilberto que não falava muito com Juliette e apenas ficava ‘’analisando’’ a minha hóspede enquanto ela conversava com as demais. O restante do pessoal já conversava com Juliette e ela com elas, como se fossem velhas conhecidas. Devo reconhecer que é nítida a facilidade dela em conquistar quase que instantaneamente a empatia das pessoas ao redor dela, somente a minha ela obviamente não conquistou e motivos não faltam para isso. Mas enfim, deixa isso para lá.
- Aí, amiga, Gilberto nos contou que você não suporta sua hóspede, porque disse que ela é a maior chata. Mas ela não está parecendo nada chata, muito pelo contrário, ela é gente superfina, mega legal e divertida.
Ouvi Cami comentar ao sentar-se ao meu lado no banco do vestiário onde nos trocávamos para o jogo que começaria em instantes.
- Essa é a sua opinião a respeito dela. A minha já é outra totalmente diferente! – retruquei, terminando de amarrar o cadarço da minha chuteira.
- Você não tá de implicança com ela?
- Primeiro de tudo que é implicância, jegue. – o pessoal no vestiário não se aguentou e caiu na risada pelo modo como chamei Camilla. - E segundo... Você não faz idéia do quanto ela me perturba em casa. Tenho motivos de sobra pra achá-la chata e mais algumas outras coisas.
- Bom ‘’Senhorita-que-corrigi-quem-fala-errado’’, eu gostei da garota e digo mais... Ela já faz parte do meu seleto grupo de friends forever.
Balancei a cabeça diante de tais palavras. Para a Camilla não precisava de muito para a pessoa já fazer parte desse seu seleto grupo de amigos, até porque o grupo não era tão seleto assim. Toda pessoa que a Cami conhecia e fazia amizade, imediatamente já fazia parte desse grupo mesmo.
- Aí, Sah... Você sabe se ela tem alguém?
Pocah me interpelou, ajeitando o meião dela. Com essa pergunta, cheguei à conclusão de que ela realmente se interessou por aquele ser estranho e insuportável que era a minha hóspede.
- Parece que a conquistadora Viviane de Queiroz já tem um novíssimo alvo, hein?!
Carla brincou e a risada foi geral.
- Amiga nem bem a garota chegou ao grupo e você já quer lançar sua lábia nela.
Gizelly tacou uma bola de meia em Pocah, que espertamente se abaixou para não ser acertada pelo objeto.
- Gi se ela não for pra cima logo, a garota vai acabar descobrindo a fama dela de conquistadora e aí babau pra Pocah.
Foi Thaís quem disse em zoação com Pocah, todas nós rimos.
- Vocês bem que gostariam de ter essa fama e fazer o sucesso que eu faço com as garotas, suas manés!... E então Sah, ela tem alguém?
- Realmente você acha que sei isso? Claro que não, Pocah. E se estar tão interessada em saber disso, pergunte a própria Juliette.
- Eu vou perguntar. Mas só me responde uma coisa mais.
- O quê?
- Sabe se ela faz parte do lado divertido e colorido da vida?
- Sim! Ela é lésbica. - confirmei já de saco cheio de falar sobre Juliette. - Agora, vamos logo jogar essa bola antes que eu me arrependa de ter vindo!
Quando chegamos de volta onde as demais garotas haviam ficado, uma pequena arquibancada. O grupo que ali estava, inevitavelmente olhou todo para mim. Achei isso super estranho e ao lançar um olhar a Juliette que sorria matreira, imaginei que alguma besteira a meu respeito aquela garota falou. Mais tarde tentaria descobrir por intermédio de Gil o que tinha rolado ali enquanto estive no vestiário.
- Aí, seus maricas, vocês vão jogar ou não? Nós já estamos prontas que tempo, só falta as ‘’moçinhas’’ aí terminarem o papo com as coleguinhas e virem pra cá perder de novo para a gente. – gritou cheia de marra a capitã do time que enfrentaríamos.
- Quem vai perder são vocês, suas babacas! – Pocah retrucou indignada com a provocação do time adversário. Segundo minha amiga, elas se achavam as ‘’maiorais’’ só porque o time delas disputava todo ano a liga amadora dos bairros e por duas oportunidades consecutivas venceram a competição.
- E nós já estamos mais do que prontas. Vocês não perdem por esperar pra vê o que nós ‘’ moçinhas’’ vamos fazer com vocês, otárias. – Cami completou tão indignada pela provocação do time adversário, quanto nós restante.
- Acho bom vocês irem logo ou elas vão ficar zoando mais ainda vocês. – Marcela comentou vendo o outro time rindo da gente.
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