Capítulo 59
Embarcaram no ônibus e em poucos minutos Julian já estava reclamando.
— Acho que sentamos no lado onde bate sol. Devíamos mudar.
— Deixa de ser retardado. Não existe isso de lado do sol não.
— Claro que existe. Na ida você deve ir nos assentos da direita e na volta nos assentos da esquerda. É física básica, noção geográfica da posição solar.
— Ficou muito fresco — Ethan fez o que sempre fazia enquanto seguia rumo ao hospital, ele encostou a cabeça no vidro da janela e ficou observando as casas indo e vindo pelo seu campo de visão.
— Já você sempre foi fresco e sensível.
— Você parece mais agitado, Julin. Mais disposto a fazer as coisas, o que será que causou essa mudança repentina?
— Não estou gostando desse seu tom de voz, o que está querendo insinuar?
— Eu? Nada. Só curte a viagem. — Ethan sorriu.
— Não me venha com esses seus joguinhos sarcásticos, devo te lembrar quem é o romeu dessa história? Devo?
— Relaxe, ela vai te aceitar, amigo.
— Quem vai me aceitar? Deixa de ser idiota — Julian ajeitou a caixa no colo — se me irritar eu jogo toda essa papelada pela janela.
— Não tem coragem. O seu cérebro se nega a fazer qualquer coisa que seja prejudicial a mim. É assim desde o orfanato.
— Isso porquê você é inútil e não consegue se cuidar sozinho.
— Que sorte a minha você aparecer, não é mesmo? — Ethan voltou a ser sarcástico.
— Agora um assunto mais sério. O que vai fazer quando ela acordar e não se lembrar de você? Eu preciso te perguntar isso várias vezes para me certificar de que você está preparado para todas as hipóteses.
— Bem — Ethan voltou seu olhar para Julian — eu não farei nada.
— Nada?
— É, nada. Não há nada que eu possa fazer caso isso aconteça.
— Na verdade tem duas coisas.
— Tem? Me diga então.
— Pode balançar ela com toda força até ela se lembrar, enquanto grita que a ama. Isso seria engraçado, pode chorar também pra cena ficar bem dramática. Se jogar no chão e rolar, gritar aos prantos.
— Haha, mega engraçado esse seu plano.
— Você é bom em chorar, vive chorando por tudo.
— Seu rabo.
— Enfim, se isso não funcionar, você pode simplesmente conquista-la. Né?
— Conquista-la?
— Sim, não seja lerdo. Chame ela pra tomar um café, um jantar, sei lá. Use esse charme que você não tem e essa beleza que te falta.
— Nossa, motivacional. Estou até mais confiante. Me sinto imbatível.
— Obrigado, eu devia ser psicólogo.
— Falando em jantar, isso me lembrou de que o meu irmão esteve na minha casa ontem a noite.
— O que? Pra que?
O ônibus estava começando a ficar cheio e as ruas movimentadas por veículos de todos os tipos.
— Ele disse que queria conversar.
— Você sabe como isso é suspeito? Tem noção do perigo que pode estar correndo?
— Não exagere. Nem mesmo o exercício foi capaz de me matar. E olha que eles tentaram.
— A diferença é que o exército te ataca pela frente. Esse seu irmão traiçoeiro vem pelas costas.
— Ele parecia curioso, talvez seja mesmo verdade. Deve estar querendo respostas assim como eu.
— Foi só isso?
— Aparentemente sim. Ele disse que vai mandar alguém me buscar quando chegar a hora de colocar a conversa em dia.
— Tome cuidado com esse cara.
— Eu devia tomar cuidado com você também.
— De fato, eu sou tão perigoso quanto ele.
— Claro.
Alguns minutos se passaram antes de finalmente descerem do ônibus. Julian alongou as costas após colocar a caixa no chão.
— Cartazes e bilhetes. Hora de distribuir tudo — disse enquanto decidia pra qual direção iria primeiro. Haviam algumas pessoas de idade conversando algo do outro lado da rua e elas seriam alvos fáceis — os velhos, perfeito. Todo velho adora uma vacina, não podem ver uma que já correm pra tomar.
— Se falar isso em voz alta vai ser linchado.
— Por quem? Por eles? O que podem fazer? Jogar comprimidos?
— Pelo visto vai morrer hoje. Caso não morra, passe aqui no hospital quando eu estiver de saída.
— Ok, vou trazer a Kathy também. Podemos voltar no carro dela.
— Vê se não faz besteira — alertou Ethan.
— Eu só vou espalhar alguns cartazes falsos que vão contra a lei — Julian pegou a caixa — O que poderia dar errado?
— Bem. Vou indo, nos vemos mais tarde.
— Tudo bem. Cuida da garota.
— Claro.
Ethan seguiu para a pequena praça que dava acesso a entrada do hospital, enquanto Julian cruzava a rua indo em direção ao grupo de idosos. Estes notaram a sua aproximação repentina.
— É o seguinte minha gente de idade — ele voltou a colocar a caixa no chão enquanto os três indivíduos o encaravam sem entender nada. Ali estavam dois homens e uma senhora que usava um chapéu rosa arredondado — estão vendo aquele hospital logo a frente? Claro que devem estar vendo, vocês vivem nele. Amanhã vai haver uma campanha para vacinar toda a população contra um novo vírus que está se espalhando lá da China e jaja vai chegar aqui.
— Um novo vírus? — Perguntou a senhora.
— Sim, muito perigoso. Mas como o nosso governo é bastante competente e se preocupa com a população. Já estão disponibilizado a vacina. Aqui, veja — ele pegou um dos folhetos dentro da caixa e a entregou.
— Eu não ouvi nada a respeito — disse o homem da direita, enquanto esticava o pescoço para poder ler o folheto.
— Isso é bom — continuou Julian — significa que a eficácia da cura está chegando mais rápido que a notícia da desgraça. A vacina será bem rápida e por ordem de chegada, mas cheguem rápido pois o lote não é infinito e tenho certeza que vai acabar antes do meio dia. Quem chegar primeiro vai ser imunizado e não correrá nenhum risco.
— É mesmo tão grave assim? — quis saber o outro.
— Pode apostar que é, os sintomas podem matar uma pessoa em menos de cinquenta minutos. Não vão querer brincar com isso hein. Peguem — ele entregou mais alguns panfletos — entreguem aos seus parentes, vizinhos e até mesmo para os pastores das suas igrejas. Vamos salvar vidas.
Julian retirou um dos cartazes e o pregou na vidraçaria de uma loja de roupas. O plano parecia fácil, só precisava sair espalhando os bilhetes, cartazes e notícias falsas. Só precisava tomar cuidado para não esbarrar com algum funcionário público.
— Tudo aconteceu mais rápido do que esperávamos — disse Margareth atrás da recepção.
— Sim. Mas irei fazer o que for possível nesse tempo que ainda resta — disse Ethan segurando um esfregão. Já estava uniformizado e pronto para mais um dia de trabalho.
— Você vai ficar bem?
— Eu não sei. Nunca fui bom em lidar com mortes. Ou melhor, assassinatos.
— Entendo a sua revolta. Eu posso parecer normal mas também não gosto nada disso. Mas é que eu já vi tantos pacientes partindo que isso se tornou algo natural para mim. Por isso prefiro nunca me apegar a eles.
— Vou seguir essa sua linha de raciocínio e tentarei não me apegar também. Mas ainda tem o Beto, eu gosto das histórias malucas dele.
- Ele é mesmo um figurão engraçado. Ele sente um aprecio enorme em ser atendido por você. Continue assim, Ethan.
— Assim?... como?
— Você tem uma energia boa, parece se dar bem com todos. Não é todo mundo que nasce com essa sorte. Eu mesma sou bem antipática, mas cá entre nós, eu até gosto.
Ambos riram.
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