Capítulo 8
A Mansão da Dama estava um completo desastre. Parecia absolutamente abandonada. Era um solar de campo "típico e bastante comum" afagado pelos ares de uma certa arquitetura próxima da vitoriana. A torre de sete andares de uma característica emprestada de torres defensivas medievais. Amplas janelas estavam espalhadas aqui e ali pelas paredes em um padrão aparentemente aleatório, com ameias pendentes para arqueiros e artilharia.
Um grande portão com portas grossas de metal acessava os jardins da frente, completamente arruinados pelo matagal que crescia por todos os lados. As sebes e lianas se desenvolviam em volta de estátuas alinhadas fora dos portões da mansão, servindo como lembretes de seu passado.
Parecia a Ethiena que muita coisa ruim havia passado lá dentro, e sentiu dor de estômago ao pensar que talvez tivesse feito maus negócios.
Suspirou, sacudindo a cabeça.
O Príncipe Linden havia a deixado em um ponto de táxi, partindo apenas depois que ele a viu entrar em um daqueles carros antigos que Ethiena comparava a uma cartola com rodas. Mesmo que fosse bastante desconfortável, conseguiu chegar ao seu destino. Disseram-lhe quando desembarcou do trem ao Domo, que todos os funcionários e suas bagagens chegariam primeiro. Observando todo o mato crescendo ligeiramente pelos quintais, talvez as pessoas que lhe serviriam como funcionários, viram o desastre à volta e foram embora. Aquilo parecia mesmo uma mansão mal-assombrada.
Antes de conseguir xingar uma palavra indecorosa, Ethiena se esticou ao notar o esboço de uma silhueta vindo do interior do matagal. Nas pontas dos pés, repousou a mão por cima dos olhos, para distinguir uma pequena charrete luxuosa que se aproximava. Sentado, conduzindo um volante, a moça encontrou um homem de cabelos ruivos presos em um coque.
― Dama! ― gritou ele, estacionando em frente ao portão. Pulou do banco frontal, batendo as solas dos pés no piso coberto de mato. ― Minha dama, perdão por desencontrá-la no hangar... Tinha eu a tarefa em trazê-la a Mansão, mas não a encontrei em lugar algum. Preocupava-me, e até comecei a pensar que foste sequestrada ou pior...
Ethiena viajou os olhos em sua aparência. O homem estava vestindo um manto com capuz feito de algodão verde metálico e botas de montaria de couro preto. Seu rosto tinha uma expressão de desgosto e uma espessa barba com bigode que formavam pontas curvas. Os homens daquela região seguiam a moda de pelos faciais longos e ornamentais.
― Sinto muito, tomei outro caminho ― Ethiena respondeu, observando-o abrir o portão para ela. ― Não me encontraria, pois, precisei tratar de assuntos pessoais.
O homem enrugou a testa, sem dizer o que passou por sua mente. Então, após fechar o portão, ele se curvou para Ethiena.
― Oh, minha dama, sou Martim ser[1] Platina, a seu dispor ― se apresentou, com pompa e educação. Usava "ser", como significado de pertencimento. Ethiena achava curiosas as regras de etiquetas inseridas nos nomes das pessoas. Certamente, regras para diferenciar os abastados dos desfavorecidos.
― Muito prazer ― ela respondeu com educação, cruzando as pernas e erguendo as saias antes de se curvar.
Seu cumprimento chamou a atenção de Martim, que prendeu o ar. Não era comum que os nobres se curvassem às pessoas mais simples.
― Sou o novo mordomo, escolhido pessoalmente pelo Príncipe Linden ― o homem, então, sorriu. ― Cheguei à mansão antes da senhora, e orientei a todos os outros funcionários a tomarem seus postos. Se desejares tomar outras ordens, minha dama, terei o prazer em auxiliá-la.
Ethiena assentiu. Em seguida, olhou ao redor e ao mato do jardim malcuidado.
― O que aconteceu aqui? Pensei que o Príncipe cuidasse das coisas na cidade ― falou ela, se encolhendo para um inseto grande que voou perto de seu rosto.
― Minha dama, se importar, podemos entrar para uma área menos... selvagem? ― Martim respondeu, afastando o inseto voador com um tapa da mão. ― Venha, suba aqui, Dama Ethiena.
Ele a ajudou a subir na charrete, que a Ethiena lembrou da carruagem feita de abóbora de Cinderela. A poltrona atrás era confortável, mas como era movida a motor, completamente barulhenta. Martim teve de gritar para responder às perguntas da moça.
― A Mansão ficou abandonada depois que Lady Rosamond foi executada pelo Imperador, acusada de adultério ― explicou o homem. ― Trabalhei junto de minha mãe como criado pessoal da Lady, ainda me lembro de como esta terra funciona antes de minha senhora ser condenada.
Ethiena se ajeitou no banco. Lady Rosamond provavelmente era mãe de Linden, e ela se perguntou o porquê o título de referência era diferente de "dama". Recordando-se bem da história de Linden, escrita nos livros de história do império, Lady Rosamond de Walles era uma princesa estrangeira do Reino Unido de Saxônia.
― Não houve ninguém para administrar as terras? ― Ethiena perguntou, curiosa sobre a história real de Linden. ― Para ficar neste estado...
― Oh, minha dama, o Imperador parou de mandar ajuda financeira, então não havia ninguém para cuidar dessas terras. O Príncipe sempre priorizou remanejar sua ajuda financeira para a população ao invés dos muros imperiais ― gritou Martim. ― Mas, agora, acredito que posso ajudá-la a reconstruir tudo, minha dama.
Olhando para o matagal por todos os lados, Ethiena duvidou de que fosse um trabalho que durasse menos de um mês. A situação era um completo desastre.
Seguiram pelas passarelas do jardim, sacolejando e pipocando por causa dos pisos soltos. A pequena excursão encerrou às portas principais da mansão. Ethiena boquiabriu-se ao notar a extensão da propriedade, cujas paredes estavam sujas e janelas opacas de poeira.
― Por aqui, minha dama ― Martim ofereceu a mão para ela descer da charrete.
Com toda educação, embora olhando para a frente da construção, Ethiena repousou a mão na de Martim. Não o esperou, subiu os dois degraus de pedra gastos, olhando para a enorme porta de madeira de tinta desbotada e arranhada. A maçaneta de prata tinha a forma oval com ornamentos dourados em relevo. As lembranças das novelas de época que assistia na TV quando mais nova, trouxe um pouco de nostalgia a Ethiena.
Depois de resolver um dos problemas, ela sentiu suas emoções se chocarem. Sua cabeça havia levemente esquecido sobre quem era, embora ainda não lembrasse seu próprio nome. Não se encaixava lá, e era estranho que não se sentisse como se estivesse em um filme de época.
Martim puxou as maçanetas das portas duplas, curvando-se para que a moça passasse. Com as luzes do final de dia, uma lança de luz alaranjada iluminou o saguão principal.
― Depois de Vossa Excelência, minha dama ― cochichou Martim.
Ethiena cruzou a soleira da porta e mergulhou nas luzes do fim de tarde. Sentiu o cheiro adocicado de madeira velha, poeira e umidade; o local despertava a sensação de ser um prédio condenado. Ela espiou além das luzes entrando pela porta escancarada atrás dela, notando a escada cujo tapete bordado em ornamentos dourados seguia até a porta. O piso era de porcelana, sujo de poeira. A escada seguia para o andar de cima, onde ela conseguia ver a balaustrada feita de madeiras. Muitos balaústres estavam em falta, e o balcão desenhando em arcos por cima da escada segurava partes do teto que desabou.
― Logo o chá da tarde estará pronto, minha dama ― informou Martim, fechando as portas. ― Senhora Olga está a preparar a sala de jantar desde que ela chegou. Olga veio à mansão ontem pela tarde pela ordem do Príncipe. Acredito que pelo menos teu quarto esteja limpo para descansar, minha dama.
― Oh. Sim ― Ethiena assentiu, curiosa, observando os detalhes que as luzes pelas janelas ainda permitiam ver. ― Estou um pouco cansada.
― Mandarei alguém acender os candeeiros ― Martim se distraiu, olhando para o interior da mansão à esquerda. ― Se não se importar, dama, espero que se sinta à vontade. Mandarei alguém para servi-la.
Ele falou aquilo, curvou-se e se apressou a entrar em uma porta debaixo dos balcões do andar superior.
Sozinha, Ethiena sentiu um arrepio passar por suas costas. Odiava a companhia das criadas, pelo menos na mansão Sá e no palácio, foram muito malcriadas.
Com a curiosidade escavando por todos os lados de seu interior, viu-se interessada em conhecer a mansão. Seu novo lar; apesar da aparência como se tivesse acabado de entrar na casa de um moribundo. Ela respirou fundo, arrependendo-se quando sentiu o cheiro forte de algo morto há muitos dias. Logo, avistou os candeeiros antiquados que usavam, provavelmente, magia. O lustre refulgia a tênue e bruxuleante luz do fim de tarde no teto, teias de aranhas caiam em tramas elaboradas até o chão. Nas paredes existiam muitos quadros apagados pelo tempo, mal dava para distinguir as figuras históricas pintadas nas telas.
Ethiena caminhou devagar em direção a um quadro atrás de um pilar de madeira, notando a figura de uma linda mulher de cabelos castanhos escuros longos e cacheados com olhos cor de jade e uma pele muito clara. Sua expressão era doce, mas muito triste.
A menina não precisou analisar muito para acreditar que era a mãe de Linden. Eles tinham o mesmo formato de rosto e cor de cabelo.
Ela desviou passeando pelos outros quadros, embora todos estivessem desgastados e borrados pelas chuvas que entraram pelo teto abobadado arruinado, distinguiu a figura de um pequeno Príncipe Linden. Deixou escapar um sorrisinho, voltando a atenção para as antigüidades por todos os lados.
Mesmo que não quisesse pensar nisso agora, acreditava que tudo ali poderia valer uma fortuna. Estava cansada, mas estimou que pudesse usar a própria mansão para reconstruí-la.
Ouviu-se passos apressados e uma senhora surgiu por uma porta ao fundo do corredor. Quando foi encontrá-la, cumprimentou-a cordialmente, embora Ethiena notasse que era magra e pálida como as pessoas que vira na cidade.
― Vossa Excelência, que bom vê-la! ― exclamou, examinando Ethiena com um olhar crítico. Depois de tirar qualquer conclusão, mostrou falta de muitos dentes em um sorriso. ― Martim estava preocupado, pensava até precisar fazer um grupo de busca para encontrá-la, Dama. Faz-me feliz que está plena e sã.
Antes que ela pudesse responder, a surpresa da entrada de um homem chamou sua atenção. Ele tinha cabelos pretos curtos, olhos cor de água-marinha; seu nariz era longo e fino. Vestia o que Ethiena considerava pertencer ao pessoal da residência ― modelos de muito mal gosto e desbotados pelo tempo sem uso.
No entanto, foram os pequenos pedaços de pergaminho que fizeram a garota recuar. Ele se curvou para ela, cumprimentando. Em seguida, rasgou o pedaço de papel que pegara fogo. O funcionário usava as chamas, que não se consumia enquanto houvessem escritos mágicos para esgotar, para acender as velas nos candeeiros. Ethiena já havia visto aquilo uma vez. A magia de papel ainda a deixava temerosa.
― Penso que está cansada e faminta ― disse a senhora, que Ethiena acreditou ser a cozinheira da casa ―, mas acho que terá de esperar um pouco pelo jantar.
Ethiena esticou as sobrancelhas. Havia tomado bastante vinho, e vomitado por causa do marasmo do aerobarco. Não tinha fome, mas ficou receosa em dizer devido a cordialidade da criada.
― Preciso me esticar um pouco, depois de tanto tempo sentada ― suspirou a moça. ― Quero conhecer a mansão. Depois, cada um dos funcionários, se possível.
A criada sacudiu a cabeça, voltando a sorrir. Ethiena percebeu que seus olhos estavam bastante curiosos pelo seu tom de pele ou por quem ela era.
― Se precisar, madame, chamo-me Olga. Preparo-te alguns biscoitos, que demoram a sair pela escassez de grãos da mansão. Se vosmecê, minha dama, sentir fome, passe na cozinha e terei prazer em servi-la.
Olga se curvou, virando-se em direção a porta que veio. E o rapaz que acendia as velas da mansão, sorriu, também se afastando para continuar seu trabalho nos andares superiores.
Duas coisas Ethiena notou com a pequena interação dos moradores nativos de Walles: eles tinham um sotaque bastante acentuado, usavam "vosmecê"; eram magros, moribundos e frios. O fato de que estavam atarefados, tranquilizou a moça. Lembrou-se das criadas do palácio e mansão Sá, que eram insolentes ao ponto de começarem certo "bullying".
Respirando de alívio, Ethiena se ocupou de caminhar pela mansão, descobrindo cada belo canto. Tudo tinha aspecto velho, abandonado, mas ao mesmo tempo era tão luxuoso que chegava a ser um desperdício deixarem para o tempo roer.
A casa possuía duas salas de recepção, sete quartos principais e seis banheiros. Era uma casa senhorial que lembrava a Ethiena as novelas de época com origens do Brasil Império.
Existiam muitos quartos, estufas, seu exterior ocupava mais de 200km² de terra. Pelas janelas do lado oeste, Ethiena notou que o terreno lá fora era dividido por um rio atravessado por várias pontes ornamentadas ― e uma estrada principal, que seguia a rota para um profundo bosque.
Depois de uma exploração rápida e cansativa, Ethiena sentiu fome. Era hora do jantar e o rapaz que acendera as velas nos castiçais e archotes pelos corredores, anunciou que a comida estava pronta.
A sala de jantar estava muito limpa, pois Sra. Olga julgou que a nova dona da casa gostaria de aproveitar a ceia em um lugar sem poeira e sujeira. Os alimentos, todavia, eram bastante simples. Ethiena notou que o jantar era apenas um pedaço de pão recém feito e um caldo ralo de trigos.
Olhou para Sra. Olga rapidamente, chegando à conclusão que a situação de Walles estava pior do que imaginava. A cozinheira apertou o lábio, evitando o contato visual, ciente que era o máximo que podia oferecer. O medo era visível em seu corpo trêmulo.
Ethiena apanhou o pedaço de pão, partiu e mergulhou no caldo. Quando experimentou, sentiu como se uma explosão cósmica do sabor estourou no interior de sua boca. Estava delicioso, e achou mesmo que não tinha estômago para comer nada além de caldo ― havia vomitado o dia todo, sentindo-se um pouco marejada ainda.
― Está ótimo. ― Ethiena sorriu. ― Muito obrigada, Sra. Olga
A cozinheira relaxou a tensão que endurecia seus ombros. Dobrou no canto de sua boca um breve sorriso. Ethiena acreditou que estava sendo julgada; pois a maioria das damas da parte ocidental do império eram esnobes e irritantes.
― Pedirei para que preparem um banho, minha senhora ― disse Olga, eliminando toda a tensão. ― Deve estar cansada da viagem.
― Oh. Sim, certamente ― Ethiena falou de boca cheia. ― Amanhã, por favor, quero conhecer todos os funcionários.
― Com gusto, minha dama.
Ethiena aprendeu outra expressão. Parecia que a vida na mansão não seria tão ruim quanto havia pensado. Como primeira impressão, ninguém parecia insolente e nem esnobe como os funcionários da Capital.
Nodia seguinte, ao conhecer os outros poucos funcionários, Ethiena ficou felizque além de distantes como fantasmas, também estavam afortunados por teremconseguido aquele emprego. O Príncipe Linden havia planejado tudo aquilo,mandado contratar pessoas, apesar de ser apenas cinco. Olhando para os jardins,Ethiena se perguntava se os três homens, um qual velho e magricela, fossemcapazes de consertar a casa.
Misere¹ ou ser é o título adotado pela plebe para o tratamento de quaisquer pessoas respeitáveis. Neste contexto é usado por pessoas de classe média ou baixa. Sua configuração é "Primeiro Nome" ser (um senhor de) "Lugar a que veio".
* '''Messere''' (em português, "meu senhor"), foi um título de dignidade usado na península Itálica. Teve as variantes messer, missere, misier e ser. Na Idade Contemporânea decaiu rapidamente em status e foi adotado pela plebe para o tratamento de quaisquer pessoas respeitáveis.
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