Capítulo 28

Ethiena havia passado o resto da tarde, parte entediada, parte pensativa. Despedir Lucila não foi lá muito prazeroso como pensou que seria, mas gostou de ver sua expressão de desolação. Assim, como se ajoelhar e implorar para não fazer aquilo. A Rainha não ia empregá-la de volta, e seria recebida em casa apenas para ser deserdada. Damas de companhias eram o mais perto de uma carreira que uma mulher podia seguir — até as reformas estarem prontas.

Despedir a menina foi o menor dos castigos, em vista que pensou em mandar arrancar a língua ou se ajoelhar na praça pública mais movimentada gritando por cinco horas, que nunca mais iria falar palavras racistas.

Quando o trabalho acabou, respeitando seu horário específico, Linden voltou para o quarto deles. Seu rosto corou quando a notou sentada no terraço, esperando-o para o jantar. Ethiena olhava para fora, pensativa, irritada, vestida em um dos vestidos bonitos que Nice continuava a trazer das lojas de roupas que demoravam a confeccionar seus desenhos.

— Tu estás bem, minha Imperatriz? — Linden questionou, sentando à mesa em frente dela. — A sesta com a Rainha foi tão dura quanto parece?

Ethiena estava de mau-humor.

— Bem, um pouco — ela respondeu, respirando o perfume da comida que Ângela havia descoberto de uma bandeja. — Caí em algumas armadilhas, e suponho que Helena Teodoro vai tentar me culpar pela morte de Ped... Rui.

Linden arqueou as sobrancelhas, pois há muito tempo ele não a ouvia referir-se ao pai como Pedro.

— Soube da gravidez — disse ele, cortando um pedaço de sua carne em seu prato. — Deu-me calafrios ouvir sobre tal. Pois, se não tivermos um herdeiro, meu novo irmãozinho há de herdar o trono. Se for um menino, obviamente. Aflijo-me de medo por tal desdobramento, pois não me falta certeza de que hei de passar por atentados a minha vida uma ou outra vez.

Ethiena ergueu o olhar até ele. Um pânico flutuou em seu peito, e Linden sentiu, apesar de ter colocado uma risada na boca sobre seu próprio tormento.

— Ela foi a Imperatriz antes de mim — Ethiena observou. — Ficou grávida antes de você herdar o trono, então se for menino, o filho dela terá direito ao trono e você será chutado de lá.

— Sim — Linden assentiu. — Adivinhou ou Helena contou-te?

Ethiena encolheu os ombros — havia adivinhado.

— Não há por que preocupar-te — assegurou Linden. — Helena é uma cobra, mas também sei morder feito uma. Tenho a fama de perverso, lobo-mau, um dos melhores jogadores do jogo dos tronos. Então, tenho uma ideia do que hei de fazer. Ou como devo fazer. Se mudasse a lei de herança ao trono, haveriam de chamar-me ditador. Então, além de rezar para que meu próximo irmão seja uma menina, encontrarei o amante que a engravidou antes que isso se torne um problema para o povo.

— A criança não é de Rui?

Alguma chama pareceu queimar no coração de Ethiena. Uma sobrancelha de Linden se mexeu incômoda, de leve, mas seu fluxo sentimental foi tão perceptível quanto o dela. Diferente do desejo que ele emanava quando entrou naquele quarto.

— Nenhuma de minhas irmãs por parte de Rui e Helena o são — ele demorou algum tempo para responder, cortando seu pedaço de bife no prato, mas não levou a boca. — Rui não se deitava com a Imperatriz há anos. Por isso, ocupava-se com as suas concubinas.

— Não? Por quê?

— Bem — Linden olhou para ela, finalmente mordendo a carne da ponta de seu garfo. — Devo ter contado como minha mãe foi... assassinada, não?

Ethiena lembrou-se vagamente. Recordava que o pai de Linden havia a acusado de adultério.

— Agora que conheces a magia, entendes sobre as "maldições" — ele continuou, enquanto ela assentiu a sua afirmação. — Meu pai foi amaldiçoado por Helena Teodoro.

Linden espiou a esposa, mordendo outro pedaço de sua comida. Então, abaixou os talheres para contar profundamente a história que ela não sabia sobre a família real. Sobre o pai de Linden, Rosamond e Helena de Teodoro.

Cada detalhe fez o apetite de Ethiena transforma-se em enjoo persistente. Ela sentia vontade de vomitar ao saber que a Rainha enfeitiçou, amaldiçoou, o que fosse, o Imperador para tomar o posto de Imperatriz quando não era nem sequer a Rainha. Ficou pior ao escutar sobre o ataque de Rui a Mansão da Dama em Walles, onde guardas reais tinham a ordem de matar seus filhos por acreditar que nenhum deles era sangue de seu sangue.

Quando o antigo Imperador voltou a si, era tarde demais. Havia cometido um pecado, e a Imperatriz Helena o chantageou. Aparentemente, os cidadãos não ficariam contentes em saber sobre a morte de várias crianças a mando de Rui I. Ele tinha fama de bufão, mas porquê, após cometer aquele crime, drogado e enganado, bebeu até cair e desprezou seu posto ocupando-se com suas concubinas e outras bobagens. Rui não tinha ideia das necessidades do povo, pois estava mergulhado em um mar de merda.

— Mas se ele foi enfeitiçado — Ethiena se remexeu em sua cadeira. — Teria culpa?

— Apesar da maldição, querida Thiena, a escolha ainda é sua — Linden suspirou. — Meu pai preferiu acreditar que minha mãe, Rosamond, o traiu, pois já não estava a confiar nela. Então, o veneno da maldição foi apenas um desinibidor ao desejo de seu coração. Aether é uma natureza viva, ela não pode ser tocada por ser uma energia mal-humorada. Mas o pouco que a temos, está sempre ligada a natureza sentimental humana. Um veneno de maldição, também trabalha de tal modo. Se conecta ao que está em sua mente, e provavelmente, Helena sussurrou muitas mentiras que meu pai queria ouvir para livrar-se de Rosamond.

Ethiena engoliu em seco. Seu fluxo sentimental foi bastante visível, pela expressão apreensiva no rosto de Linden. Ela se sentia pior ao lembrar que Pedro "reencarnou" na pior de todas as pessoas naquele mundo. Como consequência, ainda por cima, foi assassinado pela própria filha.

Pelo menos, Ethiena sentia o coração aliviado que o filho na barriga de Helena não era de Rui, mas ainda feria como uma faca. Pedro foi preso na circunstância, não teria culpa se o bebê fosse dele. Ainda assim, ela sofria ao pensar que sua alma foi presa naquela situação lastimável.

— Bem — Linden riu, tentando tirá-la daqueles pensamentos. — Helena veio ter comigo antes do nosso casamento, questionando-me qual o chá haveria de gostar. Sei que odeia o chá amargo, então, respondi àquela mulher que era seu predileto. A pergunta foi-me estranha e ofensiva, porém, entendi o que queria quando tu disseste-me que a convidou para a sesta.

A Imperatriz fez um gesto com a cabeça, sem entender.

— Sei que não bebeste o chá dela, Ethiena. — Os olhos deles estavam estreitos e monótonos. — Helena tramou para envenená-la com a maldição.

A expressão de completo entendimento chegou o rosto dela, que se tremeu lembrando-se do sabor e cheiro do chá amargo de Franceia.

— Previ tal tramoia — Linden se divertiu. — Deveria tê-la advertido, mas pensei que conseguiria contornar a situação sem minha interferência.

Ethiena olhou para seu prato, intocável. Havia também previsto que qualquer comida que a oferecesse poderia estar envenenada, mas não pensou que fosse tão ousada e óbvia. Teria comido por educação, se a Rainha houvesse aceitado sua oferta de paz durante o casamento. A trataria como aliada, e não teria suspeitado.

— Sei que notou que não gosto que interfira nos meus assuntos, mas precisa diferenciar o que é interferência de advertência — Ethiena esfregou a mão no rosto.

Linden ficou pálido. Seu corpo estirou feito um pedaço de pedra do outro lado da mesa.

— Se eu bebesse ou comesse algo por educação, desde que fui a convidada, seria um zumbi agora, Linden — ela se levantou, largando o guardanapo de pano em cima de sua comida intocada. — Agradeço por contar algo que não sabia sobre Rui, mas agora sinto dor de cabeça e vou me retirar primeiro.

— Mas vosmecê nem sequer comeu direito — Linden observou, ainda tenso, sem ideia de como consertar seu pequeno deslize. Ele sempre usava "vosmecê" quando estavam sozinhos. — Há de ficar doente...

— E você se preocupa com minha saúde de verdade?

Linden passou a mão na testa, esfregando a fim de evitar soltar um palavrão. Ele se levantou, indo com cautela até ela. Olhou Ângela e Nice, paradas em algum lugar perto das portas balcão do terraço. Elas deixaram o quarto com o pedido silencioso de seu olhar.

— Thiena — ele esticou a mão até pousar em seu ombro, onde jazia a cicatriz do tiro que levara da pistola de Linin. — Perdoe-me. Arrisquei, com o coração cheio de certeza, de que podia lidar sozinha com a Rainha. Estive tão fiel a essa crença, que não julguei que fosse necessário a minha interferência. Ou advertência. Porque confio que vosmecê és capaz. Porque confio em ti.

— Tudo bem — passou a mão na nuca, cedendo seu perdão.

Linden ficou tão ferido com o fato de que ela odiava que a ajudassem como se fosse incapaz, que provavelmente estava fadado a irritá-la pelo modo contrário.

— Apenas se comunique comigo apropriadamente — pediu, baixando o tom da voz. — Ir para guerra sem conhecer o terreno, pode me fazer pisar em uma mina explosiva sem que eu saiba.

Ele arqueou as sobrancelhas, entendendo com a analogia militar.

— Sinto muito — disse, sem jeito. — Prometa-me, querida, que há de me reportar o que acontece em seu dia. Assim, hei de compreender a diferença entre advertência e interferência. Estou muito acostumado a comandar, pois fui um Príncipe General e agora sou Imperador. O que tu chamas de interferir, para mim, é minha natureza. Precisas dizer-me quando sou permitido a ajudar.

Ethiena assentiu.

— Se eu precisar, eu direi — ela disse, franzindo a testa.

Com aquela expressão, o fluxo sentimental de Linden mudou. Ela percebeu uma aura estranha ao seu redor, como se ele tivesse mergulhado em escuridão.

— Não faça essa expressão, Thiena — pediu, como se implorasse para não se jogar de cima de um prédio.

Ela ficou confusa.

— Em Walles, poucas vezes a vi sorrir, brincar ou relaxar como tenho a visto cá, por esses dias — ele a lembrou. — A sua expressão era sempre essa: tensa. Frustrada.

Ela engoliu em seco, recordando-se de todas as suas frustrações. Do medo. Do pânico em não conseguir ajudar aquelas pessoas desesperadas. Miseráveis pela falta de políticas sociais de Rui I, pelo abandono do Imperador, que tratou o condado com desprezo após cometer um crime. Após o embargo de ajuda humanitária.

Ethiena suspirou, sentindo o calor da mão de Linden ainda repousada em seu ombro. Mordeu o lábio. Pelo menos, pensou, não se sentia tão sozinha em Lisbona quanto se sentiu em Walles. Zaraym, Martim, e os outros estavam lá, mas havia uma distância entre eles.

— Não foi um bom dia — Ethiena disse, ainda por cima estava de mau-humor. — Preciso dormir, e amanhã será outro dia.

— Oh — Linden olhou para baixo, um pouco decepcionado. — Me permite massagear tuas costas antes que se vá a dormir?

Ela arqueou uma sobrancelha.

— Ganhei um hidratante aromático, vindo de Parísios — ele explicou. — Garantiram-me que há de fazer, uma pessoa que teve um mau dia, relaxar.

Interessada, Ethiena lembrou das boas mãos dele, que fazia boas massagens. Ele havia feito algumas quando estiveram na Mansão do Imperador.

Mordeu o lábio, sacudindo a cabeça para receber uma deliciosa massagem antes de dormir.

A Rainha não havia feito movimentos nos dias que vieram a seguir, principalmente por Ethiena e Linden terem ficado muito ocupados. Ethiena poderia ter se casado com Linden, mas ainda precisou participar de um ritual litúrgico de coroação, com a presença da imprensa e populares em uma grande praça espaçosa que a família real usava para suas aparições públicas.

O lugar estava tão cheio, com tanta gente por todos os lados, que se viu nervosa quando recebeu a coroa oficialmente se tornando a Imperatriz de Portuália e Cispania. Precisou acenar, sorrir, falar com pessoas que nunca viu, ouvir comentários racistas sussurrados com medo de saírem mais alto; desfilar no interior de um carro conversível para que todos vissem seu rosto e a coroa em sua cabeça. Participou daquilo até que quase desmaiou de cansaço.

Mas a maratona não havia acabado, mesmo que estivesse muito mais interessada em começar o trabalho com as reformas trabalhistas e leis para beneficiar as mulheres.

Ocupou-se sem ver com a promoção, segundo havia dito Linden. Uma propaganda política que o Imperador iniciou, para desmoralizar a Imperatriz Viúva. Ethiena começou a visitar redações jornalísticas, espaços nas rádios da cidade, e fazia poses ridículas paras revistas da cidade — sobretudo femininas que falavam de modas, dos quais elogiavam sem parar sobre o modo "exótico" que Ethiena se vestia. Ficou envergonhada ao pousar tentando olhar apaixonada para o Imperador.

As propagandas se arrastaram por um mês, tomando todo e qualquer espaço das agendas de Linden e Ethiena. As partes invisíveis dos deveres de uma Imperatriz era destoante dos livros eróticos que Ângela emprestava para ela. Suas tarefas estavam presas em uma dinâmica conturbada em fazer malabarismos com sua vida pública e privada. O fato era que todos precisavam fazer sacrifícios.

Os seus ganharam frutos perto do fim do mês, quando recebeu reportes da apreciação e expectativas públicas para com os novos governantes. Todos esperavam que a Flor Exótica e o Imperador Pedro II, olhassem pelos miseráveis que Rui I havia negligenciado para se fartar com riquezas públicas, bebidas e suas concubinas.

Participando de alguns bailes na cidade, Ethiena viu que a sua moda havia começado até mesmo influenciar as mulheres. Muitas abandonaram os espartilhos e mangas bufantes para algo que parecia vir da década de 1920, embora agora ela começou a desenhar vestidos próximos da década de 1950 — para destoar e continuar a influenciar a independência feminina, já que os homens (não o caso de Linden) sempre torciam o nariz ao vê-la mostrando os joelhos.

Então, a Rainha começou seu contra-ataque.

Ethiena não conseguiu deixar de rir, feliz de que tinha a atingido tanto que lufava feito um dragão enquanto concedia uma entrevista em uma rádio da cidade.

Mas não foi uma tentativa frustrada, ao colocar a integridade de Ethiena em dúvida.

Contou de forma distorcida o que aconteceu em Walles, como o Imperador morria dentro de um prédio, onde ela e Linden fugiram minutos antes da explosão. Implicitamente, acusou os novos governantes de um complô para assassinar seu marido.

— A descarada até mesmo esteve a chorar! — Ângela afogueava-se de irritação, quando os jornais começaram a duvidar da Imperatriz e Imperador. — Vais deixar como estás?

Ethiena, sentada na espreguiçadeira nos jardins, finalmente em um dia livre após as mentiras, sacudiu a cabeça.

— Deixe como está — ela riu, bebendo um gole de uma taça de vinho. — Agora, pelo menos, tenho tempo livre.

— Mas, Majestade, porta-te tão tranquila — Ângela estava indignada. — O povo que a adorava, está a cochichar se tu e o Imperador Linden não planejaram a morte de Rui I.

— Bem — Ethiena pouso as mãos atrás da nuca, olhando para o céu azul de primavera. — Pior para Rainha, quando descobrirem a verdade. Ela sairá como a mentirosa. Mordeu a isca, e será feita de idiota quando o tempo certo chegar. A verdade, querida, sempre prevalece.

— Assim o é, Majestade, mas a Rainha não tem alguma vantagem?

— Fazendo intrigas e fofocas? Não tem nada. E agora que parei de ser convocada para a publicidade, poderei lidar com o trabalho sério — Ethiena estava ansiosa. — A relação pública é importante, mas ficar de desfile e não mostrar serviço, só vai aumentar as desconfianças das pessoas. Seremos vistos como mais do mesmo. Quando as reformas começarem a impactar a sociedade, esquecerão esse assunto em um piscar de olhos.

O olhar de sua criada estimada brilhou.

— Decidi me tornar uma Imperatriz, não para tomar vinho e relaxar em uma tarde agradável como essa — Ethiena sorriu para a criada. — Aprecio os dias de folga, porém, meus objetivos principais são zelar pelo povo.

Novamente, Ethiena percebeu a expressão admirada de Ângela. Mal sabia ela que a estava usando. Descobriu que, por ser muito próxima da Imperatriz, a dama de companhia era muito influente na Corte. Além de popular com os populares, afinal, podia fazer qualquer pedido aos imperadores — mas nunca pedia nada. Ângela era uma ponte para dizer aos que duvidavam as verdadeiras intenções de Ethiena e Linden.

— Sou uma Imperatriz para cuidar dos cidadãos do Império — Ethiena esticou o melhor de seus sorrisos.

Ângela espalhou sua visão sobre ela, no mesmo dia. Estava tão esperançosa sobre a boa índole dela, que Ethiena começou a se sentir tensa demais. Não imaginava que ficaria com medo de decepcionar a moça. Pretendia que não, mas era melhor tomar cuidado.

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