Capítulo 16

Qiteria ainda estava pálida, seu rosto voltando gradualmente a um tom rosado. Todo seu corpo estava coberto de poeira de escombros, algumas partes de sua pele arranhada de cascalhos que voaram em seu corpo.

― Proibida! ― exclamou ela, parando de andar de um lado para o outro. ― Estás definitivamente proibida de participar de qualquer partida de argolo! Tu deverias controlar-se, boneca.

Ethiena apertou o lábio, encolhendo-se onde estava sentada, no fundo do interior do escritório de negócios de Qiteria. Linden, na cadeira ao seu lado, cruzou as pernas e riu.

― Ela não sabe controlar, Madama ― comentou ele, rindo. Alguns momentos antes, não parava de encará-la com completa admiração. ― Há de nos desculpar, certo?

Como uma criança mimada, Qiteria fez uma careta, finalmente sentando em sua cadeira acolchoada de presidente. Uma parte de sua boca estava cortada por um arranhão de leve, mas com um aspecto feio.

― Desconfiava como não acredito no diabo, que tal história de Santa, fosse apenas uma lenda ― suspirou Qiteria. ― Nunca vi um fluxo de ether como tal vi cá hoje. O fluxo desta menina tomou toda a arena, e o meu não se comparou ao dela. Olhas tu, que sou uma das cinzeladoras do exército com fluxo para durar dois dias de batalha de argilas...

Ethiena lançou olhar em Linden, que se escorou no braço de sua cadeira para explicar:

― As pedras de ametista puxam teu fluxo de ether, que vosmecê poderia chamar de "energia vital" ― ele sorriu. ― Não se pode usar o fluxo por si só, como nos filmes de magia. Não, sabe, estalando os dedos. Precisa-se de um conduíte, e isso, como expliquei, é trabalho de papéis, argilas e pedras ametistas. Feito varinhas de condões.

Ao fim de sua explicação, a menina fez uma careta de entendimento. As pessoas ao seu redor, não conversavam muito a respeito de magia ― e ela também nunca perguntou.

― Hum! ― bufou Qiteria. ― Pois então, é verdade o que dizem? Tu perdeste mesmo tua memória, ao ponto de esquecer até magia básica?

Ethiena assentiu, ainda com os olhos em Linden.

― Então, quando toquei a ametista, dei vida aos golens? ― Ela enrugou a testa. ― Eles cresceram por causa de mim?

― Oh, sim, querida ― Linden riu, novamente com seu olhar de brilhante admiração. ― Nunca vi nada semelhante. Tu destes a vida a golos que não existiam. As pedras do labirinto se tornaram novos golos, assim como as pedras obstáculos. Toda a arena mexeu viva! Aquilo foi maravilhoso em ver!

Ela ergueu as sobrancelhas, lembrando-se de seus bonecos de golens do tamanho da palma de sua mão, transformando-se em gigantes.

Afastou as memórias da arena, e da batalha que durou poucos minutos.

― Não quero mais jogar argolo, nunca mais ― murmurou, largando-se na cadeira acolchoada. ― Estou com muita dor de cabeça.

Suspirou, quando desistiu de entender como aquele "esporte" poderia ser considerado "legal". Ethiena não gostou, e focou em seus problemas mais importantes.

― Isso é porque usaste fluxo que, poderia matar uma pessoa normal ― explanou Linden, rindo, embora seus olhos não perdiam o brilho da adoração e admiração.

― Imagino ― a moça passou a mão na nuca. ― Mas estou mais preocupada se esta partida inútil, não foi em vão.

Levou seus olhos em direção a Qiteria, que mexia em uma de suas gavetas da escrivaninha, em busca de um cigarro. Encontrando, bufou antes de acender.

― Queres meu apoio, hum? ― falou, direto ao ponto. ― Depois de eu ser completamente humilhada?

— Ora, por favor, Qiteria, nós sabemos que tudo não passaste de uma perfumaria — Linden sacudiu a mão no ar. — Te fazes de difícil, mas tem tanta estima por Quintino quanto todos em Walles.

A mulher passou a mão no queixo, como um velho pensativo em uma cadeira de balanço. Ethiena sentiu um calafrio descer por seu corpo, aos seus olhos virarem e avaliar seu rosto.

— Tudo bem, embora pense que esta dama é muito fraca — assentiu. — Amanhã pela manhã, Quintino não há de incomodar Walles por mais nenhum dia.

Ethiena teria se sentido ofendida, mas não duvidava da impressão de Qiteria dela. Quando esteve na Terra, ou onde quer que fosse, sentia do fundo de sua alma que era "empoderada". Uma mulher forte, que possuía sucesso em tudo o que fazia.

Naquele lugar alternativo — sua melhor explicação para não surtar a tudo o que acontecia em sua vida —, não conseguia ser mais nada do que planos em vãos. Combinara com Martim tantas coisas a se fazer com o dinheiro... Mas ele foi roubado, e agora se sentia como um corrupto fazendo acordos sujos no fundo de um escritório secreto.

Doía ainda mais que, apesar de tudo, não se sentia muito agradecida por Linden ter resolvido parte de sua situação com apenas um sorriso e aperto de mão.

Ela percebeu ainda ser uma pessoa bastante competitiva. O que era um dos seus maiores problemas na firma que trabalhou, quando era de um mundo normal. Odiava que os homens a ajudassem.

Mas também, percebeu, que orgulho demais não ia lhe fazer prosperar. O que adiantava ideologias de seu lugar-comum, se tudo naquele lado era pior.

— Fico agradecida — respondeu, enfim, após observar as mãos de Linden afastar da de Qiteria. — Uma parte está resolvida, eu acho.

Qiteria notou seu tom de voz, e bufou, tragando seu cigarro enquanto olhava misteriosamente para Ethiena.

Ethiena ficou mal-humorada até chegar em casa. Seu corpo estava um caco. Parecia que alguém havia batido em cada um dos seus músculos com um porrete.

Caiu na cama, inspirando o cheiro de seus travesseiros após banhar-se.

Se ajeitou, virando-se. Levou os cobertores até seu peito, suspirando pela décima vez, desde que voltara para casa.

A frustração era como um fungo crescendo ao redor de seu coração. Ethiena odiava tudo naquela sua nova vida. Não conseguia ganhar a admiração dos populares, e tampouco dos nobres. Ela sabia que até zombavam dela. Também não acreditava que ganharia um fã-clube depois da apresentação nas Arenas de Walles. Se não fosse acusada de bruxaria, certamente pensariam nela como um monstro.

Fechou os olhos, acreditando que talvez o dia que viria a seguir fosse um dia melhor para ela.

Ethiena adormeceu rápido devido ao cansaço. Teve um sonho um momento antes de alcançar a inconsciência do sono. Um sonho que há muito tempo não sonhava.

Era o dia do acidente do carro, o mesmo que a levou àquele mundo. E, de repente, Ethiena acordou em um sobressalto, gritando.

A sensação horrível de seu carro atingindo a água, dos seus gritos de pânico, do desespero enquanto a água entrava pelas frestas das janelas, por todos os lugares. A agonia em lutar para respirar. A mão de Pedro tentando ajudá-la...

— Pedro...? — sussurrou.

Havia completamente esquecido de seu noivo. Pedro.

Pedro.

Pedro.

Pedro...

Deixou-se cair de volta nos travesseiros macios, inspirando e expirando. Não importava, não conseguia lembrar de qualquer sentimento que tinha por um homem chamado Pedro.

De repente, fechando os olhos ao repousar as costas da mão na testa, Ethiena escutou algo bater em sua janela. Sobressaltou na cama, assustando-se ao correr os olhos em direção a origem do batida.

— Shh! — pediu um homem entrando pela janela.

— Zaraym — Ethiena quase gritou.

O jovem Príncipe entrava no quarto, mantendo a janela aberta. Sua pele azulada estava molhada de suor, vestia-se em um manto.

— O que diabos...? — Ethiena afastou as cobertas, percebendo o olhar injetado de Zaraym nas luzes da vela que esqueceu de apagar.

— Precisar ir, minha Reynna — o eufr disse, colocando a mão no interior de seus fardos de panos pesados. — Não ser seguro Walles.

Ethiena não entendeu.

— Espera um pouco! — ergueu as mãos, confusa demais. — O que diabos está falando?

— Minha Reynna ser traída — Zaraym olhou para o lado, para baixo da janela. — Precisar ir agora!

Ele se aproximou, avançando a mão até o tronco de Ethiena, ainda sentada na borda da cama. Ela tentou se encolher, mas Zaraym encontrou os olhos dela antes de tocá-la.

— Perdão, Reynna, se importar se tocar em ti? — perguntou, apertando os lábios em seguida.

Não esperou uma resposta. Suas mãos avançaram, agarrando Ethiena, jogando em seu colo.

— Espera, caramba! O que está acontecendo tão tarde da noite? — exigiu Ethiena, confusa demais.

— Ir até a cripta! Explicar assim que Zaraym puder...

Dizendo aquilo, o eufr correu em direção até janela, pulando-a de uma altura do terceiro andar. Caiu no chão gramado, dobrando os joelhos. Ethiena teria gritado de medo, mas o homem foi muito rápido, e agarrou-se em seu pescoço, assustada demais para reações imediatas.

Quando Zaraym recuperou-se do pouso pesado, Ethiena não tinha ideia que alguém fosse capaz de suportar o peso daquela maneira, tampouco que eufores eram tão atléticos — bem, não importava como via, aquele fora um salto impossível.

Ajeitando-a ao jogá-la um centímetro no ar para confortar a moça, correu em direção ao matagal após uma árvore que Joaquim havia chamado de azinheira.

— Espera, onde é que está indo? — Ethiena finalmente conseguiu sair do estado de entorpecimento.

Mas não importava o que acontecia, confiava em Zaraym e continuou agarrada aos seus ombros com o coração aos saltos.

Ele, obviamente, não respondeu. Continuou correndo, embrenhando-se ainda mais no mato alto, que podia-se vislumbrar da janela do quarto de Ethiena. Estava muito escuro, mal dava para ver um palmo à frente.

Ela temeu, como tudo de ruim estava acontecendo em sua vida, que seria levada para uma cova, onde seria enterrada viva. E se apostasse alto, Quintino havia corrompido seu guarda-costas. Ele era um escravo, qualquer promessa de liberdade...

Então, lembrou que ela mesmo havia dado liberdade a ele, e estava ficando muito paranoica com suas falhas.

Apertando o ombro de Zaraym, tendo certeza de que jamais a trairia daquela forma, suspirou confusamente. Não seria nada pequeno, para lhe tirar da cama no meio da noite. Seu coração começou a bater mais rápido quando se deu conta de que algo ruim estava preste acontecer.

Então, ainda muito escuro, Ethiena notou um fogo de luz vindo à frente no meio da mata onde Zaraym corria fazendo pouco esforço. Se surpreendo cada vez mais, assim que os fogos de luzes se tornaram mais fortes e percebeu ser lanternas à óleo.

Seu mais destemido guarda-costas avançou naquela direção, então Ethiena conseguiu distinguir a figura de centenas de homens.

Guardas reais.

Muitos deles.

Todos parados, empunhando grimórios, espingardas e espadas de frente a algo escuro, que não conseguiu identificar a princípio. Todas aquelas pessoas reagiram, ora assustados, ora se dando conta de que o eufr trazia-a em seu colo.

Um pouco mais perto, ela percebeu que todos vestiam as roupas da guarda real do imperador. Havia os vistos em sua breve visita ao palácio real, distinguia das roupas vermelhas dos saldados comuns. Eram costuradas em tecidos nobres, tingidas de um esverdeado que parecia camurça no casaco, junto de couro e fivelas de honrarias.

Seu coração deu um salto violento.

Tentou fugir, sentindo o sangue subir até o centro de sua cabeça.

— Calmar, Reynna! — exigiu Zaraym, quando a moça começou a se debater em seu colo.

— Me solte — Ethiena gritou.

Perto dos guardas, o rapaz fizera como ordenado. A soltou, fazendo com que Ethiena desse de bunda contra o chão. Ela pensou que mordeu a língua, mas correu o mais rápido possível em busca de um lugar para escapar.

Se estivesse certa: não queria entrar naquela cripta!

— Dama Ethiena! — escutou algum guarda imperial chamar seu nome, enquanto se arrastava na lama para fugir.

Suas mãos agarraram fardos de lama, a camisola fina manchando no barro.

Ethiena, aquele maldito cadáver que habitava, era a pessoa mais azarada do mundo. Não importava como visse, ela queria voltar para seu mundo, onde era uma pessoa de sucesso e não precisava lutar para sobreviver. Queria voltar para casa para os braços de seu noivo, para sua família. Para onde podia viver com todos seus sucessos.

Aquele mundo era horrível.

De todos os momentos, o maldito do imperador precisava aparecer justo naquele momento? Justo quando um dos malditos problemas, estava a ponto de ser resolvido?

O desespero tomou tanta conta de seu corpo, que parecia estar em um daqueles sonhos estranhos onde se tenta correr, mas não se consegue sair do lugar. Ethiena, não avançou muito, quando um soldado da guarda real a segurou pelo tecido de sua camisola.

— Minha dama, calma...!

Ela não conseguiu ouvir, estava apavorada. Ergueu a mão para arranhar o rosto do guarda, procurando uma brecha para fugir.

Se arrastou no chão, olhando para Zaraym, o pequeno traidor. Vários guardas ao redor dele olhavam para ela, erguendo as mãos para pedir-lhe calma. Ela não ficaria, não importava quanto pedissem. Não era tola, e não podia dar sua confiança ao bastardo do Imperador.

Olhou para o lado, encontrando uma trilha vazia embora visse muitos olhos estranhos brilharem na escuridão da madrugada. Não sabia o que eram, mas não importava. Ainda que fosse satã, era preferível ir naquela direção do que encontrar o Imperador.

Se arrastou até aquela direção, apoiando-se em uma árvore, enquanto centenas de vozes pedia sua calma. Então, Ethiena ouviu um nome que a fez petrificar:

— Ágata...

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