XVI
A princesa desviou o olhar do meu e eu entendi prontamente. Esse era o homem. O soldado com quem ela tinha sido pega tentando fugir do palácio. Sabia o quanto esse assunto era doído para ela. Acontecia o mesmo quando falavam dos meus pais para mim... era terrível. Por isso peguei em suas mãos tentando transmitir meu carinho e minha admiração por ela e disse que não precisava continuar. Ela negou, em um movimento gracioso com a cabeça.
— Constance...
— Não, eu irei contá-la tudo — respirou fundo. — Nós nos aproximamos muito durante o tempo em que ele me explicava mais sobre Jesus, a sociedade... viramos amigos. Em um momento ele me falou sobre a reunião secreta que seu pai liderava e eu quis conhecê-la. No primeiro momento ele disse que era arriscado, mas eu insisti tanto que ele me permitiu ir. Combinamos que sairíamos do palácio quando todos já estivessem deitados, o nosso ponto de encontro seria a entrada da ala do exército, fugiríamos pela porta do fundo e voltaríamos assim que a reunião terminasse pelo mesmo local — ela pausou por alguns segundos, claramente abalada pelas lembranças. — A única coisa que não sabíamos é que exatamente nesse dia meu irmão levaria uma mulher para a cama, mas, Natanael é... prepotente demais para levá-las para o próprio aposento e, então, as leva para um dos quartos que deveriam ser dos soldados.
Os olhos dela lacrimejavam e meu coração já sangrava. Antes, quando achava que ela havia errado, me compadecia de sua dor, entretanto, agora que sabia da história verdadeira sentia vontade de abraçá-la e nunca mais soltar. A corajosa princesa possuía mais marcas do que qualquer um poderia imaginar.
— Meu irmão nos viu quando abríamos a porta, juntos. Natanael... enlouqueceu e eu nem ao menos posso dizer que não o entendo. Infelizmente meu irmão têm uma cicatriz aberta demais. Ele puxou a espada e tentou matar o Henrique, me chamou das piores palavras que você pode imaginar. Foi horrível. Até hoje tenho pesadelos com isso. Todos acordaram e viram o que estava acontecendo. Quando meu pai soube... eu nunca vi ele e minha mãe tão decepcionados quanto quando eu confirmei o que meu irmão havia criado em sua cabeça: que eu estava fugindo com um soldado qualquer para bem longo daqui — a primeira lágrima caiu silenciosa e eu a abracei, dando o conforto necessário para que as outras também fossem liberadas.
Constance carregava sozinha muito mais do que uma pessoa pode suportar. Senti compaixão pelo que ela passava, mas, não só por ela, também por Natanael, o rei, a rainha. Eu possuía convicção que todos sofriam com o afastamento, todavia, uma barreira de decepção e mentiras havia sido criada. Não poderia julga-los porque já me senti como eles quando fui deixada para trás por Leon, entretanto, também entendia a princesa. Ela nunca poderia contar a verdade, não só para preservar a própria vida como também a das outras pessoas. Era uma situação terrível.
— Constance, você não têm culpa de nada. Sabe que está tomando a decisão certa — tentei consola-lá.
Ela afastou-se de mim e olhou-me com seriedade.
— Eu insisti, Ester. Henrique nunca quis me levar lá, ele sabia que era perigoso, mas, mesmo assim, eu fui teimosa e o fiz ir comigo. Fui eu que estraguei tudo. Eu que o bani exército, não meu pai. Causei toda essa situação por ser... mimada.
A encarei, compadecida. Ela já havia se pesado e considerado em falta sozinha. Qualquer um conseguia enxergar o quão culpada ela se sentia, mas, ainda sim, ela insistia em achar que o seu arrependimento não era o suficiente. Percebi que ninguém precisava falar nada ou apontar-lhe o dedo, ela já fazia isso sem ninguém.
— Bom — ela respira fundo e enxuga as lágrimas —, me conte a sua história.
Eu a contei... tudo. Me senti totalmente horrível por passar a vida inteira em uma casa onde tudo me incentivava a ir até a Cristo e ainda sim escolher exatamente o contrário. Ela havia enfrentado tanto pelo que acreditava enquanto eu fui uma verdadeira menina mimada que nunca tive realmente nada para lutar. Era ridículo.
Evitei ao máximo que voltássemos ao assunto da Sociedade ou de seu passado mesmo que eu ainda tivesse tantas perguntas. Constance já havia chorado o suficiente por hoje, então tentei distraí-la focando nossa conversa em amenidades.
— Já anoiteceu, Ester — disse, surpresa, quando olhou para a varanda atrás de nós. — É melhor você ir.
Nos despedimos rapidamente, afinal no outro dia eu estaria lá novamente, e eu caminhei até a ala das mulheres. Era incrivelmente longe do quarto da princesa, mas, após uma semana indo e vindo todos os dias eu aprendi o caminho. Assim que entrei em meu quarto joguei-me na cama, mentalmente exausta. Não foi difícil adormecer naquela noite, apesar da quantidade surpreendente de pensamentos e perguntas que me rondavam.
Acordei com o brilho do sol em meu rosto. Todos os momentos sentia saudades dos meus pais, mas o amanhecer era o pior momento. Lembro-me que minha mãe sempre acordava-me com beijos e abraços, já papai esperava que eu saísse do quarto para me abençoar "com todas as sortes de benção que Deus têm preparado para os seus filhos". Era horrível abrir os olhos e lembrar que isso nunca mais aconteceria.
Ajoelhei-me ao lado da cama, com o coração apertado de saudades, e os tomados de lágrimas.
— Oi, Deus — comecei, desconcertada, sem saber exatamente o que dizer. — Eu descobri... que não estou sozinha ontem. Foi ótimo me sentir incluída em um grupo, e, certamente, devo agradecer ao Senhor por ter sido bondoso e deixado que eu visse a estrela nas mãos da princesa — as lágrimas finalmente caíram deixando a minha voz entrecortada. — Hoje acordei com tanta saudades dos meus pais. É horrível não tê-los aqui, mas quando lembro da forma como me sentia quando sai de minha cidade... o Senhor realmente foi muito bom comigo. Tirou de mim toda aquela amargura e solidão... obrigada. Eu só tenho a te agradecer, Deus. Nada a reclamar, pouco a pedir e muito a agradecer — lembrei-me da frase que meus pais diziam. — É exatamente isso: muito a agradecer — sorri, sozinha.
— Ester, Ester! — assustei-me com a voz animada da Bella soando do outro lado da porta.
Ergui-me rapidamente e abri a porta para que ela entrasse. Eu ainda estava com o mesmo vestido que usara para dormir e isso não passou despercebido aos seus olhos.
— Ainda está assim?! — indagou com surpresa na tom e uma leve exasperação— Ester, hoje é o jantar de comemoração do aniversário da rainha! Amanhã será o baile! — lembrou-me, ansiosa, enquanto caminhava até meu roupeiro.
— Eu havia esquecido... a princesa deve estar precisando de mim — constatei.
— Claro que está! — afirmou passando as mãos pelos meus vestidos. — Este está ótimo — me estendeu. — Se vista, querida, temos muito a fazer — e saiu do quarto.
Suspirei, cansada. Gostava muito de Bella e tínhamos nos tornado relativamente amiga, mas sua euforia às vezes me desgastava, por mais horrível que pareça pensar isso.
Me arrumei o mais rápido que pude e corri até o quarto da princesa para acorda-lá. Tínhamos um jantar pela frente.
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