VIII
Olhei-me no grande espelho ao lado da banheira. Estava longe de parecer física e emocionalmente com a mulher de alguns dias atrás. Muito tinha mudado e, pela primeira vez, eu poderia dizer que não necessariamente para pior. Depois de dias eu pude parar e pensar no que acontecera racionalmente, afastando um pouco a dor dilacerante da perda, vi que ainda estava viva. Naquele dia havia ido para casa da Dulce, ajudá-la a fazer um caldo de peixe o qual eu aprendera com a minha mãe e iria ensiná-la. Deveríamos ter ido no dia anterior, entretanto como estava faltando alguns ingredientes atrasamos para o outro dia, o fatídico dia. Hoje, consegui ver que poderia ter morrido também se não tivesse ido para cozinhar com a mãe da minha amiga e sou grata por isso. Decidi substituir a angústia pela gratidão de poder estar em pé e respirando. Eu havia ganhado uma nova oportunidade e a usaria para honrar os meus progenitores e aquilo que eles acreditavam.
Alisei o longo vestido de veludo, roxo. Ele possuía um decote quadrado e logo abaixo do busto um transado com fios dourados que iam até o fim da barriga. Sua saia era simples, não tão armada, e sua manga ia até o pulso, apartada. Mirei em meu rosto percebendo que não estava nada fora do lugar. Em meu cabelo fizera uma tança boho, que acreditei combinar com a ocasião: meu primeiro dia no palácio.
Respirei fundo e dei o primeiro passo para fora do meu quarto.
— Ester Lewis? — uma mulher de longos cabelos loiros, quase brancos, apressou-se até mim de forma soberba.
— Sim?
— O rei deseja vê-la na sala do trono.
— A mim? — perguntei com o nervosismo chegando a novos níveis.
O rei? Queria me ver?
— Sim. Seu irmão também foi convocado — disse simplesmente, com um tom duro.
Com passos incertos a segui, sem saber o que fiz para ser chamada pelo próprio rei à sala do trono. Minhas mãos tremiam irracionalmente porque eu verdadeiramente não tinha feito nada. O caminho até a sala do trono fora o mais longo da minha vida, quase que literalmente, já que a ala das mulheres e a Sala Real eram, realmente, distante, porém, o meu nervosismo alongou ainda mais.
— Estamos muito longe? — indaguei nervosamente a mulher que estava me guiando, entretanto não precisei de sua resposta para descobrir que não.
Antes mesmo de perceber a grande porta feita inteiramente de bronze cravada com grandes e belos desenhos, eu vi o número quase inconcebível de guardas que tomavam parte do lugar. Só então percebi o quão a sério meu irmão levava seu trabalho.
— Ester Lewis, convocada pelo rei — minha companheira disse a um dos oficiais.
Ele olhou-me demoradamente antes de dizer: — Lewis?
— Lewis — a menina respondeu antes de mim, seca. — Pretende fazer com que o soberano espere quanto tempo mais? — perguntou mau-humorada.
— Não vá tão longe, serva, é perigoso brincar com fogo sem a devida garantia de que ele não a queimará — diminuiu o tom ameaçadoramente. — O General nem sequer falou de você para a irmã, não é? Por isso está tão irritada hoje. Descobriu que, na verdade, não significa nada para ele? — zombou.
Minha mente deu um nó e levei um tempo maior do que o necessário para processar as palavras e entender o que estava acontecendo: meu irmão tinha um relacionamento com ela.
— Como? — perguntei, ainda confusa. Queria entender melhor, principalmente o real motivo de ele não ter me contado, de ter sido mais importante abrir as paixões da princesa e não as suas.
— Chega — a voz do Leon retumbou em meus ouvidos. — A conversa acabou.
— Leon... — disse, melosa.
— Eu não o desafiaria hoje — toda a minha atenção desviou-se para o belo homem ao seu lado —, ele está
irritado — murmurou, como se contasse segredo, em tom de ironia.
— Alteza — a mulher falou enquanto fazia uma mesura e eu acompanhei seu gesto.
— Senhorita Lewis! — exclamou, animadamente. — É muito bom finalmente conhecê-la. Ouvi falar muito de você.
Olhei para o Leon com a esperança de que ele realmente não tivesse deixado a sua família totalmente de lado quando saiu da cidade.
— Ah, não, ele não — senti meu coração murchar —, mas os soldados que a encontraram no caminho pontuaram de forma bastante... convicta suas qualidades físicas — comentou bem-humorado. — E eu preciso ressaltar que não estavam errados.
Senti meu rosto esquentar submersa na mais completa vergonha.
— Obrigada, Alteza — disse somente, engolindo o "não que você tenha algo a ver com as minhas características físicas"
Era realmente típico de um príncipe ser tão superficial. Não esperava que fosse de outro modo.
— Acho que Ester já teve seu ego amaciado o suficiente por hoje — proferiu, antes que o príncipe pudesse dizer outra coisa, seco — Não devemos deixar o rei esperando. Abram. — ordenou.
Pude escutar a risada do príncipe atrás de mim.
— Nunca pensei que fosse um ciumento, meu amigo — zombou.
A amizade deles era perceptível, e esse pensamento foi endossado pela gargalhadas do herdeiro ao trono após o olhar assassino do meu irmão. Decidi guardar no fundo da minha mente todos os sentimentos confusos e dolorosos que surgiram apartir desta constatação e da descoberta do relacionamento do Leon. Precisava de todas as minhas forças direcionadas em prol do que aconteceria na sala do trono, eu sentia isso.
— Leon... — a suposta pretendente do meu irmão tentou fazer contato enquanto o príncipe ultrapassava as portas.
— Depois conversamos — encerrou o assuntou, sem nem ao menos olhar para ela, e pegou-me pelo braço, me guiando a entrada.
— Está me apertando — sussurrei em seu ouvido após dois passos. — Me solte antes que eu tenha um bom motivo para ser levada à prisão: ter cometido um homicídio — resmunguei, irritada.
Um sorriso de lado surgiu em seu rosto, me deixando altamente surpresa, e ele deixou o aperto mais delicado, de forma que não incomodasse.
— Não deixe Natanael ouvir isto — murmurou em resposta. — Ele já possui admiração o suficiente pelas suas qualidades físicas — ironizou a última parte, ainda mais baixo. — Soberano —fez uma reverência e me obrigou a acompanhá-lo.
Continuei calada, ainda chocada pela descoberta de que meu irmão possuía a capacidade de fazer piadas.
— Leon — o rei o comprimentou com um
manear de cabeça e um tom mais leve do que imaginei devido às histórias contadas a mim. — Essa deve ser sua irmã — sorriu para mim.
— Sim, Majestade — meu irmão respondeu, tomando a minha frente.
— Deixe-a falar, Leon, meu pai é muito bem casado, não se preocupe — o príncipe zombou.
O rei sorriu antes de proferir: — O que quer dizer?
— Leon está emburrado há horas, meu pai. Ouviu os soldados que o acompanharam até aqui comentarem sobre os atributos físicos da senhorita Lewis com os outros quando entramos no treinamento. Todos os que falaram estão agora limpando as latrinas da ala noroeste do castelo com um pequeno pano.
O rei riu. Ou melhor: gargalhou. Nunca imaginei que veria isto, nem sequer pensei na possibilidade de ele fazer algo assim, de ser tão... leve. Estava verdadeiramente chocada. Será que havia um segundo lado na história que ouvi durante a minha vida inteira? Não era possível.
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