IV
Durante a noite não consegui fechar os olhos nem por meio segundo. O medo, a dúvida e angústia pesavam no meu peito
e eu simplesmente não sabia como agir dali para frente. A perspectiva de que eu deixaria minha vida inteira para trás assim que o sol nascesse era assustadora, mas o estranho é que há quatro dias nada disso passaria pela minha cabeça. Era como se eu estivesse vivendo a vida de outra pessoa.
No outro dia tudo já estava pronto, menos o meu psicológico que se mantinha a mesma confusão. Chegara a conclusão de que eu estava possivelmente ficando louca em pensar tantas coisas sobre o "todos eles" dito pelo meu tio ontem, mas ainda sim a preocupação não passara, nem a impressão de que essa frase estava muito estranha. Entretanto, a visita de Asher havia sido um sopro de ar fresco em meio ao deserto. Vê-lo bem aliviou uma parte do meu coração.
— Está tudo pronto? — meu irmão indagou, sentando ao meu lado no terraço.
— Está — respondi, monossilábica. Um segundo depois continuei: — Todas as minhas roupas estavam guardadas e os objetos de valor também não foram mexidos, percebi isso hoje quando estava arrumando.
— Aonde quer chegar?
— Leon, você entende disso melhor do que eu — virei-me para olhá-lo. — Me responda: se realmente foram ladrões a entrarem aqui e matarem nossos pais, por que não levaram quase nada?
Pude ver sua postura se modificar e a tensão tomar conta do seu corpo, seu rosto endureceu e tornou-se frio. Aquela era sua postura profissional, minha mente alertou, e era realmente amedrontador, transformava-se em outra pessoa, diferente até mesmo daquela que eu passara o último dia.
— Nada seu sumiu? — indagou, firme.
— Nada — apressei-me em dizer — e ontem eu fui ao esconderijo da mamãe, lembra? Ah, não, ela mudou depois que você se foi, mas o importante é que todas as joias ainda estavam lá, apesar de estar tudo revirado. Você acha que os ladrões não acharam? — perguntei, curiosa.
— É possível, mas não provável — refletiu, então me olhou profundamente. — Eu vou descobrir o que aconteceu, tenha certeza disso.
Seu olhar me passou tanta segurança e profissionalismo que eu pude me sentir tranquila quanto a isso, ele descobriria.
— Ester, eu preciso realmente conversar com você — endireitou-se, olhando para a frente. — Eu sou o chefe da guarda do Rei, e não só dele, mas de toda a família real. Treino e coordeno todos os soldados que fazem a segurança da Majestade, da Rainha, do príncipe e da princesa.
— Eu já sei disso — dei de ombros, sem entender aonde ele queria chegar.
— Eu não deveria te contar isso, é muito pessoal, mas preciso da sua ajuda, então eu contarei — o aviso de que eu deveria ficar em silêncio quanto a esse assunto veio pela seriedade com quê ele me olhou. — A princesa apaixonou-se por um dos soldados que trabalhavam em sua guarda — disse com asco na voz.
— Qual o grande problema nisso? Ela só está apaixonada! — indaguei, fazendo gesto desdenhoso com a mão.
— Se fosse você, uma plebeia comum, não haveria problema, mas ela é uma princesa. A única princesa. — sibilou as últimas palavras.
— Oh! Me perdoe, Grande Senhor, a plebeia aqui ainda não entendeu aonde quer chegar — cuspi, ofendida pela forma como ele havia falado. — Talvez a minha classe social também diminua a capacidade de entendimento.
Ele bufou.
— A princesa, diferente de qualquer um de nós, não pode apaixonar-se por qualquer um, Ester, foi isso que quis dizer — explicou-se, irritado. — Largue as pedras que têm contra mim — o tom foi de ordem, mas eu internalizei como um pedido.
— Não fale como se apenas eu estivesse errada, Leon, você também não é muito delicado com a escolha das palavras — retruquei.
Ele respirou fundo.
— Como eu estava dizendo antes da sua pertinente interrupção — ironizou, ignorando completamente a minha última colocação. — A princesa está apaixonada e eu já enfrentei inimigos o suficiente na minha vida para afirmar que o pior deles é uma mulher amando, principalmente um homem que não pode tê-la.
— Eu não entendo o que eu tenho a ver com a paixão da princesa.
— O Soberano deseja que eu a mantenha longe do homem, mas não quer se indispor mais com a sua filha, por isso não deseja colocar guardas ao seu redor dentro do castelo — proferiu com uma ponta de indignação no tom. — No início eu não sabia como faria para proteger a princesa se não colocasse guardas ao seu redor, não possuía outras armas, entretanto você me mandou aquele bilhete e encontrei a solução para o...
Meu coração explodiu no peito e a descrença tomou conta de mim, depois dela veio a raiva, que eu não consegui conter. Ele passara cinco anos longe de toda a família, os nossos pais haviam morrido, e ele realmente está me dizendo que retornou devido a minha aparente utilidade no seu trabalho?
— Eu não acredito que disse isso... — despejei com asco.
Ele parou de falar e olhou-me com confusão.
— O que eu fiz? — uniu as sobrancelhas.
— Deixe-me deixar claro algo, Leon: eu não sou um de seus soldados e não estou disposta a cumprir suas ordens. Se foi para isso que regressou a essa cidade, pode retornar. Não estou interessada na sua proposta de emprego, obrigada.
— Enlouqueceu, é oficial — foi sarcástico — Nossos pais morreram e eu voltei para enterra-los e cumprir as obrigações que tenho com você, como irmão mais velho.
— Pare, Leon! Já chega! Você acabou de dizer que o primeiro pensamento que passou pela sua cabeça quando viu o bilhete foi o de como eu poderia ser útil para você.
— Foi só uma forma de falar.
— Sempre é o modo como você fala, o tom que você usa... eu cansei! Não sou um dos seus liderados, então pare de me tratar como um! — exclamei, totalmente irritada.
— Eu sei que não é um dos meus: eles são mais obedientes — resmungou.
— Ótimo. Realmente ótimo. Você está liberado das suas "obrigações como irmãos mais velho" — levantei-me, irritada. — Volte para o seu castelo e
para a sua bela vida palaciana — dei as costas.
— Prefere morrer aqui, Ester?! Ir para o mesmo lugar que os nossos pais foram?! — indagou, cruel.
Senti as lágrimas acumulares nos meus olhos. Na verdade, eu não sabia de onde vinha a raiva que me consumia, mas a cada segundo eu estava no topo, sem conseguir mais contê-la dentro de mim. Desejava ser mais tolerante com o meu irmão, era uma das minhas metas após a brigarmos, eu sempre pensava: não vou respondê-lo mais, então ele falava algo ou água de uma forma impensada e eu explodia como um vulcão em erupção queimando tudo que está ao seu redor, ele respondia, porque estava acostumado em se impor acima dos outros, era com isso que convivia todos os dias, e eu me magoava. Se falássemos a realidade, eu sabia que o magoava também, mesmo que ele não demostrasse.
Nem mesmo eu me reconhecia mais.
Ele suspirou atrás de mim e um longo minuto se passou sem que falássemos nada. Eu abracei meu próprio corpo, me sentindo quebrada, exausta
— Não vou deixá-la para trás: você irá comigo. Trabalhará com a princesa e me contará cada passo que ela der, não importa o quão ridículo pareça, eu devo saber — explicou, duramente. — Sair daqui melhorará seu ânimo — passou por mim e saiu pela porta.
Não esteja tão certo disso, irmão.
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