CAPÍTULO IV
Sangue encharcava as minhas mãos, mas não me pertencia. Era dela. Da mulher de branco. A sua face era de um cadáver em decomposição, esquelético e sem cor.
A minha visão voltou ao normal aos poucos e o sangue desapareceu. Era tudo projeto de meu subconsciente. O meu corpo estava paralisado, talvez pelo medo que eu presenciara. Foi um sonho tão lúcido quanto às paralisias de sono que costumava me assombrar. O mais impressionante: Aquela mulher. Quem era ela?
...
Já era mais tarde um pouco, quase dezessete horas. Eu deixei a janta pronta para quando minha mãe chegasse. Eu precisava sair, esfriar a cabeça e relaxar a mente. Calcei um tênis esportivo e vesti uma bermuda de tecido macio com uma camiseta branca de manga. Precisava ficar bem mais à vontade com minhas roupas e resolvi levar Aladim junto — Havia me esquecido dele no colégio, precisei ir apanhá-lo antes — Correr um pouco no parque com o meu cachorro seria uma ótima opção.
Estava ensolarado e fazia muito calor. O parque estava vazio a àquela hora. Parei na passarela de pedras e observei ao redor. Era estranho, aquele lugar me parecia ainda bem mais familiar que o de costume. Tinha algo em minha memória que queria me forçar a me lembrar, mas eu não sabia o "quê" realmente. Era monótono, me fazia sentir desorientado. Parei um pouco. Olhei ao redor.
Era apenas o velho parque. Mas por que eu me sentia daquela forma, como se aquele lugar onde brinquei tanto em minha infância, fosse um lugar estranho? Eu deveria estar ficando paranoico mesmo.
Estava tudo muito verde, o chão gramado, as árvores e os arbustos com flores lilases, pássaros cantavam nos ninhos, borboletas viajavam no céu, parecia uma primavera em pleno outono. A brisa suave balançava meus cabelos negros, fazendo cair em meus olhos. As lembranças insistiam em vir e indo embora antes mesmo que as decifrassem. Era incômodo. Eu me sentei na passarela de pedras, enquanto Aladim queria que por tudo eu o levasse para o lago atrás de nós. Mas eu não me importava com os desejos de meu cachorro, preferi continuar pensativo e provando aquela sensação de desconhecer o conhecido.
Quase havia me esquecido do sonho mais cedo. — Espere! Agora fazia sentido. O parque e o jardim do meu sonho eram exatamente o mesmo lugar! Agora... Como eu havia me esquecido? Como eu não havia pensado nisso antes? Espere... O Ipê amarelo. Aquela árvore estava exatamente atrás de mim à beira do lago... — Senti um calafrio percorrer a minha espinha, fiquei paralisado. Uma forte presença, como se alguém estivesse bem atrás de mim. Engoli um seco e me pôs de pé, vire-me vagarosamente.
O meu corpo travou. Senti um choque por dentro. Aquilo diante de meus olhos era meramente impossível, mas era real. Da mesma forma como no meu sonho, ali estava uma garota loura, vestida de branco, pintando algo em mãos.
Enquanto eu estava boquiaberto, eu deixava o meu cachorro me guiar, me puxando, me fazendo caminhar em passos cautelosos. E cada vez mais eu estava chegando perto daquela garota. Os detalhes agora estavam ficando mais visíveis. O vestido branco ia até a altura dos joelhos, parecia ser leve e solto com detalhes em renda, as alças finas deixavam os seus braços nus, deixando-a mais envolvente. Seu cabelo ondulado escorria como cascatas louras sobre as costas e sua pele era branca e corada. Agora eu conseguia ver seu rosto. Os seus olhos azuis olhavam precisamente para sua prancheta em mãos. Eu a reconheci de fato e quando me vi, eu estava diante dela. Era apenas a minha mais nova aluna esnobe.
A sensação de vê-la não era a mesma que a mulher em meu sonho, mas elas estavam da mesma forma, na mesma pose. Isso me intrigava. Elas se pareciam. Eu teria sonhado com ela?
A loura ainda não havia me visto, mesmo eu estando tão perto, porém meu cachorro esfregou seu focinho úmido no ombro dela e lançou aqueles olhos conquistadores, pedindo carícias. A garota não se conteve e começou a mimá-lo, afagando suas orelhas e sussurrando como ele era lindo e fofo. Quanto a mim, a observava feito um bobo e antes de pensar em algo, eu senti os olhos frígidos me fitando. A expressão dela mudou completamente.
— O que está fazendo aqui? Por acaso está me seguindo? — Ela perguntou de uma forma grosseira.
—Não. Eu... Eu... — Nossa, eu não consegui falar, que idiota eu era.
Eu estava nervoso, simplesmente perdi a fala. Eu não conseguia entender, por que ela me tratava daquele jeito? Prestei atenção em sua prancheta e lá minha atenção ficou. Era mais um motivo para eu perder minha voz. Eram os meus traços daquele meu desenho, todos os detalhes, luz e sombra, eu poderia reconhecer. O desenho que eu pus fogo e que apareceu em meu sonho, agora estava com ela. Mas como?
— O que você quer comigo?
Nem prestei atenção em sua pergunta. Apenas apontei meu indicador ao desenho.
— Onde o encontrou?
— Isso? — Ela levantou o desenho para me mostrar. Era exatamente a obra que eu havia feito. — Estou trabalhando nisso, não vê?
— Não. Fui eu que fiz.
Ela franziu o cenho e me fitou com desdém.
— Está louco ou se droga? Como pode afirmar isso? Não me vê trabalhando nele? Olha a minha assinatura!
Realmente havia rubrica no canto inferior que não era a minha. Acho que acabei deixando-a ainda mais histérica, mas seria muita coincidência de termos feito o mesmo desenho e no mesmo traço.
— Bem, eu fiz um desse igual na noite passada.
Ela suspirou. Levantou-se e me encarou.
— Eu acabei de criar. Isso saiu de minha imaginação, como pode afirmar isso?
Eu realmente estava confuso. E aquele jeito que ela me olhava com tanto rancor, fazia as minhas pernas tremerem. Eu não sabia como lhe responder e pior me sentia encurralado.
— Não... É só que...
— Olha aqui garoto, eu já saquei a sua. Você quer apenas me importunar.
— Claro que não, por que acha isso?
Ela me deu as costas ao ouvir alguém chamar pelo seu nome. Nem sequer deu ouvidos a minha pergunta. A voz de criança que falou o seu nome soou tão baixo que mal pude entender. A pequena garota de cabelos curtos e castanhos caminhou com dificuldade até a moça loura. Ela parecia estar fraca e segurou no tronco da árvore para manter-se de pé. Olhos cansados e semblante pálido olhavam para nossa direção com tristeza.
— Patrícia. — Ela disse, revelando o nome da moça.
A pequena tombou no chão. Patrícia — Devia ser esse o seu nome — se jogou no gramado deitando a cabeça da garota em seu colo.
— Camila o que faz aqui? — Ela parecia aflita.
— Me senti um pouco mal... Tive medo de ficar só.
Aquela menina não me parecia nada bem. A sua voz falhava, o seu corpo era franzino e sua pele estava bastante pálida, mesmo a certa distância, eu percebia que ela respirava com dificuldade. Deveria estar bastante doente, o que fazia ela no parque nesse estado de saúde?
— Ela não me parece nada bem. — Eu disse, mas recebi de volta um olhar furioso.
— Não se intrometa! Saia daqui!
Patrícia poderia me tratar mal e ser mal-educada como fosse, mas naquele momento eu iria ignorar isso. Aquela menina precisava de ajuda. Agachei ao lado e analisei melhor. Ela estava praticamente desmaiada.
— Essa menina precisa ser levada ao hospital. — Eu sugeri preocupado.
— Eu não preciso de sua ajuda! — Ela me disse novamente com tamanha hostilidade.
Eu respirei fundo, não poderia me deixar acanhar por uma moça grosseira, eu tomaria as rédeas da situação.
— Não é por você. É por ela.
Antes que Patrícia pudesse dizer algo ou tentasse me impedir, eu já estava com aquela menina em meus braços. Deixei o meu cachorro para trás e fui caminhando em frente com a loura berrando atrás de mim. Sinceramente eu já estava farto daquilo. Eu mantive minha calma, porém o Hospital Municipal ficava distante, iria demorar cerca de meia hora a pé!
Por sorte! Alguém conhecido. Bruno estava li, se alongando no gramado — Era do costume dele se exercitar no parque a àquela hora — Agora era torcer para ele ter vindo com aquela carroça velha na qual ele chamava de carro.
Estávamos nós quatro no carro (Um velho veículo de cor prata, modelo de 1986 de carenagens quadriculares.). Fazia um ronco alto naquele motor barulhento, sem contar o forte cheiro de combustível queimado ao dar a partida. Íamos devagar, já que nosso transporte não era dos melhores. Patrícia já havia parado de reclamar a alguns minutos, mas ainda exibia uma cara fechada que nem olhava para mim.
Camila era a sua prima e por incrível que pareça, ela tinha 15 anos! Era inacreditável, eu daria a ela no máximo 12 anos de idade. Patrícia contou que sua prima sempre teve a saúde frágil desde criança. Nenhum médico nunca descobriu o que ela realmente tinha. Os sintomas da doença variavam sempre. Na maioria das vezes parecia uma forte gripe que a deixava muito fraca em seguida. Desmaios eram frequentes, assim como náuseas e vômitos. Há alguns anos ela usou uma canola nas narinas e um aparelho de ar, para poder respirar. Aos seis anos de idade ela entrou em estado vegetativo. Isso mesmo, do nada, ela dormiu e só acordou dois anos depois. E o mais incrível foi que ela acordou como se realmente apenas dormia. Ninguém acreditava nisso, nem mesmo os médicos. Ela era de alguma forma especial, apesar de tantos problemas, era doce e carinhosa. Valia à pena lutar para ter ela sempre por perto.
O estado de Camila parecia se agravar quando um fio de sangue escorria de seu nariz. Isso deixou Patrícia ainda mais nervosa.
— Vamos! De pressa com essa coisa!
— Estou indo o mais rápido possível! — Bruno respondeu atento ao trânsito movimentando naquele horário.
— Eu não quero o possível, eu quero o impossível!
Eu olhava para Camila, o fio de sangue escorreu por sua bochecha até manchar a roupa de sua prima. A minha mãe sempre me dizia que se mantermos a calma mesmo em situações difíceis, ajudaria a relaxar a pessoa em que estaria passando pelo tormento.
— Já estamos quase chegando. Vai ficar tudo bem, não se preocupe. — Eu falei a moça em um tom calmo e transbordando otimismo. Ela olhava para sua prima, eu vi uma lágrima cair lentamente de seus olhos. — Não chore. Vai ficar...
— Não me peça para parar de chorar! — Patrícia esbravejou áspera e tão alto que quebrou a calma de uma forma assustadora.
Bruno perdeu a direção com o susto. Ele conseguiu manobrar o carro e frear bruscamente antes que entrasse em uma ribanceira. Bati a cabeça no banco na frente com a inércia. Ficou um galo. O meu amigo estava paralisado e ofegante. Olhei para Patrícia, ela estava imóvel, abraçando forte a sua prima. Ela estava sem expressão alguma, talvez se sentisse culpada por quase matar todos ali.
— Você é louca? — Bruno perguntou enraivecido. Olhou para ela. — Você me assustou, poderia ter nos matado sabia?
Patrícia apenas olhou para a face irritada do rapaz. Não pensou em duas vezes em abrir a porta do veículo. Ia saindo do carro com sua prima nos braços, quando a impedi segurando em seu braço com uma mão.
— Onde pensa que vai? — Eu perguntei.
— Me solta! Eu tenho urgência!
— Eu sei disso, garota. Não seja louca, tenha um pouco de paciência! Estamos tentando ajudar
— Não preciso de sua ajuda! Eu já disse!
— Não é por você. É por sua prima!
Ela ficou em silêncio, talvez pensando em alguma resposta ofensiva, porém nada disse. Eu consegui enfrentar ela. Eu me sentia orgulhoso por um lado.
— Se realmente quer ajudar a sua prima, deixe esse orgulho idiota e leve a sério a ajuda que está recebendo. — Disse Bruno, sério de uma forma que nunca vi antes. — Indo a pé, só vai piorar o estado dela. Feche essa porta e vamos.
Ela obedeceu. Ficou quieta, Bruno deu a partida e seguimos novamente.
O trânsito estava tranquilo, as luzes da cidade começaram a iluminar assim que o sol se deitava, tornando o cenário obscuro. A avenida que percorriam chegava ao fim, na curva a direita há poucos metros era o Hospital Municipal.
...
Já era quase 20h, estávamos na sala de espera. Vários sofás pretos formavam um círculo. Uma mesinha de centro acomodava algumas revistas de celebridades e moda. O ambiente ali era tranquilo demais para um hospital. Os enfermeiros passavam conversando uns com os outros, a moça da recepção lia um livro.
Bruno e eu estávamos do outro lado do sofá que Patrícia estava. Ela estava tensa, já havia bebido todo o café da cafeteira da recepção. Apesar de que o médico já havia passado ali e conversado com ela, porém, eu não escutei nada do que se tratava. Ela mantinha seu silêncio e não tirava os olhos do corredor em frente.
— Será que ela está bem? — Bruno cochichou acima de meu ombro.
Eu não disse nada, continuei a analisar a moça. Eu nem sabia o que fazer. Se eu tentasse animá-la e conversar com ela eu receberia uma "facada". Talvez eu não devesse nem estar mais ali, o trabalho já estava feito. Nem Bruno e nem eu, éramos familiares. Mas... Meu consciente me pedia para permanecer por enquanto. Ela me atraía de alguma forma, mesmo me tratando mal. Ela era linda, talentosa. Os seus olhos eram tão tristes, ao mesmo tempo belos. Ela era...
Bruno me cutucou, interrompendo meus pensamentos. Quando dei por mim eu pude entender. Eu estava encarando ela e ela a mim. Trocávamos olhares perdidos em turbilhões de pensamentos. Desviei meus olhos. Olhei para Bruno. Ele estava com uma sobrancelha levantada, com cara de que me esperava uma resposta. Eu nem sequer me lembrava mais da pergunta que ele fizera.
— Ela é maluca. — Bruno comentou, se lembrando do episódio do carro.
Eu assenti. Realmente ela quase nos matou. O que leva uma pessoa a ser assim?
— Eu acho que é você. — Bruno continuou. Olhei fixamente para ele.
O que ele queria dizer com isso? Patrícia não gostava de mim, por algum motivo eu não sei, mas não era para tanto.
— Como assim? — Perguntei me fazendo de desentendido.
— Bem, ela te trata com muita grosseria e somente a você. Comigo ela já é mais educada. Talvez... Vocês já tenham um pouco mais de intimidade, afinal, você é o professor dela.
— Intimidade? O que você está pensando?
Bruno sorriu torto.
— Nada disso! — Levantei alto o tom da voz, Patrícia ouviu e olhou torto para nós.
Disfarcei e sussurrei:
— Nunca cheguei a ter uma conversa saudável com essa garota. Como assim esse papo de "intimidade"?
Bruno estralou os dedos distraidamente emitindo um ruído ecoado.
— Já vi em alguns livros. Isso me lembra uma história. E sabe o final? Terminou em romance. — Sorriu cinicamente.
Ergui uma sobrancelha.
—Desde quando você lê?
—Isso não importa.
—Desconheço esse seu lado.
Peguei a mochila ao lado dele.
—Ei!
Percebi o quando ele ficou nervoso. Era cômico aquilo. Nunca saberia em minha vida que o Bruno gostava de lê. Romances ainda por sinal. Abrir o zíper da mochila, ele observava tenso, sem demonstrar qualquer reação. Retirei um bloco de folhas de dentro. Todas escritas com a caligrafia dele. Olhei para ele, tentando segurar o riso.
— Você escreve?
Ele tomou o bloco de folhas de minhas mãos.
— Não vejo problema nisso.
—"Perda de tempo".
Repeti a famosa frase dele, tentei rir, mas ele estava envergonhado. Claro, não havia problema algum em meu amigo ou qualquer pessoa se tornar um escritor. Esse era o dom de Bruno, me fez até pensar um pouco, sobre ele não ser uma pessoa desperdiçada na cidade. Lê e escrever era uma cultura. Mas agora que sei do segredo dele, não fazia mais sentido ele continuar me zoar pelos meus dotes artísticos.
— Ei, me dá uma folha dessas? — Pedi a ele.
— Por quê?
— Preciso perder tempo.
— Não tenho material próprio para seus desenhos.
— Qualquer coisa serve. Lápis, caneta... Enfim.
O meu amigo destacou uma folha de seu bloco e me entregou um lápis preto comum número 2B. Bruno mal olhou para mim. Deveria ainda estar sem graça.
Eu peguei umas das revistas para apoiar a folha de papel. Eu estava com uma ideia em mente. Às vezes me ocorria àquela inspiração para desenhar do nada e enquanto eu não colocasse aquilo no papel, não conseguiria pensar em outra coisa. Era uma ansiedade sem fim.
Eu comecei a traçar o meu esboço. Enquanto a Patrícia, ela levantou-se assim que um senhor se aproximava da sala. Eu fiquei apenas escutando e observando.
—Tio. — Disse Patrícia, abraçando o sujeito.
Ele a abraçou forte. Aquele homem era mais velho, tinha cabelos negros, lisos e compridos. Usava roupa social e óculos de grau.
Começaram a conversar em voz baixa, só consegui escutar: "Como ela estar?". Logo o médico que atendeu Camila, surgiu do corredor e juntou-se a eles. Voltei a prestar a atenção em meu desenho, enquanto me questionava: Por que eu estava aqui ainda?
Olhei para Bruno, ele lia um livro que havia trago em sua mochila. Eu ri em silêncio ao me lembrar que ele escreve e gosta de romances. É o tipo de hobby que não combinava com o seu perfil, ou, o perfil que ele construiu para outras pessoas.
O meu esboço estava pronto. Rápido assim mesmo. Nem sequer eu tinha uma borracha para apagar as linhas guias. Levantei a folha de papel à altura de meus olhos para prestigiar minha obra. Desenhei uma moça, com um longo vestido rendado e cabelos bem compridos. Ela segurava umas flores. Ao chegar à minha casa, iria dar mais vida e mais cores.
Abaixei meu desenho e vi aquele senhor me encarando, como se me aguardasse prestar atenção em si. Chegou ali perto tão silencioso, que até mesmo Bruno, ainda estava atento ao seu livro.
— Com licença. — Ele disse educadamente.
Olhei para ele com meus olhos assustados. Espero que ele não seja grosso assim como Patrícia era comigo.
— Sou o tio de Patrícia, ela me contou que vocês a ajudaram a trazer a minha filha ao hospital. Não sei como agradecer. — Ele disse emocionado.
Fiquei intimidado, não sabia o que responder. Por trás daquele Senhor, Patrícia me fitava de braços cruzados, como se me ameaçasse caso eu contasse ao seu tio sobre o seu comportamento aquele dia. Ao perceber que eu retribuía o olhar, ela desviou para outro lugar.
— Não precisa agradecer, senhor... — Finalmente respondi e sendo interrompido.
— Pedro, por favor. — Ele corrigiu, estendendo sua mão direita para um aperto de mãos.
Eu me levantei e retribui o aperto de mão, me apresentando em seguida.
— Eu me chamo Rodrigo. Aquele é o meu amigo, Bruno, quem nos trouxe de carro.
Bruno apenas acenou e logo voltou a atenção a sua leitura.
— Não sabe como agradeço rapaz. A minha filha tem uma saúde muito frágil. — Ele estava ficando ainda mais emocionado, eu vi os seus olhos encherem de lágrimas. — Minha sobrinha Patrícia é um pouco fechada. Fico muito feliz em ela conseguir amigos como vocês. Estamos aqui há dois meses e essa transição de cidade... Afeta bastante o psicológico.
Fiquei um pouco pensativo sobre o "Psicológico". Será que tem a ver com o comportamento grosseiro dela?
— Ainda bem que vocês apareceram, foi só um susto. Ela já estar bem melhor. — Continuou o senhor Pedro. — Ela já está acordada, estamos liberados para visitá-la. Não vai demorar muito a receber alta.
— Ainda bem que ela já está melhor. — Foi o que falei. Ficou idiota, não sabia o que falar para uma pessoa que demonstrava ser tão inteligente.
— Bem, vamos ao quarto. Agradeço mais uma vez.
— Disponha Senhor.
Ele sorriu indo ao encontro de Patrícia. Vi ele falar algo com ela. Ela vinha para cá. Chegou em frente de Bruno.
— Muito obrigada por me trazer com minha prima. Salvou ela do pior. E... Desculpe-me por quase... Aquilo. — Ela se referiu ao quase acidente mais cedo.
Bruno sorriu para ela. Eles trocaram sorrisos, olhares. Não sei por que, me senti incomodado com aquilo. Vi a face de meu amigo corar, apertando mais forte o livro em suas mãos.
— Não se preocupe, eu entendo. Foi um momento de tensão, de nervosismo.
Ela sorriu novamente. Eu fiquei pasmo. Como assim? Com ele, ela era tão doce, tão meiga... E comigo, um monstro!
Logo ela prestou atenção no livro dele. Pelo visto, ela também gostava de ler e conhecia os romances. Começaram a falar sobre o livro. Eu estava ficando ainda mais incomodado. Tentei não prestar atenção. Sabia que ela não iria falar comigo, nem ao menos se desculpar. Então eu peguei meu desenho, com apoio da revista e voltei a fazer alguns detalhes. Em pé mesmo.
Enquanto o papo dos dois fluía, eu dava vida ao meu trabalho. Sombra, luz e textura. Eu era a prova que um simples lápis e papel comum poderia fazer desenhos incríveis, considerando que talento não se qualifica pelo material.
De repente, ouvi uma rasgada no ar. Eu não havia percebido que enquanto me distraía Patrícia me observava, e o pior, ela havia tomado o meu desenho de minhas mãos. Eu olhei para ela. A garota segurava o papel com suas duas mãos trêmulas. Boquiaberta, olhos arregalados, até parecia que havia visto um fantasma. Bruno ainda conversava, mas agora ela nem sequer o ouvia.
Naquele momento, ela olhou para mim. Eu senti o meu mundo ficar em silêncio. Em nenhum segundo consegui tirar meus olhos aos dela. Eles eram fascinantes, penetravam em minha alma como se eu estivesse em transe. Eu conseguia sentir o que ela sentia. Ela estava assustada e triste. Uma lágrima corria por sua face. Ela tentava disfarçar a sua fraqueza, mas não conseguia. Uma lágrima escorreu de meus olhos involuntariamente, como se meu corpo respondesse ao corpo dela. Estaríamos conectados?
Os meus pensamentos começaram a fazer ligações distorcidas de Patrícia e a mulher de meu sonho. A dama de branco sem face, eu via o semblante de Patrícia. Era ela!
Uma luz se acendeu em minha mente, quando eu vi, aquela moça me dar às costas e sumir desesperadamente no corredor, foi como se a distância entre a gente desligasse aquele elo que estava nos ocorrendo naquele instante.
Eu vi o Senhor Pedro chamando por ela e a seguindo, também sumindo pelo corredor. Olhei para Bruno ainda pasmo, ele me encarava confuso.
— O que vocês tinham? Estavam se encarando. Eu falava e ninguém me escutava. — Ele perguntou.
Eu nem sabia como lhe responder ou como explicar. Ele não iria entender. Eu ainda me sentia estranho, parecia que havia acordado de um sonho intenso como mais cedo. Segui caminhando em frente.
— Vamos embora! — Eu disse, sem olhar para trás.
...
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