Capítulo I



O ângulo estava perfeito!

Eu enquadrei a vista do casarão com os meus dedos. Era uma manhã ensolarada, um belo dia para a arte. Eu estava sentado em um banco da nossa praça, em frente ao antigo casarão "mal-assombrado". Isso mesmo! Era uma residência antiga e abandonada, na qual as pessoas inventavam histórias sobre fantasmas e aparições. E a lenda mais famosa era sobre "A dama de branco". Diziam eles que uma mulher foi brutalmente assassinada ali dentro e após a sua morte ela vivia a assombrar o lugar. Eu nunca acreditei nessas coisas, para mim isso não passava de histórias urbanas.

Eu me chamo Rodrigo Silva. Nasci e cresci nessa pequena cidade interiorana de São Miguel. Eu tenho 19 anos e admito, eu sou um talento nato em desenhar e pintar, porém, nessa cidade ninguém dar valor a arte e ainda pior, a faculdade de artes plásticas que tanto eu queria fazer era quase impossível. A universidade que tem esse curso ficava em uma cidade muito distante daqui, porém eu, não poderia deixar a minha mãe sozinha. Afinal, ela só tinha a mim e eu a ela.

O meu pai morreu antes mesmo de eu nascer e minha mãe com muita dificuldade conseguiu cuidar de mim. Eu tento ajudá-la no que é preciso, porém, conseguir emprego era muito complicado por aqui e atualmente estou trabalhando temporariamente como professor de pintura no Colégio São Miguel.

O meu esboço do casarão feito em uma simples folha de papel A4 estava pronto. Acomodei a prancheta em meu colo e escolhia o próximo lápis. Observei bem a cada detalhe. Estreitei os olhos. Os portões de grades eram de um dourado já enferrujado, as paredes estavam amareladas e a tintura descascava e onde deveria ser o jardim, tinha uma grande árvore morta com galhos retorcidos e todas as vidraçarias das janelas estavam quebradas. Realmente era sombrio e ao mesmo tempo inspirador.

Eu estava focado. Aquele desenho seria um de meus melhores trabalhos desse ano. Não era por nada em troca, eu fazia apenas por diversão, por hobby, ou algo que sempre foi de mim. As pessoas não compreendem que quando gostamos de fazer uma coisa, seja ela o que for não é para ganhar nada em troca, é só por amor. Será que no mundo de hoje é tão complicado ser o que realmente somos?

— Olha só quem está perdendo tempo novamente.

Perdi o meu foco quando reconheci aquela voz zombadora por trás de mim. Só ele mesmo para interromper os meus pensamentos. Deixei a minha prancheta ao lado e olhei para trás.

— Perda de tempo é você querer me desmotivar. — Respondi sorrindo.

Bruno era o meu amigo de infância, a nossa amizade era dessa forma mesmo, um criticando o outro. Ele era desinibido, popular, andava sempre bem arrumado e no requisito garotas ele era um tremendo conquistador. Já eu, era o oposto dele. Sempre fui mais tímido, calado e meio desleixado.

— Desenhando a casa mal-assombrada? — Perguntou ele, fitando o casarão com seus óculos escuros.

— Não tem nada de mal-assombrado. É só uma casa antiga. — Eu respondi alheiro, voltando minha atenção ao meu desenho.

— Diz isso porque quando éramos crianças, você morria de medo. — Ele penteava o cabelo castanho com os dedos para trás.

Eu sorri franzindo o cenho.

— Eu? Medo de fantasmas?

— Se não tem medo, porque então não entramos lá dentro? — Ele sugeriu, cético.

— Você sabe que ninguém pode entrar ali.

— Para de dar uma de "certinho"! Costumávamos fazer isso sempre.

— Sim. Quando éramos crianças. Acho que já estamos bem grandinhos para isso.

Bruno suspirou decepcionado, pelo visto, de nós dois, era a pessoa mais madura.

— Pelo visto, você prefere perder tempo. — Ele indagou, cruzando os braços.

"Perder tempo". Era assim que ele se referia quando me via desenhando. Eu não me importava quando ele falava assim, mas eu sei que por dentro que me elogiava. Tudo isso começou, há uns anos atrás. Ele sempre ia em minha casa me chamando para sair, brincar na rua, jogar bola, vídeo game, coisas do tipo, mas eu sempre me negava, preferia ficar brincando com meus lápis e papel. E de tanto ele escutar de minha mãe que isso não iria me dar futuro, o termo "Perder tempo" surgiu e estar ativo até hoje em seu vocabulário.

Eu não disse mais nada e Bruno ficou quieto. Voltei ao meu desenho e ficou um breve silêncio. Não que eu não queria entrar no casarão, era claro que tinha curiosidade. Era um lugar antigo e cheio de histórias, óbvio que não teria nenhum fantasma ali dentro, mas entrar ali sem autorização não seria legal. Ainda mais, que não sou mais criança para cometer travessuras, ficaria feio para a minha parte.

Ainda levaria um tempo para concluir o meu trabalho. Desenhar requer paciência e muita concentração. As minhas obras eram quase realistas e eu nunca fiz nenhum tipo de curso sequer. Apenas praticava sozinho desde pequeno e hoje eu sei o quanto valeu apena esse meu desempenho. Eu não gostava muito de usar cores e tintas, usava somente lápis em diferente tamanho de grafite, na maioria das vezes, os 2B, 4B e 6B. Eu não sei dizer o porquê, mas talvez porque o meu perfil se encaixa a esse.

— Veja só... — Disse Bruno pensativo, quebrando o silêncio.

Olhei para ele atrás, estava com o rosto virado para o lado direito e sorria. Segui os seus olhos e prestei atenção ao que fitava. Só poderia ser... Era uma garota, sentada em um banco há poucos metros de onde estávamos. O seu cabelo louro destacava e ela parecia estar... Sim, parece que no colo dela também tinha uma prancheta, e ela estava... Desenhando! Até eu mesmo fiquei a admirá-la. Se já era raro ter alguém naquela cidade que desenhasse, imagine uma garota?

Fiquei boquiaberto admirando-a.

— Até que ela é bonitinha, pena que também gosta de perder tempo.

Bruno olhou para mim e depois para ela. Ele tinha um sorriso sínico estampado, e isso não me agradava. Alguma ideia maluca ele tinha naquele momento.

— Me espere um pouco.

— O que vai fazer seu maluco? — Ele nem havia me escutado e já estava caminhando em direção da garota.

Eu fiquei só a observá-lo. Ele se aproximava dela e ela nem havia percebido quando ele chegou pelas suas costas. Era um abusado mesmo, nem conhecia aquela moça. E assim que ela o notou levantou-se em um pulo, me parecia estar assustada. Antes que ficasse pior, eu precisaria ir até lá e salvar a pele do sem vergonha do meu amigo.

Eu me levantei e fui apressadamente para lá, mas ao chegar perto daquela moça, senti um choque percorrer o meu corpo. Eu não sei dizer que sensação era aquela. Eu paralisei diante dela. Eu não conseguia falar, mal me mexer e ela parecia estar confusa com a explicação tosca de Bruno. Ela me pareceu ficar ainda mais tensa a me ver, e meu amigo apontou o dedo para mim dizendo:

— Olha, esse ai é o Rodrigo! Ele é como você. Gosta de perder tempo também.

Ela franziu a sobrancelha, pareceu não entender o termo "Perder tempo", que Bruno sempre usava.

— Me desculpe se meu amigo a perturbou, ele é assim mesmo, meio... Inconveniente. — Eu disse a ela sorrindo.

Ela sorriu de volta. Ela não demonstrou aborrecimento como esperava. Ela me parecia ser uma garota legal até, ou era muito tímida. Ela abraçava a sua prancheta com seu desenho e eu segurava o meu de uma forma que ficava amostra. Isso chamou a atenção dela. Não tirava os olhos de minha prancheta, eu já estava sem jeito.

— Como eu disse... Perda de tempo. — Disse Bruno — Ela, também desenhou o casarão.

— É mesmo? Eu posso ver?

Ela sorriu timidamente e apertou a prancheta no peito e olhou de lado, distanciando os seus olhos de mim.

— Melhor não. Eu preciso ir. — Disse ela, já pegando a sua bolsa no banco.

— Não precisa ir embora, não iremos atrapalhá-la.

Ela pendurou a alça da bolsa em seu ombro e sorriu.

— Está tudo bem, eu preciso mesmo ir.

Ele me deu as costas, sorriu timidamente para Bruno como se fosse uma despedida e foi caminhando devagar. Eu suspirei. Assim que a garota se distanciou mais eu disse ao meu amigo:

—Você não tem jeito! Sorte sua que ela é educada, caso ao contrário... Você bem sabe.

Bruno sorrio e se aproximou mais de mim.

— Garota nova na área, eu precisava me apresentar.

—Você a assustou.

Fomos caminhando.

— Ela é muito tímida. — Espreguiçou os braços para o alto e olhou para mim. — Quer saber? Acho que você gostou dela.

— Mas... Eu nem a conheço.

— Eu vi como você olhava para ela e a tratava bem. Além disso, ela também tem o dom para a arte. Melhor que você.

— E você entende algo disso?

— Poxa Rodrigo! Eu sei que vivo te zoando, mas até que curto o trabalho. Você tem talento, mas ela... Superou você. — Sorriu cinicamente. — Perdeu o título de melhor desenhista da cidade Garoto!

Eu fiquei pensativo. Aquela garota não me deixou ver o que ela havia desenhado. Não que eu me importava que uma garota fosse melhor que eu, mas, era um mistério. Adoraria conhecer o trabalho dela. E pelo o que eu pude notar, ela é nova na cidade e pelo sotaque e aparência, parece ter vindo de muito longe. Por que alguém viria parar nessa pequena cidade do interior? Alguém que tenha um grande talento como Bruno afirma?

...

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