Capítulo 2: O Jogo Começa
As primeiras noites na casa de São Francisco começaram como um típico começo de semestre universitário: risadas, piadas internas e, claro, discussões sobre quem ia ficar com o quarto maior (no caso, ninguém estava disposto a ceder o quarto em frente ao espelho que parecia ter vida própria). Mas, logo, as coisas começaram a ficar... esquisitas.
Tudo começou quando Maria, com aquele sorriso de quem acha que tudo vai sair perfeito, sugeriu que jogássemos um jogo para "descontrair". Não foi qualquer jogo, claro, mas um daqueles jogos de tabuleiro antigos que, por alguma razão, parecia vir direto da década de 70. A caixa estava cheia de poeira, mas os dados ainda brilhavam. Não havia nada de errado nisso, certo?
- Gente, esse aqui é perfeito para a nossa primeira noite na casa. Vamos jogar! - Maria estava com aquele olhar de quem já se vê ganhando, mesmo sem saber do que se tratava. E, honestamente, a empolgação dela era contagiante.
Lucas, que parecia achar que a casa estava prestes a desabar a qualquer momento, olhou para a caixa com uma expressão cética. - Acho que a última vez que vi esse jogo foi num museu de antiguidades. Você sabe, aqueles com peças de boneco de cera, para "lembrar a gente dos tempos passados". Está tudo bem, certo?
- Ah, Lucas, você sempre com esse drama! - Clara respondeu, tentando desviar a tensão. Ela pegou as cartas do jogo e olhou para o tabuleiro com um sorriso. - Vai ser divertido! E se algo der errado, a gente só faz outra coisa... Ou chama um exorcista, né? Sempre podemos dar um jeitinho. Vamos logo jogar!
Com um olhar desconfiado, Lucas se sentou e começou a ler as regras. O que parecia um jogo inocente de tabuleiro rapidamente tomou um rumo diferente. Cada espaço do tabuleiro tinha uma instrução estranha e, no caso de alguns, as opções pareciam menos sobre ganhar e mais sobre... como posso dizer... "sobreviver"? O jogo incluía instruções como "Pegue um item da casa e fale uma história sobre ele", ou "Ande pelo corredor escuro enquanto canta uma canção de ninar".
- E isso? - Lucas levantou uma carta que dizia: "Vá até a janela do segundo andar e olhe para a lua. Fale seu maior medo em voz alta e espere por uma resposta". - Claro, claro. Uma resposta. De quem? O Pablo, o Fantasma do Tédio?
Todos riram, mas a verdade é que ninguém estava realmente confortável. O ambiente da casa, que até então parecia normal, estava ficando mais... estranho. A cada estalo de madeira, a cada vento frio que passava pelas frestas das janelas, o jogo parecia estar nos envolvendo de uma forma... inquietante.
- Vamos lá, pessoal, vamos fazer isso. Só por diversão! - Maria já estava se levantando e indo até a janela do segundo andar. - Eu vou primeiro. E se alguma coisa estranha acontecer, pelo menos posso culpar o jogo.
Com uma risada nervosa, ela foi até a janela. O resto de nós olhou de longe, com uma mistura de curiosidade e cautela. Maria estava lá, olhando para fora, sua figura pequena contra a imensidão da noite. A lua brilhava de maneira intensa, iluminando o campo de São Francisco, mas algo parecia... fora de lugar. Maria começou a falar.
- Meu maior medo... é... ser esquecida. Eu sei, parece bobo, mas, tipo, o que adianta tudo isso se um dia ninguém lembrar de mim? - Ela soltou uma risada nervosa, mas sua voz estava ficando estranha. Não a risada, mas o tom dela, como se estivesse falando com algo... ou com alguém.
De repente, algo inusitado aconteceu. A luz da sala piscou e, por um breve segundo o reflexo no espelho do corredor parecia... distorcido. Um vulto passou pela porta, rapidamente, e logo se escondeu nas sombras do corredor. O que parecia ser uma sombra de alguém, mas não alguém que estava na casa.
- Eu vou fingir que não vi nada disso, - disse Lucas, olhando para os outros. - Como se fosse uma ilusão de ótica. Aí, sabe, tudo é explicado por um defeito de fabricação do espelho. O que me incomoda mais, de verdade, é a possibilidade de ser o fantasma do Wi-Fi perdido.
Mas ninguém estava mais rindo.
Maria virou-se para nós com um sorriso forçado. - Não, gente. Está tudo bem. Não vi nada de estranho. Só... me senti observada. Só isso, nada demais.
Guilherme, que até então estava quieto, levantou a sobrancelha e olhou fixamente para o espelho. - Sério, pessoal. Alguém tem que explicar esse jogo. E as cartas. Está ficando um pouco... muito peculiar, não acham?
Mas, antes que pudéssemos discutir mais sobre o que estava acontecendo, a casa fez algo... inesperado. O barulho. O rangido. Mas não era o som típico de uma casa velha. Era um som de algo ou alguém se movendo nos corredores. Passos. Não como os nossos, mas como se alguém estivesse correndo de um lado para o outro, sussurrando.
- Ok, isso não foi legal. - Lucas estava visivelmente mais pálido agora. - Por que o jogo está nos fazendo entrar no território do horror psicológico? Eu queria apenas uma noite de boas risadas.
- Vamos dar uma olhada. - Clara foi a primeira a se levantar. Ela parecia, curiosamente, mais corajosa do que nunca. - Eu vou para o corredor e se eu encontrar qualquer coisa estranha, eu mando... eu não sei, algum tipo de sinal para os outros. Tipo um "a casa está possuída e eu não volto", ok?
- Clara, calma! Não é assim que... - Maria começou, mas Clara já estava se afastando.
Ficamos ali, congelados. A tensão crescia a cada segundo que passava, mas ninguém queria admitir o medo. Eu estava começando a perceber que a casa não era apenas uma casa antiga e empoeirada. Ela estava respondendo ao nosso medo. Estávamos brincando com algo muito mais... profundo. Algo que estava se alimentando de nossas dúvidas.
Clara voltou, sua expressão cheia de confusão. - Ok, não sei o que aconteceu, mas definitivamente vi alguém lá. Ou algo. Não posso explicar direito, mas... alguém está lá. E, honestamente, isso não tem nada de normal.
- Ah, ótimo, agora a casa está jogando esse tipo de jogo com a gente, - disse Lucas, rindo nervosamente. - O que é o próximo nível? O que vamos fazer? Dançar com o fantasma até o amanhecer?
Mas, antes que alguém pudesse responder, uma porta se fechou violentamente, sozinha, atrás de nós.
Ficamos em silêncio. Todos. A casa estava nos observando, respondendo. De alguma forma, ela sabia que estávamos lá para desafiar seus limites.
E nós... não sabíamos o que fazer a seguir.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top