Cap. 9
No final de um corredor sem vida,
Há um quarto, dentro do qual,
Algumas crianças abandonadas vivem
Elas estavam esperando a sua visita
O tempo todo!
"Estamos tão felizes! Estamos tão felizes!
Por favor, vamos brincar alegremente!"
Faça um círculo, faça um círculo,
Não fuja
Faça um círculo, faça um círculo,
Que tipo de brincadeira você gosta?
Durante a noite, antes do amanhecer,
Você pode se tornar um de nós!
Vocaloid - Kagome Kagome
◈◇◈
Aquilo era coisa de Eliel, eu tinha certeza. Ele sabia o quanto eu odiava ficar sozinha em lugares cheios e o quanto isso me deixava nervosa, e provavelmente estava rindo da minha cara naquele exato momento.
Ah, Deus, quando o eu o encontrasse...
Se acalme Lis, o que você precisa fazer agora é encontrar aqueles dois e ir embora. Sem xingar, sem dar piti, apenas procure os dois e dê o fora daqui antes que tenha um ataque de raiva.
Ok. Respirei fundo e fui até uma barraca que parecia estar vendendo bebidas quentes – coisa que eu parecia precisar com urgência pois já sentia meu corpo inteiro se entorpecer com o frio.
– Boa tarde, em que posso ajudar? – Uma atendente loira platinada perguntou de forma automática enquanto tentava não parecer entediada e de saco cheio daquele trabalho.
Travei por alguns segundos, me sentindo um pouco pressionada enquanto ela me encarava como se eu fosse uma lerda incapaz de decidir alguma coisa na vida, mas logo me recuperei e fiquei nas pontas dos pés para enxergar a lista de coisas que vendiam ali. Ah, como eu amava ter um metro e meio de altura.
Percebi que estava ligeiramente enganada sobre ser uma barraca de bebidas quentes quando, por entre as milhões de opções diferentes de refrigerantes, só consegui identificar café e vinho quente dentre as coisas que eu poderia tomar sem me sentir ainda mais congelada.
Vinho não, pelo amor do Deus do Sorvete de Passas ao Rum. Você sabe o que vai acontecer se beber isso e sabe que não vai ser legal.
Sim, eu sabia. Péssimo passado com vinho.
– Um café, por favor – pedi e a mulher assentiu, virando-se para o que parecia uma garrafa térmica gigante.
Tirei uma nota de dois do bolso com muito esforço para não derrubá-la no chão e a entreguei para a atendente, que me estendeu o pequeno copo descartável cheio e logo depois me deu duas moedas de cinquenta como troco.
Bebi um pouco do café e fiz uma careta. Nunca fora minha bebida favorita, preferia mil vezes coisas doces, como achocolatado.
Não, não. Achocolatado te faz passar mal, minha mente me lembrou e suspirei. Infelizmente isso passara a ser verdade de uns tempos para cá, tomar leite com achocolatado me fazia querer morrer por causa do maldito enjoo que aquilo me causava - apesar de que eu ainda suspeitava um pouco de que o leite não tinha nada a ver com aquilo e que o que meu corpo não aprovava mesmo era o chocolate.
Precisei me conter muito para não gritar pelo susto e não cair de cara no chão quando uma criança afobada passou correndo ao meu lado e esbarrou em mim.
Nunca gostei muito de crianças, pareciam animais que não estavam nem aí para o que dizem e vão fazer o que quiserem não importa o quê, e se não fizerem vão espernear e chorar até conseguir. Às vezes tinha vontade de chutar uns seres desses, principalmente aqueles que pareciam o próprio demônio mas os pais tratavam como a coisa mais angelical que andaria na Terra.
Ao me voltar para a frente e ver um garotinho magrelo vestindo jeans e um casaco vermelho correndo por aí como se não houvesse amanhã me trouxe para o mundo real. Eliel.
Comecei a andar um pouco mais rápido, seguindo-o para onde quer que estivesse indo. Eu poderia gritar e chamá-lo, seria muito mais fácil, mas isso não estava na lista de coisas que eu podia fazer em lugares públicos cheios sem me sentir uma aberração.
Ele virou e entrou em um quadrado improvisado com paredes de ferro que também pareciam ser de antigos vagões de trem. O que aquele imbecil estava fazendo?
Larguei o copo de café em uma lixeira qualquer e corri para onde meu irmão havia entrado, tomando um susto ao ser barrada por um cara de quase dois metros de altura.
– Ei, ei... Onde pensa que está indo?
– O quê? – Murmurei e ergui os olhos para uma enorme placa vermelha sobre o que parecia ser o teto daquilo, onde berravam em néon as palavras "Casa de Espelhos".
Mas que merda, Eliel! Não tinha nenhum lugar pior para entrar, não?
– Vai precisar de um ingresso se quiser entrar – o homem voltou a falar e senti meu sangue ferver de raiva.
– Meu irmão acabou de entrar aí sem te dar ingresso nenhum e você não disse nada! – Esbravejei, cruzando os braços sobre o peito, e o homem revirou os olhos.
- Ninguém entra aqui já tem uns dez minutos, tenho certeza que teria visto se ele tivesse passado por mim, agora pare de querer dar uma de espertinha e vá comprar um ingresso ou não vai entrar aqui.
– Ele é pequeno e magrelo, tem só onze anos, teria como ele passar despercebido, agora me deixe entrar senão aquele animal vai se perder – retruquei e ele bufou.
– Eu não saí dessa porta o dia inteiro e nenhuma criança entrou aqui sozinha!
– Ai meu Deus! Por que o mundo insiste em me fazer de louca? – Resmunguei para mim mesma e puxei uma nota de dez do bolso, entregando-a para o homem.
Ele encarou a nota por alguns segundos e depois balançou o dedo indicador para mim num gesto negativo. Mas que merda...?
– Vou repetir, meu anjo: se quiser entrar vai precisar de um ingresso, e não de uma nota de dez – ele disse e apontou para uma barraca onde uma fila enorme de pessoas aguardava para poderem finalmente terem seus ingressos em mãos.
Até chegar minha vez de ser atendida era capaz de meu irmão já ter dado a volta naquele lugar inteiro.
– Ah, quem liga? – Disse baixo demais para que ele pudesse ouvir e me abaixei, passando sob o braço do homem e correndo para dentro daquele lugarzinho claustrofóbico.
– Volta aqui sua pirralha idiota! Pensa que é gente? Se eu te encontrar de novo eu vou... – Ignorei os xingamentos e continuei andando, se eu não encontrasse Eliel eu seria uma pessoa morta.
Depois de alguns poucos segundos cheguei num corredor onde as duas paredes eram cobertas por espelhos, aquilo me assustava muito. Já havia lido uma vez que espelhos eram portais para o mundo espiritual e não gostava nem um pouco dessa ideia, fora que ver milhares de reflexos meus me acompanhando não ajudava muito.
Olhei para cima mas muito infelizmente não me deparei com o céu cinzento como esperava, havia somente uma lona preta cobrindo tudo com milhares de pequenas lamparinas alaranjadas penduradas.
Estremeci e voltei a andar, tentando ao máximo ignorar a sensação horrível de estar sendo seguida e observada. Bom, claro que só tentar ser corajosa e ignorar meus medos não era muito eficiente, a cada dez segundos eu olhava para trás, com medo de ver uma aberração na minha cola, me sentia uma doida paranoica - e talvez eu fosse mesmo considerando minhas ações e pensamentos mais recentes.
Um vulto vermelho no corredor à frente me fez despertar novamente e começar a correr em sua direção.
– Eliel! – Chamei mas ele não se virou, continuou correndo como se ao menos fizesse ideia de que eu estava ali, até chegar em uma salinha que parecia não ter saída.
E acho que eu não preciso dizer que fui a trouxa que não teve outra opção a não ser seguir aquele idiota e entrar naquele negócio que mais parecia o cenário de algum dos filmes dos Jogos Mortais.
Parei, ofegante, apoiando-me na entrada enquanto me lembrava mais uma vez de que, definitivamente, eu precisava ser menos sedentária.
– Ah, merda! – Xinguei assim que entrei na sala e, depois de procurar por todos os cantos, me dar conta de que não havia ninguém ali, apenas mais espelhos e infinitos reflexos meus com cara de desespero.
Meu irmão havia simplesmente desaparecido! Como isso era possível? Não haviam outras saídas, somente o corredor por onde eu havia vindo e...
Ah, não... Não, não, não...
Me virei rapidamente para sair da sala e no mesmo momento a porta bateu à minha frente, fazendo com que eu quase caísse para trás por conta do susto que aquele maldito estrondo me causara.
Mas aquela porcaria nem tinha uma porta quando entrei ali! Só podia ser brincadeira.
A única coisa que me vinha à cabeça no momento era que eu precisava sair dali ou alguma merda muito grande aconteceria logo em seguida, mas não importava o quanto eu puxasse a maçaneta ou esmurrasse aquela porta, ela não se movia de maneira alguma.
Desisti enquanto tentava não entrar em desespero apesar de saber que, diante de uma situação daquelas, aquilo era quase impossível. Eu mal conseguia respirar e era como se aquele silêncio fosse me esmagar e me comer viva, fazia eu me sentir realmente sozinha e afastada de tudo e todos, de uma forma que ninguém conseguiria me encontrar e eu ficaria presa naquele lugar bizarro até morrer.
Ouvi uma risadinha e acabei me virando para trás por reflexo, o que resultou em uma sensação horrível de pavor e congelamento, porque novamente, não havia ninguém ali, somente os espelhos e os malditos reflexos.
Eu estava tremendo tanto que mal conseguia me mover e aquela infinidade de imagens repetidas nos espelhos me dava a sensação de que muito em breve eu acabaria desmaiando - ou de medo, ou de nervoso, porque eu não conseguia sentir qualquer outra coisa que não estivesse entre esses dois.
Passei as mãos suadas pelos jeans e pelo canto do olho pude ver uma sombra pouco menor que eu correndo por um espelho.
– Liiis... – a voz melódica e bizarra de uma garotinha cantarolou, fazendo um calafrio horrendo percorrer meu corpo por inteiro. – Vamos brincar, Lis.
– Soube que você gosta de bonecas – desta vez era a voz de um menino, o mesmo que falara comigo no sótão.
– Ai meu Deus... – murmurei quase sem voz e cerrei os olhos – uma decisão horrível, devo admitir, porque agora era como se eu estivesse cercada por um bando inteiro daquelas crianças bizarras e não pudesse fazer nada.
Tá vendo, Marliss? Esse é o preço por querer chutar crianças.
Reprimi esses pensamentos, não era a hora e nem o lugar para começar uma discussão comigo mesma.
– Deus? – A garotinha riu. – Deus não vai te ajudar, assim como nunca ajudou a pobre Abby.
– Nem à Abby e nem à nenhum de nós. Ninguém nunca nos ajudou – o menino completou com a voz carregada de amargura, assustador demais para uma criança.
- Mas você pode ajudar, Lis – a garotinha voltou a falar e suas risadas ecoaram pela sala em uníssono. - Sabia que você e a nossa Abby são iguais?
– Brinque conosco, Lis – disseram juntos e coloquei as mãos por cima dos ouvidos numa tentativa inútil de bloquear aquelas vozes. – Ela só quer a sua ajuda, só quer uma amiga que a liberte deste maldito pesadelo vivido em uma falsa casa de bonecas.
Tentei retrucar, gritar, reagir de qualquer forma que fosse, mas nenhum som saía da minha boca e eu mal conseguia mover os dedos das mãos, era como se aquelas assombrações estivessem me controlando.
– Você precisa ver, Lis, precisa entender a verdade.
Abri os olhos e cobri a boca com as mãos, sentindo as lágrimas correrem descontroladas pelo meu rosto.
Havia uma multidão de crianças na sala, me encarando com seus bizarros olhos estáticos e vazios. As meninas todas vestidas com longos vestidos cheios e coloridos, rodeados de laços e babados. Os meninos vestiam ternos e roupas sociais elegantes que certamente não eram dessa época.
Todos perfeitos e vidrados demais, sem emoções ou reações próprias. São como bonecos.
– Ajude-nos – disseram em coro e a multidão se abriu, dando espaço para uma garotinha em especial passar.
Ela tinha o olhar baixo e não levantou a cabeça nem por um segundo, deixando sempre que os cachos dourados cobrissem seu rosto rechonchudo e rosado. Era diferente dos outros, não parecia vestida como uma boneca, usava apenas uma camisola azul e seus pés arroxeados estavam descalços.
Seus passos vacilaram vez ou outra enquanto caminhava em minha direção mas seus braços seguravam firmemente uma boneca realista idêntica à um bebê de verdade.
E eu já conhecia aquela garotinha, havia sonhado com ela, a falsa Izzy.
– Por que também não brinca comigo, Lis? Você também tem medo? – Ela perguntou baixinho, os ombros tremulando por conta de seu choro. – E-eu... Eu só queria que alguém fizesse isso parar...
Naquele momento eu estava em dúvida entre ter medo e ter pena daquela menina. Queria correr mas ao mesmo tempo tinha vontade de ir até lá e dizer que ficaria tudo bem, que eu a ajudaria independente de qualquer coisa.
– São todos sempre tão maus comigo, é porque eu fui má também? Eu sinto muito, eu só não queria ficar sozinha – ela finalmente levantou o rosto para me encarar e senti meu estômago se revirar enquanto o mundo inteiro parecia rodar à minha volta.
Seus olhos eram apenas buracos vazios e seu rosto, diferente da outra vez em que a vira em meu sonho, estava cheio de hematomas horríveis em tons fortes de roxo, verde e amarelo.
– Você vai me ajudar, Lis?
Minha cabeça pulsava de dor como se estivesse sendo esmagada por fortes mãos gigantes e eu me sentia tão fraca que mal consegui pensar em responder.
Gritei de dor e caí de joelhos no chão, me sentindo zonza e fraca.
– Mas antes você tem que entender, tem que me entender! Não sou eu, Lis – ela gritou com a voz embargada e o estalo ensurdecedor de vidro se estilhaçando fez meus ouvidos pulsarem.
Tudo tremeu por um momento e só pude sentir a ardência dos cacos que haviam se chocado contra a minha pele. Tudo havia ficado escuro e eu não conseguia me mover, só podia ouvir o choro agonizante daquela garotinha que parecia cada vez mais baixo e distante.
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