Cap. 13
Oh, eu sinto falta do conforto dessa casa
Onde nós estamos, onde nós estamos
O chão sob nossos pés sussurra
Entrem, entrem
Onde tudo isso começa
Of Monsters and Men - Lakehouse
◈◇◈
Henri e Eliel já me esperavam tranquilamente na frente de casa, meu irmão apenas um pouco corado nas bochechas, enquanto eu vinha morrendo – lê-se rastejando – até a entrada de casa.
Meu peito doía e eu parecia uma asmática no meio de uma crise, respirando como se estivesse morrendo. Eu definitivamente não havia nascido para praticar atividade física.
Eu queria muito tirar a blusa de frio mas apenas parei e me joguei na escada da varanda com as mãos apoiada no peito, ainda respirando com dificuldade.
– Morta – Eliel disse mas apenas ignorei, sem energia ou fôlego para xingá-lo.
– Meu Deus, é sempre assim? – Henri perguntou e eu ri.
– Não, costuma ser pior – respondi baixinho e tomei fôlego para me por de pé novamente.
Peguei a chave no bolso dos jeans e tentei encaixá-la na fechadura com certa dificuldade, doía só de segurar aquilo ou de fechar demais meus dedos cheios de cortes.
– Ei, eu faço isso – Henri disse e lhe entreguei a chave, sentindo meu rosto esquentar.
Mesmo que fosse com a melhor das intenções, eu odiava quando era tratada como uma criança que não consegue fazer nada sozinha, mas sabia que eu mesma agia assim.
E já havia perdido a conta de quantas vezes isso me envergonhara ao longo da minha vidinha sem graça, sempre tendo que receber ajuda dos outros.
Era por não alcançar coisas altas, por não conseguir fazer cálculos matemáticos simples, por nunca lembrar corretamente das coisas ou, como era o caso no momento, por estar machucada demais por causa de algum acidente estranho.
Mas sendo uma garota de quinze anos com mente de uma criança de dez e completamente desastrada, você acabava tendo que aprender a aceitar uma ajuda ou outra de vez em quando.
Assim que entrei em casa, tirei os sapatos e os deixei num cantinho isolado ao lado da porta, remexendo meus dedos cansados de serem apertados o tempo inteiro por um tênis desconfortável.
– Tô com fome – Eliel resmungou iniciando um batuque com as portas do armário que eram abertas e fechadas uma seguida da outra.
– Sobe pra tomar um banho, vou fazer alguma coisa pra comer – respondi respirando fundo e ele assentiu, subindo as escadas com pressa.
Fui para a cozinha tentando pensar em algo fácil e rápido, mas apenas a palavra "miojo" vinha à minha mente.
– O que gosta de comer? – Perguntei à Henri enquanto me apoiava sobre a bancada.
– Olha, eu realmente como de tudo – ele disse meio pensativo e arqueei as sobrancelhas.
– Até lolis?
– Meu Jesus, Lis, que horror. Você sabe que isso dá cadeia, né? – Ele disse meio assustado, o que me fez gargalhar igual uma idiota.
Bom, eu poderia ter ido mais além e dito que uma loli de quinze anos como eu não daria cadeia, pelo menos não para ele.
Mas forças cósmicas e Deuses do Sorvete me impediram de soltar uma besteira dessas.
– Eu sei fazer panquecas – ele disse encolhendo os ombros e eu sorri.
Além de fofo ainda era chefe de cozinha?
– Bom, tudo bem, então vamos brincar de Master Chef.
◈◇◈
Exatamente como eu imaginava.
Suspirei enquanto cutucava o macarrão alho e ódio no meu prato, somente com uns pedacinhos de brócolis para dar graça.
Nada havia saído como eu e Henri esperávamos e, além de ter banhado o chão da cozinha em massa crua de panqueca, havíamos pifado o liquidificador da minha mãe.
Se aquelas bonecas bizarras não me matassem, minha mãe definitivamente se daria ao trabalho quando voltasse.
– Ei, se anime – Henri disse me cutucando com o cotovelo. – É brócolis!
– Não é a mesma coisa sem o molho – eu respondi tristonha e Henri meneou a cabeça com o olhar baixo.
– Pobre molho...
Claro, a louca aqui também havia derrubado todo o molho dentro da pia. Era nessas horas que eu me perguntava o porquê de os deuses do sorvete ainda terem se dado ao trabalho de me criarem, eu era tipo um desastre natural e caótico.
Quase soltei o famoso "O que mais pode dar errado?" mas acabei me lembrando na mesma hora que estava morando em uma casa habitada não só pelos vivos e numa situação dessas era melhor mesmo não questionar algo assim.
– Quer ver um filme? Podemos fazer pipoca – Henri supôs e Eliel sorriu, batendo palmas e completando:
– Pipoca doce! Com caramelo, é... Bastaaante caramelo...
– Vocês estão é ficando malucos, não sei como ainda não botei fogo nessa casa. Olha o estado disso! Tá pior do que a minha cabeça!
Eliel fez biquinho mas não disse mais nada, afinal, minha frustração e irritação pela falta de habilidade na cozinha – e na vida também – estavam mais visíveis do que o fato de que o sol brilha.
– Vamos ver um filme mas sem pipoca, ok? – Eu disse e os dois concordaram sem dizer ao menos uma palavra.
Bom, era melhor assim.
Eu provavelmente estava de TPM e ter quase destruído minha casa somente por causa de um jantar não ajudava muito.
Suspirei e passei a mão na testa, sentindo minha cabeça pulsar. Isso sempre acontecia quando eu me estressava com algo, mas eram dores tão frequentes na minha vida que eu quase parara de me incomodar com elas.
Já havia passado a descartar a opção dos analgésicos, mesmo porque se eu fosse tomá-los sempre que minha cabeça doesse eu viveria drogada.
Isso fez eu me perguntar se alguém já havia tomado Dipirona para ficar chapado... Bom, eu não duvidava, existe louco para tudo no mundo.
Até para largar dezenas de bonecas velhas num sótão e simplesmente ir embora, como se não fosse nada.
– Lis?
– Hã? Oi – respondi distraída e Henri riu.
– Sua cara de susto é a melhor – ele disse e semicerrei os olhos, dando uma risadinha claramente falsa. – Seu irmão assiste filmes de terror?
– Meu Deus, não. E eu também não, pelo menos não hoje – respondi e ele encolheu os ombros, novamente se dando por vencido sem ao menos tentar contestar. – Eu vou subir pra tomar um banho e já aproveitar e acender os incensos que sua avó pediu, tudo bem você ficar aqui com o Eliel?
– Claro, quero dizer, eu não sou nenhum pedófilo ou traficante de crianças – ele zombou e revirei os olhos, rindo mesmo que me negasse à isso.
Pelo visto eu e Henri tínhamos um dom em comum: o de falar besteiras sem ao menos pensar no que estávamos dizendo. Minha mãe ficaria louca com ele se o conhecesse.
Coloquei um desenho qualquer no DVD e larguei Henri e Eliel sozinhos lá, podendo escutar, enquanto subia as escadas, meu irmão importunar o pobre garoto com suas conversas rápidas e das quais você não entendia nem metade das palavras.
Já faziam algumas horas desde que a noite começara a cair e, junto com ela, novamente o meu medo de transitar por aquela casa escura e estranhamente silenciosa.
Claro que um desenho barulhento rodava no andar de baixo e meu irmão não iria calar a boca tão cedo, mas todos os sons pareciam ser bloqueados naquele segundo andar bizarro, como se ali fosse uma espécie de realidade separada da nossa.
Sempre odiei e temi o silêncio, para mim era como se antecedesse uma enorme explosão que com certeza causaria algum mal.
Comecei a cantarolar qualquer coisa que inventei ali mesmo, somente para me distrair e tentar não sair correndo de volta para a sala, me proteger com a companhia de meu irmão e Henri. E eu queria muito olhar para trás, tinha a impressão de que algo horrível me seguia e observava, mas apenas me apressei para entrar no quarto.
Deslizei a mão pela parede até encontrar o interruptor, acendendo a luz e sentindo meu coração dar um salto.
Não, não tinha nada se escondendo no escuro, mas eu realmente estava pressentindo que teria.
Bom, voltar a ter medo de escuro depois de anos deveria ser considerado estranho, mas eu via como algo normal. Pelo menos, era normal ter medo de escuro depois que se começava a ter contato com aberrações espirituais.
Tentando ser o mais rápida possível, fui até guarda-roupa e abri as portas, despejando um bolo de camisetas, calças e shorts nos meus pés.
– Merda – murmurei enquanto me abaixava para pegar as roupas.
Entre um bolinho e outro que pegava para jogar de volta no armário, um tintilar de algo pequeno e metálico caindo no chão atingiu meus ouvidos.
Guardei as roupas que ainda segurava e me abaixei novamente, encontrando uma pequena chave com um coração gravado na ponta.
Não era do tamanho de uma chave normal usada para abrir portas, na verdade era bem pequenina, como as chaves daqueles diários com cadeado que toda garota tem entre seus dez e treze anos.
Mesmo me lembrando do que Dona Emy dissera e já tendo em mente que eu deveria ignorar qualquer coisa estranha que viesse daquela casa, guardei a chave na gaveta da minha escrivaninha – junto da do sótão – e apaguei a luz, fechando a porta do quarto e indo para o banheiro.
Assim que liguei a torneira da banheira e fechei a porta, senti minha respiração falhar e minhas mãos começarem a tremer e suar frio.
Eu estava com medo de ficar ali sozinha, de que mais alguma coisa aparecesse de repente e tentasse me matar sem qualquer motivo aparente.
Prendi os cabelos e, xingando ao sentir minha mão doer mais um pouco, tirei o celular do bolso e coloquei uma música qualquer, só para me dar a impressão de segurança.
O silêncio realmente nunca fora meu melhor amigo.
Na pia estava a sacolinha com as coisas que Dona Emy me dera, incluindo os incensos e uma caixinha de fósforos.
Li as embalagens de cada incenso e acabei por escolher arruda e eucalipto – ambos para proteção, mas sendo também para banimento o de arruda e o de eucalipto para repelir más energias.
Espetei os dois num sabonete que havia sido deixado ali sobre a pia e os acendi, já me sentindo mais tranquila somente por sentir o aroma dos incensos.
Eu sabia que o efeito de cada coisa dependia da fé que a pessoa colocava naquilo, e eu realmente acreditava que aquilo ajudaria – o que talvez fosse anulado pelo fato de eu realmente acreditar que algo ruim fosse acontecer novamente naquele banheiro maldito.
Balancei a cabeça e parei de pensar nisso, apenas terminando de me despir e entrando na banheira cheia com água quente.
Fiz uma careta de dor quando os poucos cortes espalhados pelo meu corpo, arderam em contato com a água, e se onde eu mal havia machucado já estava daquele jeito, eu não queria nem sonhar em encostar as mãos ali.
Juntei os joelhos ao peito e apoiei a testa ali, fechando os olhos e me permitindo relaxar um pouco.
Eu estava estressada e louca demais, pensando numa coisa só desde que entrara naquele sótão, precisava descansar e me distrair um pouco.
Descansar principalmente. Mesmo com todos os problemas de insônia, eu duvidava que houvesse dormido tão mal em toda a minha vida.
E no momento eu me sentia tão sonolenta e calma... Era como se mais nada de ruim pudesse me pegar agora, e eu só queria deixar o sono me tomar de vez.
Senti mãozinhas quentes e fofas correrem pelos meus cabelos, acariciando-os de uma maneira suave e carinhosa.
– Durma, Lis – uma voz infantil que eu com certeza já havia escutado antes murmurou e riu baixinho. – Eu vou cuidar bem de você, prometo.
Sonolenta e cansada demais para fazer qualquer outra coisa, eu apenas sorri e concordei.
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