Aula teórica

Katrina Muon decidiu me treinar pessoalmente, algo extremamente raro de acontecer, ainda mais para uma criança de oito anos, no entanto, meu caso era excepcional. Devido ao fato de haver em meu olho direito uma arma letal extremamente poderosa, a qual eu não detinha nenhum controle, era necessária a iniciação precoce. Além disso, somente um Ancião da Magia poderia me treinar, pois a dádiva que eles receberam de Lumine — o Deus supremo que a Legião da Magia seguia seus preceitos — os tornavam imunes aos poderes das trevas da relíquia.

O processo natural de treinamento na Legião da Magia era o ingresso na academia mágica dos legionários aos onze anos de idade, com previsão de formação completa em Feiticeiro até os dezoito anos, após esse período, o candidato escolheria a formação que desejasse: Podendo optar por se tornarem agentes públicos de segurança, Bruxos; pesquisadores e cientistas mágicos, Sábios; estudiosos de todos os aspectos ocultos da alma, espíritos e karma, Espiritualistas; ou permanecerem como Feiticeiros, versados nos usos mais técnicos da magia.

Contudo, eu pulei completamente todos esses processos, seguindo uma linha de formação mágica própria, começando do zero com os treinamentos com a minha Mestra, Katrina Muon, numa educação individual. Posso dizer que graças a isso, Katrina Muon se tornara a minha figura materna.

— Aijiro, nossa primeira aula será sobre os princípios fundamentais da magia, portanto, começarei com a clássica pergunta: o que é magia? — Questionou Katrina, com seus longos cabelos loiros reluzindo como ouro com a luz do sol incidindo sobre os fios, enquanto os olhos verde-esmeralda dela estavam fixados em mim.

Katrina escolhera um pátio a céu aberto, mas murado em volta, sendo um campo de treinamento vazio num templo no meio do deserto de Yellaton. Apenas nós duas ocupávamos aquele espaço extremamente amplo, porque nenhuma outra pessoa poderia se aproximar de mim. Tudo porque eu não era capaz de controlar o olho das trevas, por conseguinte, poderia matar novamente, mesmo que sem intenção.

— O que é magia? — Repliquei a pergunta em voz alta, tentando pensar a respeito enquanto esfregava a nuca com a palma da mão esquerda e franzia a testa em busca de achar uma boa resposta. — Ah, já sei! É a habilidade que algumas pessoas têm de realizar o impossível! — disse de forma empolgada, extremamente satisfeita por ter pensado em algo que soara tão bonito.

— É uma ótima frase para se escrever numa obra de ficção, mas não está correto. — Comentou minha Mestra, de maneira incisiva, para a minha decepção. — Não realizamos o impossível, logo, não somos onipotentes. Toda magia segue fielmente as regras de nosso mundo, não dobramos a realidade e nem rescrevemos as leis. Portanto, somos meros instrumentos, ou seja, providências de algo maior, sendo assim, estamos todos sujeitos aos preços que a magia cobra e suas consequências. — Ela observou a minha expressão facial mudar completamente, com meu olho esquerdo normal ficando marejado após ouvir a última frase. — Você melhor do que ninguém sabe o quão caro pode ser esse preço, assim como o quão terríveis também podem ser as consequências.

— Então é algo para se evitar! — Exclamei, em prantos, algo que não abalou em nada a postura firme da minha Mestra.

— Normalmente as pessoas são livres para escolher aceitar esse poder ou continuar ignorando sua existência. No entanto, mesmo na opção de ignorá-lo, permanecem sujeitas às leis desse mundo, assim como aos seus preços e consequências. — Explicou Katrina. — Mas eu sei que não foi a sua escolha ter esses poderes, entretanto, foi sua escolha estar aqui. Por causa disso, posso garantir que o meu papel é tornar o preço que você tem que pagar mais leve aos seus ombros, assim como a ensinarei como administrar as consequências. — Concluiu, esboçando um sorriso gentil para mim, algo que aqueceu o meu coração fragilizado.

— Bom, o que é magia? — Perguntei, enquanto enxugava as lágrimas e recompunha meu espírito.

— Magia é conhecimento, é técnica, é movimento refinado. Nós arcanos, utilizadores de poderes mágicos, somos técnicos, peritos e estudiosos de alguma área de saber mágico. Você ainda terá oportunidade de escolher a sua área de saber de preferência, mas vamos nos ater ao básico por agora. — Minha Mestra explicou, fazendo-me ficar vislumbrada com aquelas palavras, podia sentir a magia presente nelas, o que acelerou o meu coração de emoção.

— Eu já até consigo me ver como uma poderosa Bruxa! — disse empolgada, colocando a minha imaginação para trabalhar.

— Você sabe qual a fonte da magia em nossos corpos? — Questionou-me minha Mestra, fazendo-me retornar à realidade do treinamento. Pensei bastante numa resposta, mas não fui capaz de concluir nada, então apenas realizei um balançar de negação com a cabeça.

— É a mesma fonte de toda a vida no universo, a alma! — Katrina respondeu enfaticamente, numa revelação que me deixara muito surpresa. — Todos os seres vivos possuem alma, ela é a energia da vida e nossa fonte inesgotável de magia. No entanto, essa unidade energética que se apresenta como uma pequena estrela em fusão nuclear em seu estado original, pertence a um mundo paralelo ao nosso que classificamos como Karma, regido por uma balança que determina o movimento de todas as coisas. Como somos parte integrante dessa equação, somos os agentes desse movimento e equilíbrio, mas pacientes de suas consequências.

— Se todos os seres vivos possuem esse grande poder, por que nem todos são capazes de realizar grandes feitos? — Indaguei, bastante faminta para obter mais respostas.

— Grandes feitos... Parece-me algo relativo, pois todos os seres possuem um papel em nosso mundo, todos eles movimentam a balança do Karma. Mas eu entendi o que realmente quis perguntar: por que nem todos são capazes de utilizar magia? — Perguntou Katrina, de forma a confirmar comigo se era essa a minha real dúvida, apenas assenti com a cabeça. — Como eu disse antes, magia é técnica e conhecimento, nem todas as pessoas possuem ou querem aprender a técnica e o conhecimento necessário para refinar esse poder bruto. A magia nada mais é do que o estágio final. Antes de chegarmos a isso, a alma, que é regida pelo Karma, se converte no plano astral em nossos corpos no que chamamos de espírito, por sua vez, o espírito é regido pelo mundo espiritual, onde não existe matéria, mas existe sensações, sentimentos e emoções. Alguns estudiosos, os Espiritualistas, se especializam nesse campo, desenvolvendo as magias espirituais. Entretanto, vamos nos ater ao mundo físico. Certo? — Minha Mestra perguntou.

— Sim, claro! Não gostaria de mexer com isso agora, estando com os meus próprios sentimentos e emoções uma completa bagunça! — Admiti de forma bem madura para a minha idade, o que arrancou um sorriso genuíno de apreciação de Katrina Muon.

— Recapitulando, a alma é a energia bruta e primeiro estágio, pertencente ao Karma; o espírito é a energia secundária, regida pelo mundo espiritual que faz a mediação dos planos do Karma com o mundo físico. Por fim, no mundo físico o espírito se converte em uma energia que chamamos de Chi, a energia física que move nossos corpos e mentes. Porém, essa energia caso seja aperfeiçoada através de estudos e técnicas, é perfeitamente capaz de conceder os primeiros feitos sobre-humanos nos planos do corpo e da mente em seu primeiro estágio. Mas saiba que o Chi possui três estágios ativos e o estágio zero. O estágio zero, chamado de "viver a vida normalmente" ou simplesmente, sobreviver, é onde a maioria das pessoas se encontram. Já o primeiro estágio do Chi é chamado de Essência, é onde se torna possível extrair aptidões físicas e mentais extremamente aprimoradas.

— Eu soube que os Monges estudam o Chi para aumentarem suas aptidões físicas, mas sempre me perguntei o que exatamente significava esse tal de Chi. — Comentei, lembrando de uma revista que li há pouco tempo.

— Muito bem, um ótimo exemplo. — Admitiu Katrina Muon, visivelmente surpresa com o meu nível de conhecimento. — Os Monges são mestres do corpo e do espírito, treinando o Chi no seu estágio de Essência e a energia espiritual, respectivamente. Mas nós arcanos utilizamos manifestações energéticas acima do estágio de Essência.

— Isso faz com que nós sejamos muito mais capazes do que os Monges? — Perguntei, não conseguindo conter a minha forte curiosidade.

— Não se trata de ser mais capaz ou menos capaz. Apenas se trata de focos de conhecimento diferentes. Os Monges certamente possuem um domínio da Essência muito melhor do que o nosso, pois é o foco de estudo e técnica deles. — Esclareceu Katrina, fazendo eu entender que tudo era bem mais complexo do que simplesmente ser melhor ou pior cada área de conhecimento.

— Desculpe por interromper, quais são os demais estágios do Chi? — Indaguei, ansiosa para a retomada do tema.

— O segundo estágio do Chi se chama Aura, ela já determina nossa intenção mágica, possibilitando o uso das primeiras magias técnicas chamadas feitiços. — Depois de dizer isso, Katrina Muon liberou uma aura de energia visível ao redor de seu corpo, ela reluzia como o sol e liberava um forte impulso, como lufadas de ar, algo que me empurrou alguns passos para trás.

— Isso é incrível! — Exclamei, eufórica, pois nunca tinha visto até então ninguém utilizar magia na minha frente.

— Geralmente, os alunos que ingressam na academia mágica dos legionários já sabem como evocar suas auras de intenção mágica, tal como fiz. — Explicou Katrina, fazendo todo aquele poder desaparecer. — Mas não se preocupe, você ainda é bastante jovem, terá tempo para desenvolver essa habilidade. — Ela se prontificou a dizer isso quando viu a minha expressão de frustração estampada no rosto. — Tudo isso é apenas a cunho de informativo, uma aula teórica, logo, não espero que já saia realizando magia no primeiro dia.

— Tá certo, está certo, mas então, qual é o último dos estágios do Chi? Lembro que mencionou três! — Ansiava por saber qual seria a etapa final que levaria à magia plena.

— O terceiro estágio do Chi nós chamamos de Domínio Arcano, ou simplesmente Domínio. É o estágio mais refinado, o que exige anos de estudo e preparação. — Quando ouvi isso apenas emiti um suspiro de lamentação, pois percebi que não seria nada fácil de alcançar. — No Domínio é quando os talentos individuais da magia se revelam, levando para possibilidades infinitas. Por exemplo, o meu Domínio Arcano se encontra nas magias da criação e controle de correntes de ar. — Concluiu Katrina, realizando uma última demonstração.

O campo de treinamento fora invadido por fortes ventos, tendo como fonte da ventania o corpo da Anciã da Magia. Apesar do susto que levei, os ventos não foram fortes o bastante para me jogar longe como uma boneca de pano, só conseguiu bagunçar todo o meu cabelo branco.

— Estou adorando esse novo mundo de descobertas, não vejo a hora de começar com as aulas práticas! — Exclamei, no auge de todo o meu entusiasmo.

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