Capitulo 5 - Loucuras Madrugueiras

Em busca de calor, me encolhi um pouco mais contra o feno úmido. Choveu durante a madrugada e agora o frio está tão intenso que ao soprar minhas mãos para esquentar, pude ver uma névoa branca se formando imediatamente.
De onde estou, foi possível visualizar o sol levantando já a pouco para atingir o pico. Os raios me atingiram sem me esquentar, apenas queimando minha pele e a tornando excessivamente vermelha. Me aconcheguei ao feno enquanto era jogada de tempos em tempos para os lados. O movimento compassado dos cavalos em trote me dava sonolência.
Estive em um estado de dormência parcial durante todo o percurso, até que às oito chegamos ao ponto que nos separamos. De um lado e do outro apenas pude avistar uma extensão infinita de jardins floridos. Assim que pus os pés no chão, a lama veio até os joelhos e inadvertidamente, toda extensão de chão era de terra batida e não de pedras como era usual, me pergunto o quão velho é esse lugar. Juntei-me a um grupo de onze garotos de diversas idades, ao que parece, éramos o último grupo a ser levado para o castelo. Todos os garotos pareciam tensos com a presença de dois meninos que estavam vestidos a rigor e aparentavam claramente ser nobres. O fato de eles não terem ido em um grupo maior junto aos seus era o que mais me chamava atenção. Porém, era evidente que haviam mais da baixa nobreza que aqueles garotos. Há algo de errado.
Os onze meninos variavam do ar altivo ao amedrontado, todos claramente nervosos e com frio. Sorri comigo mesma, eu estava nervosa, amedrontada e altiva o bastante pra analisar outro alguém. Afinal, sou um desses garotos. Como qualquer um deles, estou tremendo de ansiedade muito mais que de frio. Todos estavam por igual naquele momento.
De todas as loucuras que fiz essa está sendo a melhor. Parece que a madrugada é o momento certo para loucuras. Quando era Soren, eu escrevia durante toda a madrugada enquanto todos iam dormir. E,  quando no vilarejo, eu brincava na cachoeira chamada "amaldiçoada"? Era puro êxtase. Loucuras parecem mais divertidas no impulso das brumas de pensamento. E foi em brumas que fiz aquilo: a maior loucura de minha vida.
Ainda era duas horas da manhã. O homem tinha se retirado da praça quando os sinos da igreja soaram a hora de ir pra casa. O calor abafado do dia já estava sendo tomado por um frio intenso que me vitimaria por falta de abrigo. Ninguém cederia estalagem a uma mulher sozinha. Ser mulher é sempre o grande problema.
Uma lembrança do plano que eu tinha veio a cabeça. Retirei rapidamente uma faca da bolsa, a tinha roubado do alojamento de ontem, para caso de roubo, mas pelo visto, pareço miserável o bastante para ninguém me roubar. Na verdade, não era isso. Eu pareço uma nobre perdida, ou talvez desonrada e alguém assim ainda levaria algum dinheiro.
Tomei a faca entre as mãos trêmulas e a posicionei próxima à nuca. Todo o sofrimento acabaria agora com um único corte limpo. Todo o meu cabelo até o queixo, se foi e o que restou roçava nas minhas bochechas, pescoço e nuca. Me senti estranha, leve. As minhas mechas brilhantes ainda cacheavam em minhas mãos num tom laranja avermelhado como fogo. Senti falta de tocar minha cintura e sentir sua presença. Este era meu plano desde o princípio, mas com toda a turbulência do sobreviver desenfreado, acabei esquecendo.
Procurei com os olhos um lugar deserto, até parar numa ruela mal iluminada.
Fui ao encontro do lugar cambaleando com frio e me despi com muito sofrimento, tudo estava gélido. Aos poucos,  consegui vestir uma calça de corte reto e duro junto a um peitoral espartano, não era o melhor conjunto possível mas o peitoral escondia os seios já um tanto comprimidos pela faixa de vestido que cortei e amarrei a eles. Sorri. Enfim parecia a indigente que tinha me tornado. A falta dos sapatos tornava meu disfarce ainda mais perfeito. Apenas os abastados usavam sapatos. Quando avistei um lugar pra dormir era seis a.m. e quando fui em direção a uma carruagem perguntando se iam partir, o velho senhor exclamou: "Vejo que veio tarde menino! Os pequenos de Rompení partiram ontem pela madrugada. Estamos a algumas horas e eu estou indo deixar o feno lá. Então, entre e durma um pouco, garoto." Entrei com um único gesto de agradecimento e dormi. Dormi até as oito da manhã.
As maiores loucuras são feitas pela madrugada, às quatro da manhã. Às quatro da manhã, eu vivi minha vida inteira... no resto das horas, eu apenas estive viva.

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