Encontro Aleatório... Ou Não
— Não acha que ele já dormiu demais, mamãe? — uma voz grave o fez despertar e ele percebeu que ela vinha de outro cômodo — Os membros do conselho querem explicações sobre o fato da senhora estar hospedando e cuidando de um estranho.
— Ora, Logan — Aurora respondeu, tranquila —, não é a primeira vez que isso acontece e da outra vez, também foi a Layka quem trouxe o enfermo e você sabe que ela nunca se engana quanto ao caráter de alguém.
— É o meu dever garantir a segurança do nosso povo, mamãe — o rapaz falou, com um tom sério e solene —, e o povo grande representa perigo para nós!
— Ah, querido, você está idêntico ao seu pai — ela disse com um tom maternal —, todo sério e preocupado, mas o Axis nem é tão grande assim. Com o seu pai o homem que Layka trouxe era bem maior e mais forte e ainda assim nos ajudou bastante, e você sabe disso. Além do mais, o Axis é só um garoto e estava bastante machucado, por isso está demorando mais para se recuperar.
— Que seja, mamãe — ele se deu por vencido —, ele precisa estar na Cachoeira da Verdade às dez da manhã, ou teremos problemas com o conselho. A senhora é a líder, mas devemos respeito aos anciãos.
— Pode ficar tranquilo, senhor general — ela disse, com um tom meio zombeteiro —, o nosso hóspede estará lá. Eu irei com ele para garantir isso. Você já tomou café? Acabei de passar, são os grãos da nova safra do seu tio que chegou ontem.
— Eu aceito, mas vou ter que tomar pelo caminho — o general respondeu —, tenho que acompanhar a graduação dos jovens recrutas.
— Pela Deusa, já temos graduados? — a mulher disse, admirada — É impressão minha ou estão adiantados?
— Tivemos uma excelente turma esse ano — Logan explicou, com um tom de orgulho na voz —, fortes e hábeis em vários quesitos!
— Como a sua turma foi! — Aurora o lembrou — Seu pai ficou tão orgulhoso quanto você está agora, talvez um pouco mais porque o filho dele estava entre os recrutas.
— Obrigado pelo café, mamãe! — ele agradeceu e antes de sair, gritou, provavelmente para que fosse ouvido lá do quarto — E trate de acordar aquele preguiçoso!
— Imagino que o preguiçoso sou eu — Axis disse, chegando da porta da cozinha, bem abaixado para não bater a cabeça no teto, que tinha um metro e setenta de altura apenas.
— Não ligue para o Logan! — a mulher pequenina respondeu com um sorriso radiante ao vê-lo bem disposto — Tome cuidado com a cabeça na porta e venha. Eu preparei um bolo de cenoura e fiz café, você precisa se alimentar bem!
— Eu nunca comi bolo de cenoura ou tomei café — ele disse, se abaixando ainda mais para passar pela porta e se aproximando da mesa. O cheiro da bebida quente era forte e agradável e o bolo parecia macio e saboroso —, eu sempre procurei viver em vilas e comunidades mais pobres, onde precisavam da minha ajuda e quando os ajudava ao menos um pouco, partia para outro lugar, a fim de fazer o mesmo.
— O café, geralmente é um produto caro mesmo — ela começou a dizer, enquanto lhe servia a bebida quente em uma xícara —, mas o meu irmão, que é um pouco mais alto que nós, tem uma fazenda no vale de Gleann Torrach, onde o terreno é propício para o café e para vários tipos de legumes também. Ele fornece para as grandes cidades e sempre manda uma parte para mim.
— Minha nossa — Axis exclamou, ao tomar o primeiro gole —, o gosto é forte, mas parece que, aliado à temperatura, é reconfortante para o corpo.
— Melhor descrição de beber café que eu já ouvi — Aurora disse, rindo —, agora coma do bolo!
— É uma delícia! — ele exclamou, com os olhos brilhando, assim que deu a primeira mordida — Fica melhor ainda quando combinado com o café!
— Que bom que gostou, querido — ela disse, orgulhosa, servindo-se também de bolo e de café —, coma à vontade!
— O Logan falou sobre o conselho e sobre a cachoeira da verdade — o jovem comentou, enquanto comia —, isso soa um pouco intimidador.
— Não é nada demais — a mulher o tranquilizou —, só um bando de velhos que gostam de achar que a opinião deles tem mais importância do que tem de verdade. E você vai adorar a cachoeira, é lindo lá. Essas montanhas que nós habitamos, é cheia de grandes galerias que foram moldadas pelas águas há muitos anos e a Cachoeira da verdade é uma queda d'água altíssima e volumosa que cai sem parar o ano todo. Usamos o grande salão que se formou com a ação da água para tomarmos decisões importantes e eles acham que o aparecimento de pessoas grandes no nosso território é sempre motivo de alerta.
— O máximo que vão fazer é te dar um prazo para você ir embora — ela completou, sorrindo —, então pode ficar tranquilo.
Após o café, eles saíram da casa e Axis pode esticar totalmente o corpo. As pequenas casas estavam dispostas em um vão entre as montanhas, que só podia ser acessado pelo topo das altíssimas montanhas ou por galerias abertas no interior delas. Era uma área muito grande com centenas de casas e os Bheags viviam como os humanos viviam em suas vilas, fazendo as suas tarefas diárias. A única coisa que destoava ali era ele e todos olhavam para ele enquanto passava, com curiosidade e medo. Aurora lhe disse que, por serem pouco ameaçados, os Bheags volta e meia tinham que organizar a criação de novas comunidades em outros lugares, por isso, alguns soldados saíam em expedições, à procura de lugares propícios para criar colônias e, quando encontravam, se instalavam e começavam a buscar nas comunidades indivíduos interessados em se mudar para lá. Existiam três grandes colônias Bheag em Ridirean, além desta onde estavam, e algumas em outros reinos, todas tão bem organizadas como aquela, mas eles eram os únicos a desenvolver o Compairtiche com os lobos gigantes, sendo que nas outras colônias eles criaram essa ligação com outros animais da região para onde foram.
Axis ficou admirado com o fato deles ficarem longe dos olhos dos homens, já que deviam ser tão numerosos ou até mais numerosos que eles e tinham uma organização militar poderosa. Ele não era rei, mas imaginava que importava aos reis saberem que tinha um povo tão populoso vivendo em suas terras. Como se lesse a sua mente, Aurora disse que os reis sabiam da existência deles, mas existia uma espécie de pacto, onde eles não colonizavam montanhas que tivessem minerais ou metais preciosos, então, os expedicionários beaghs que encontram montanhas do tipo, avisam o rei imediatamente, assim, os reis acumularam e acumulam muita riqueza para manter a existência deles em segredo. Chegando à entrada de uma caverna, eles começaram a descer uma escadaria rumo ao centro de uma das montanhas. O corredor das escadas era iluminado por tochas e fazia uma trajetória circular, sendo que após um tempo de descida, ele pôde escutar o barulho cada vez mais alto da cachoeira e, após uma curva, viu o clarão que parecia ser do sol.
O pátio da Cachoeira da Verdade era magnífico. Axis não fazia ideia de que era possível ter uma galeria tão espaçosa dentro daquela montanha. As cadeiras onde os anciãos do conselho estavam sentados, pareciam ter sido entalhadas na pedra, e ficavam do lado contrário da cachoeira, que caía do topo da montanha, com um volume incrível, provavelmente vinda de algum rio formado por várias nascentes no topo das montanhas, o que fazia com que a água que caía ali, fosse tão pura. De trás das cadeiras, outra escadaria descia, provavelmente para a lagoa que a cachoeira formava aos pés da montanha. Aurora caminhou com ele até o centro da galeria, ficando de frente para os olhares inquisidores dos anciãos. Nas duas extremidades, alguns soldados estavam dispostos em posição de sentido, ao lado de seus lobos, e se aproximando do centro, ele viu Layka e o Beagh que ele sabia se tratar de Logan.
— Se apresentando perante o conselho, a nossa líder, Aurora Gideon e Axis, o seu hóspede do povo grande, poupado e resgatado por Layka — Logan disse e Layka arfou e uivou, abanando o seu rabo, assim que ouviu o seu nome —, deixo a palavra com os anciãos do conselho.
— Você não é humano, meu rapaz — a anciã que parecia ser a mais velha dentre eles tomou a palavra, pegando os outros de surpresa —, nossos ancestrais contavam que costumavam receber a visita de criaturas místicas, mas isso foi antes de se mudarem para os reinos orbitais. Nos diga o que você é.
— Eu mesmo não sabia até a Aurora me falar — ele começou a dizer, humildemente, enquanto retirava a camisa e um colete que usava por baixo, revelando os três pares de asas que escondia em suas costas —, eu fui adotado por uma mulher humana e ela me ensinou a escondê-las para não escandalizar as pessoas.
— Um fada! — a mais velha dos anciãos disse, com um sorriso — Isso facilita o nosso trabalho aqui, já que sendo uma criatura mística, não é amigo das pessoas grandes, tanto como nós e, por isso, estava sendo perseguido. Desta forma, nós do conselho devemos aceitar dar-lhe asilo até que se sinta pronto para ir, já que nos orgulhamos de ser um povo pacato e justo.
Os outros membros do conselho aceitaram a palavra dela e começaram a deixar o salão, com a ajuda dos soldados e de seus lobos. Axis não tinha visto, mas em um canto perto da escada que eles desceram, tinha uma plataforma presa à um cabo, que subia mecanicamente de volta à vila, sendo um modo mais fácil de ir e voltar dali. Principalmente para os mais velhos e cansados. A anciã que falou por todos, caminhou até eles, que permaneciam no salão, assim como Logan e Layka, que estava encantada com as asas do jovem.
— Obrigada, mamãe — Aurora disse, abraçando a mais velha e beijando-lhe as mãos —, a senhora é sempre muito sábia.
— E sempre endosso as suas decisões — a senhora disse, sorrindo e passando a mão na cabeça da grande loba, completou: — e as de Layka também.
— Muito obrigado, senhora! — Axis disse, respeitosamente — Muito obrigado a todos vocês!
— Você é um rapaz muito bonito — a senhora disse, o examinando —, mas é muito fraquinho. O outro forasteiro que tivemos por aqui era alto e forte.
— Eu lembro que Lucius ficou morrendo de ciúmes dele, porque a Layka e você gostaram dele — a anciã continuou, agora olhando para Aurora —, e dizem que ele apareceu peladão.
— Vovó! — Logan a repreendeu enquanto Aurora ria e Axis ficava vermelho de vergonha —, venha, vou levá-la para casa.
— Eu quero lhe mostrar outro lugar, Axis — Aurora disse e começou a caminhar, seguida por ele.
Eles desceram as escadas que ficavam atrás das cadeiras onde os anciãos estavam sentados. A escadaria desceu em espiral, por algumas curvas, até que eles chegaram onde ela queria. Um lago belíssimo de águas cristalinas, onde peixes coloridos nadavam tranquilamente. Nas paredes da caverna, placas minerais refletiam a luz do sol e iluminavam bem o local, o deixando ainda mais belo. No canto, onde a cachoeira caía, formava-se uma pequena correnteza que saía por uma fenda e formava outra cachoeira que descia até o vale lá embaixo. Uma grade foi colocada na fenda, por segurança e aquele pátio era um ótimo local para recreação. Axis contemplava o local com um sorriso no rosto, quando viu algo pesado, semelhante a um corpo, caindo junto com a cachoeira e depois boiar na correnteza e ser levado até a grade. Não demorou muito para que eles percebessem que se tratava realmente de um corpo e era de uma pessoa grande.
— Será que ele está vivo? — Axis perguntou, assustado ao ver que era um homem que estava boiando e sendo levado pela leve correnteza até a grade.
— Acho melhor tirarmos ele da água — Aurora disse olhando para ele —, se estiver vivo, não continuará por muito tempo.
— Eu não me dou muito bem com àgua — o jovem disse, sem jeito —, e ele parece ser bem pesado.
— Eu não posso entrar lá, tenho só um metro e dez de altura — ela disse, dando de ombros —, porque não usa o seu poder, um redemoinho pode trazê-lo para a parte seca.
— Eu vou tentar — ele disse e, se concentrando em seu poder, visualizou o fundo do pequeno rio e projetou seus ventos de forma circular ascendente, criando um redemoinho que trouxe o corpo do homem até perto deles.
— Ele está nu! — Axis gritou, olhando para o homem desacordado à sua frente.
— Exatamente como da outra vez — Aurora disse, tranquilamente —, é o outro forasteiro do qual a minha mãe estava falando mais cedo. Ele foi encontrado exatamente aqui por beaghs que estavam visitando o local. Meu marido Lucius era o general e apareceu aqui rapidamente. Eles iriam executá-lo, mas Layka acabou gostando dele e o levou até a minha casa, onde esperamos ele acordar. Como ele estava sem roupas e as nossas roupas eram pequenas demais para ele, demos apenas um pano para ele cobrir as partes e, por andar pela aldeia só com esse pano, ele ficou conhecido como Lomnochd, que quer dizer, pelado em linguagem antiga.
— Vamos levá-lo para a sua casa? — o jovem perguntou, já imaginando o trabalho de levar aquele homem nas costas pelas escadas.
— Desta vez não será necessário — o próprio homem disse, ficando de joelhos e com as mãos espalmadas no chão, enquanto tossia e cuspia a água que entrou em seu pulmão —, eu estou bem!
— Ah, graças à Deusa! — Axis exclamou, se vendo livre de todo o trabalho.
— Então você morreu outra vez? — Aurora perguntou, deixando Axis sem entender o que ela falava.
— Sim — o homem respondeu, levantando-se. Ele parecia não se importar por estar completamente nu, mas indo até uma fenda na parede, enfiou o braço e retirou algumas roupas, que vestiu —, me desculpe por terem que me ver nu, mas é sempre assim quando eu morro, as roupas não voltam comigo. Eu aprendi a magia espaço/temporal dos Elementais para episódios assim.
— Ah, eu não me importo muito de vê-lo nu — Aurora disse, dando de ombros —, mas essa magia parece ser bem útil.
— Como assim, sempre que você morre? — Axis perguntou, completamente perdido na conversa.
— Quem é o garoto? — o homem perguntou — vocês estão aceitando forasteiros agora?
— Ele estava fugindo de humanos e caiu em nosso território — Aurora respondeu —, Layka gostou dele e o levou para mim. Ele acabou de passar pelo conselho dos anciãos.
— Ah, Layka — o homem disse, com um sorriso —, que saudade daquela loba! Como Lucius está? Ele ainda está rabugento daquele jeito?
— Eu queria que estivesse, querido — Aurora respondeu, deixando cair o semblante —, mas ele caiu em batalha há alguns anos. Logan é o general agora e está com Layka.
— Eu sinto muitíssimo, Aurora — ele falou, mudando a sua expressão e, ajoelhando-se na frente dela, a abraçou carinhosamente —, ele era um grande sujeito e um grande líder!
— Está tudo bem — ela disse, sorrindo —, a morte é parte da vida do guerreiro. Acredito que você é o único que não respeita essa afirmativa.
— Quer dizer que você não morre? — Axis perguntou, ainda tentando entender.
— Isso não é coisa que se pergunte para quem você acabou de conhecer, rapaz! — o homem disse, olhando-o de lado — Mas vou te responder. Eu morro sim, só não continuo morto. Tudo se apaga e eu sempre acordo nu em algum rio ou lago. Só que parece, a vida começa na água, então o meu corpo se reconstrói em algum rio ou lago e recebe o meu espírito que se recusa a ir embora.
— Isso é incrível! — o jovem disse, admirado — você é humano?
— Sim — o homem respondeu —, e você é um fada. Por que estava fugindo de humanos? Não devia nem estar no meio deles.
— Ah, é uma longa história — Axis respondeu, meio sem jeito.
— Qual é, garoto — o homem disse, rindo —, por você estar aqui, do lado da Aurora, eu acabei de lhe contar algo muito pessoal. Ou você acha que eu saio por aí falando para todo mundo que sou imortal? Eu lhe contei isso porque eu confiei que você não vai contar para ninguém. Se você foi aceito pelos Beaghs, você tem a nobreza em seu coração.
— Mas eu era um ladrão — Axis respondeu, por fim —, existe nobreza no coração de um ladrão?
— Eu conheço ladrões, garoto — o mais velho disse, colocando a mão no ombro dele —, acredite em mim, pois eu falo como alguém que viveu muito e, sem te conhecer, eu posso dizer que você não é um ladrão.
Aurora apenas observava a conversa deles, enquanto Axis contava toda a sua história para o homem. Ela sabia que o jovem não poderia ficar com ela, então, aquele encontro ali, tinha sido mais que oportuno. Da outra vez que Lomnochd surgiu ali depois de morrer, também foi uma aparição oportuna, já que, assim que ele passou pelo conselho, uma harpia gigante quis fazer o seu ninho onde é a aldeia e, mesmo com a força que os beaghs têm, muitos morreriam para matá-la ou expulsá-la de lá, mas a solução que ele encontrou, foi ainda melhor do que essas — usando os seus gastos conhecimentos, ele domou o pássaro e o convenceu a fazer o seu ninho em outro clarão de montanha ao lado do que eles vivem, de modo que a Harpia passou a ser uma guardiã da aldeia, espantando novas ameaças. Pelo que ele fez pelos Beaghs, não precisaria passar pelo conselho novamente, muito pelo contrário, ele era querido por todos.
— Você roubou algumas coisas e se colocou em risco para ajudar outras pessoas, inclusive desconhecidas — o homem disse, após ouvir toda a história —, você foi heróico na minha opinião. Logo, você é um herói, não um ladrão.
— Você parece ter uma vida bem movimentada, senhor Lomnochd — Axis disse, sentindo-se mais à vontade —, já que morre com frequência.
— Eu não morro com frequência, Axis — o homem disse rindo —, se bem que foram duas vezes nas últimas semanas, mas vamos combinar uma coisa: Não me chame de Lomnochd, eu me chamo Voughan!l
— Mestre Voughan! — Logan exclamou assim que o viu.
— Veja como você cresceu! — o homem exclamou também, com a mesma empolgação — Eu soube do seu pai e sinto muito. Queria ter podido ajudar na batalha em que ele caiu, talvez poderia ter sido diferente.
— Está tudo bem, mestre — o pequenino disse —, o meu pai caiu como um guerreiro. Ele tinha um sorriso nos lábios quanto partiu e é um exemplo de coragem para todos nós.
— Mas o que aconteceu com o Senhor desta vez? — Logan perguntou curioso.
— Ao que parece, o que está acontecendo irá envolver todas as criaturas existentes — Voughan disse —, forças obscuras estão agindo para preparar a fuga do senhor das trevas, e eu tive a confirmação de que demônios estão trabalhando para corromper almas humanas e preparar o retorno dele.
— Devemos juntar os nossos exércitos então? — Logan perguntou, parecendo empolgado.
— Ainda não, meu amigo — o andarilho respondeu —, vocês são uma grande força do bem, mas a guerra ainda não é de vocês. É ótimo que estejam preparados e dispostos a lutar pelo bem maior, mas o melhor será se essa guerra não ocorrer e eu vou fazer o possível para isso.
Os instintos de Voughan fizeram ele se virar ao perceber que seria atingido, mas a sua perícia e sua força não foram capazes de evitar a queda quando o grande e pesado animal o atingiu, caindo sobre ele. Mesmo sob as ordens de Logan, Layka não conteve a emoção de ver o andarilho e começou a lamber o rosto dele, enquanto ele ria e passava a mão no pelo dela. Axis e Aurora observavam a cena rindo, em um momento de descontração que contratava com toda a tensão que as notícias que Voughan trouxe criaram. O andarilho disse que precisava ir para Rioghail, mas era melhor se alimentar primeiro, já que tinha acabado de voltar da morte, então os acompanhou no almoço, que foi organizado ao ar livre, com toda a aldeia, em comemoração pela visita de Lomnochd.
A tradição dos Beaghs era de muita conversa durante as refeições, então Voughan lhes contou as aventuras que teve nas últimas semanas, incluindo as suas duas últimas mortes. Axis ouviu tudo com um brilho no olhar. Ele não podia reclamar de emoções em sua vida, mas sempre sonhou em viver uma grande aventura, com batalhas e heroísmo de verdade, mas mesmo sendo habilidoso com furtividade, sabia que o seu corpo era fraco e isso seria um grande problema em batalhas corpo-a-corpo. A prova disso foi o modo como ele ficou indefeso na chuva e depois que rolou do barranco enquanto estava sendo seguido.
— Senhor Voughan — o fada chamou, meio tímido e receoso —, será que eu posso ir com você quando partir? Talvez eu possa ajudar em alguma coisa.
— Eu não sei, garoto — o homem respondeu, assumindo um tom sério —, eu costumo partir em missões sozinho, porque essa minha condição de voltar à vida depois de morrer, só se estende à mim. Não estou acostumado a ter que me preocupar com a vida de outra pessoa.
— Mas você contou que explodiu o Javali de Ouro para dar tempo das suas companheiras fugirem — Axis argumentou, lembrando da história que ele tinha contado minutos antes —, então você tem companheiros de missão.
— Exato — Voughan disse, olhando para ele —, ter companheiras resultou na minha morte.
— Não seja tão duro, Lomnochd — Aurora disse, rindo —, você mesmo disse que os eventos que estão por vir envolverão todas as criaturas e imagino que, se a missão for impedir o retorno de Dolghur, você precisará ir até os reinos orbitais. Axis merece conhecer o reino de Adhair e quem sabe não encontre um lar por lá. Durante a jornada você pode ensinar para ele algumas coisas sobre a magia do vento e sobre lutas corporais.
— É, rapaz — o homem levantou as mãos para o alto, vencido —, você tem uma ótima advogada. Espero que esteja pronto para voar daqui mais tarde, precisarei dormir por pelo menos duas horas quando terminar a refeição, me acorde nesse tempo e você poderá vir comigo.
Axis se empolgou com a possibilidade de ir com ele e, após esperar um tempo para fazer a digestão, foi até o espaço onde os Beaghs faziam seus treinamentos e começou a observar as diversas armas que eles tinham no arsenal. Pegando e experimentando cada uma, como se quisesse ver a qual delas se adaptaria, ele chegou a pegar espadas, maças, clavas, machados, outros, mas nenhuma delas parecia se encaixar em sua mão.
— Porque não tenta estas, garoto? — Logan disse, se aproximando sobre Layka, com um embrulho de pano nas mãos —, são lâminas élficas, fabricadas de uma liga de metal extremamente leve e incrivelmente resistente. Os formatos das lâminas e dos punhos são projetados para favorecer a velocidade e leveza do espadachim.
— São lindas! — o jovem exclamou, pegando o embrulho das mãos dele e retirando as duas espadas idênticas do pano — Se encaixam bem ao meu punho e são muito leves.
— São suas agora — o beagh disse, pulando das costas de Layka, que se sentou e o observou se aproximar —, mas você precisará aprender a usá-las, pois são tão letais quanto belas. Voughan é um espadachim habilidoso e me ensinou muitas coisas na última vez que esteve por aqui, aproveite ao máximo cada momento de aprendizado com ele e se tornará um grande guerreiro.
— Muito obrigado, mestre Logan — Axis disse, ajoelhando-se e abaixando a cabeça —, por tudo. À você e à Layka que me deram o voto de confiança e me trouxeram para cá.
— Quanto à isso, agradeça só à ela — Logan disse e riu —, eu teria deixado você morrer lá.
— Mesmo assim — Axis continuou, rindo também —, vocês são um povo solidário e gentil debaixo dessa casca grossa e dura. Espero poder lutar ao lado de vocês um dia.
— Se a guerra que Voughan está tentando evitar, acontecer, é provável que nós nos encontremos no campo de batalha — Logan disse —, isso se você estiver vivo até lá, é claro!
— Eu estarei — Axis afirmou, com um olhar obstinado e uma voz firme —, e vou te mostrar tudo o que eu aprendi. Você terá orgulho de mim, general!
— Uma coisa ainda me preocupa: — Axis disse, pensativo — Voughan disse que íamos voar daqui, a magia dele o permite voar também? Eu não sei se consigo voar daqui de cima, nunca tentei fazer voos de altitudes assim.
— Você se surpreenderia com o que ele pode fazer com magia — Logan disse, rindo —, mas não foi isso que ele quis dizer com "voar daqui".
— O que ele quis dizer então? — o jovem perguntou, confuso.
— Está na hora de acordá-lo — o beagh respondeu rindo —, em breve você saberá!
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