Capítulo 8

  A semana que se passou desde o nosso encontro no carro foi um tanto... frustante. Mamãe e papai não ficaram nada felizes com o meu sumiço. Não por eu não ter dormido em casa, mas por não ter falado nada. Michael até tentou me acobertar, falando que eu tinha ficado na casa dele, mas ele é péssimo em mentiras e mamãe, a melhor farejadora delas.

Ela tentou me colocar de castigo até o final do mês e acabamos discutindo feio. Mas depois de uma conversa com meu pai, que sempre foi mais coração mole, saí com uma punição mais leve: uma semana pegando os turnos noturnos na Cali's. Supriria a falta de Michael e daria um descanso para papai, já que eu passaria a fechar a lanchonete.

Quando eu contei para ele o real motivo do meu "sumiço", um garoto que eu estava gostando, ele ficou meio chateado por eu não ter falado nada antes. E, pra melhorar, ainda me fez prometer que se nós começássemos a namorar, eu teria que apresentá-lo para a família o quanto antes. Que maravilha.

Ao contrário do esperado, ter que trabalhar não me fez parar de ver Kyle. Pelo contrário, quase todos os dias daquela semana ele passou na lanchonete no final do meu expediente e me acompanhou na minha última meia hora de trabalho até a hora que eu fechava tudo. Ele até pegou a bicicleta de sua prima, Brionna, para me levar para casa. O carro fazia muito barulho e eu não queria ter que apresentá-lo para meus pais tão cedo assim.

Na sexta-feira, meu último dia de castigo, não foi diferente. Eu estava começando a limpar as máquinas de milkshake e de sorvete quando duas mãos fortes agarraram minha cintura e giraram meu corpo em 360°.

— Já disse que você fica linda de uniforme? — Kyle sussurrou no meu ouvido antes de tomar meus lábios nos seus, num beijo tomado de saudade.

— Senti sua falta ontem... — não prolonguei muito o beijo, evitando chamar tanta atenção, mesmo que os únicos clientes a essa hora eram um outro casal de jovens apaixonados.

— Ah, verdade, desculpa... — ele desviou o olhar por um momento, mas logo se voltou para mim de novo. Começou a brincar com uma mecha do meu cabelo preso num rabo de cavalo no topo de cabeça. — Tive que ajudar com uma coisa lá em casa.

— Tudo bem. — ignorei a vozinha da minha cabeça que desconfiou dele por um segundo e perguntei: — Sabe, amanhã eu estarei livre de novo... quer fazer algo?

— Mas é óbvio, babe. — foi a primeira vez que ele me chamou assim. Voltei a limpar as máquinas, tentando esconder o enorme sorriso no meu rosto. — Na verdade eu já estava planejando algo... mas é surpresa.

Reclamei, fazendo um biquinho como uma criança que acabou de ter seu pedido por mais doce rejeitado. Mas da última vez que ele me fez uma surpresa, o resultado tinha sido ótimo, então tudo bem.

Nos minutos que se passaram eu terminei de limpar as mesas, com Kyle me ajudando, fechei o caixa e apenas esperei dar a hora exata para poder trancar tudo. Ele me contava uma história de quando era criança e ficou preso pelas calças no topo de árvore, e eu gargalhava sem conseguir me controlar, quando a porta abriu. Senti o ar escapar do meus pulmões.

Michael entrou na lanchonete, quase que se arrastando. Estava ofegante, como se tivesse vindo correndo. Mas o que mais me assustou foi seu rosto: um olho estava roxo, o nariz sangrava e a boca estava meio inchada, e um corte no super cílio manchava a lateral de seu rosto de sangue. Não sei o que foi maior, o enjoo ou a minha vontade de chorar ao vê-lo naquele estado.

Saí do meu estupor quando vi Kyle passar por mim e segurar Michael pelos ombros, no exato segundo que suas pernas falharam e ele quase caiu.

— Michael... o que... o que aconteceu? — minha voz estava tão baixa que eu mesma quase não me escutei. Depois de trancar as portas, nós o levamos até a cozinha e o colocamos sentado numa cadeira. Kyle pegou gelo e algumas toalhas limpas.

— Eles surgiram do nada... — parecia que até falar era dolorido, então não o pressionei. Afastei seus cachos do rosto enquanto Kyle fazia um trabalho impecável em limpar os machucados, meu amigo mal reclamava.

— Já passei por isso antes algumas vezes. — ele disse, como se tivesse me escutado. Desviei o olhar, quase que com vergonha, assim que entendi.

Passamos uns cinco minutos daquele jeito. Eu segurava a mão de Michael enquanto ele retomava o fôlego, e não consegui prender algumas lágrimas silenciosas de rolar pelo meu rosto. Ele era meu melhor amigo, quase um irmão pra mim, e vê-lo naquele estado me fez querer trocar de lugar com ele.

— Obrigado. De verdade. — ele conseguiu murmurar depois que Kyle se afastou. — Mas... eu posso falar com a Summer agora? Só... só com ela.

— Claro, com certeza.

Ele me beijou e eu disse que pediria para meu pai buscar nos dois, assim ele não precisaria me esperar do lado de fora. Kyle sussurrou pedindo que eu o ligasse quando chegasse e lançou um último olhar preocupado para Michael, antes de sair pela porta dos fundos.

Meu amigo desceu da cadeira e arrastou as costas na parede até o chão, onde eu sentei do seu lado. Usei meu avental para cobrir o chão gelado já que a saia do uniforme era muito curta.

— Summer — sua voz estava embargada pelo choro que estava segurando. Meu peito apertou mais uma vez. — promete que nunca vai deixar de ser minha amiga?

— Mas que besteira, Lancaster. Eu nunca vou deixar de ser sua amiga, nunca. Por que está perguntando isso? Você fez algo de errado?

Comecei a ficar preocupada. Desviava o olhar entre o seu olho bom e o olho roxo, tentando descobrir o motivo daquela promessa. Michael foi o mais "inocente" entre nós, nunca fazia besteira e até mesmo quando começou a beber, falou com os pais antes porque não queria guardar segredo deles. Seja qual fosse o motivo que o deixou assim, não podia ser tão grave como ele estava fazendo parecer.

— Você sabe que eu nunca namorei, certo? — assenti com a cabeça. Ele encolheu as pernas e as abraçou contra o corpo, arfando pela dor que o movimento deve lhe ter causado. — E, ultimamente, vendo você e o Kyle... eu também quero isso pra mim, sabe? Você está tão... radiante, feliz. Está até mais bonita, se isso é possível.

Dei uma risadinha fraca e pus a mão em seu ombro, incentivando-o a continuar.

— Eu só queria isso também, me apaixonar. — sua cabeça pendeu para trás e eu vi que tinham marcas em seu pescoço também. — Já faz um tempo que eu me sinto... estranho. Os meus amigos falam que tendo amigas como você e a Sara, é quase impossível não sentir uma atração. E eu nunca senti. Então comecei a desconfiar... e percebi que na verdade... eu sentia atração por eles.

Senti minha boca secar. Michael era... gay? Deixei a mão cair sobre meu colo e encarei as unhas, ainda sem saber o que pensar. Mas o que eu pensava agora não importava, então voltei a olhá-lo. Ele tinha começado a chorar.

— Eu conheci um menino em uma festa, umas semanas atrás. Ele mora perto de mim, então a gente foi se aproximando. Eu disse que estava confuso, que era tudo muito novo pra mim... ele entendeu, falou que era pra irmos com calma.

Naquele momento entendi o por quê do meu pai ter ficado chateado. Michael contava tudo pra mim, mas eu conseguia entender o motivo dele ter escondido justamente aquilo.

— Então a gente decidiu sair hoje. Só ir comer, em algum lugar mais distante de casa. — seu choro tinha se intensificado, ele agora segurava os cabelos com força, como se tentasse arrancá-los. — Na volta... ele segurou a minha mão. E eu deixei. Ele só segurou a minha mão, Summer! Um grupo de imbecis viu, começou a gritar conosco, nos chamar de aberrações. Eu tentei fugir, fui covarde. Mas ele foi pra cima deles... só que seis contra dois não é muito justo, é?

Não deixei ele falar mais e o puxei para perto de mim, o abraçando com todas as forças que me sobraram depois de ouvir aquilo tudo. Ele chorou com a cabeça deitada no meu peito, chorou todas as lágrimas e angústias que lhe restavam, e eu acompanhei.

Como que, mesmo que por um segundo, eu cogitei pensar diferente de Michael? Ele gostar de homens não mudava nada, não deveria mudar. Tudo que ele queria era se apaixonar, viver um amor de verdade, como eu também talvez estivesse vivendo agora.

Amaldiçoei o universo naquela noite.

Ficamos naquela posição por uns bons minutos, até que senti a respiração de Michael se tranquilizar e suas mãos não apertarem mais meu corpo num abraço desesperado. Beijei o topo de sua cabeça e disse pra me esperar, que iria ligar para meu pai.

Fiz ele prometer que não perguntaria nada e perguntei se Michael poderia dormir conosco naquela noite. Assim que entramos no carro, ele nos olhou preocupado, mas não disse nada. Agradeci internamente pelo pai que tinha e comecei a pensar numa história para justificar o rosto todo machucado de Michael no dia seguinte.


— Isso explica bastante coisa. — Sara falou baixinho, depois de ouvir toda a história de Michael.

Estávamos os três sentados na minha cama em um círculo. Ele segurou minha mão com força durante aqueles instantes, temendo a reação de Sara. Mas a minha amiga realmente era incrível.

— Odeio que isso tenha acontecido com você. Eu juro, se pego aqueles caras...

Eu e Michael rimos. Sara era assim: sempre ameaçava, de longe parecia ser bem valentona, mas nunca tinha brigado de verdade. Mas se tivesse a oportunidade, ou se fosse realmente necessário, ela levaria e daria uns bons socos por aqueles que gostava.

Eu abracei o moreno mais uma vez e Sara nos cobriu depois, formando um belo abraço em grupo. Combinamos que ainda não contaríamos pra ninguém, até que Michael se sentisse seguro e confortável. Talvez demorasse um pouco e nós estávamos dispostas a esperar o quanto fosse necessário. Sara até disse que se passaria por namorada dele se precisasse. Típico dela.

— Olha, eu tinha combinado de sair com Kyle mais tarde, mas se você quiser eu fico aqui com você. — falei para Michael, totalmente sincera.

— Não, não mesmo! Já atrapalhei vocês ontem e você já me ajudou bastante.

Sorri para ele. Acho que só agora, desde ontem a noite, que eu consegui realmente relaxar. Meu peito estava leve outra vez.

— Então me ajudem a escolher uma roupa. Eu não faço a mínima ideia do que vamos fazer mais tarde! — pedi para os dois, que se levantaram de prontidão e começaram a vasculhar meu armário.

Sara estava meio quieta, mas acho que ela ainda estava absorvendo toda aquela situação. Eu também demorei um pouco. Quando chegamos na noite passada, Michael dormiu bem rápido por causa dos analgésicos que lhe dei. Por outro lado, fiquei uns bons minutos matutando na cabeça o que tinha acabado de acontecer. Michael é gay. Ainda soa um pouco estranho juntar essas palavras numa frase só. Mas era só questão de tempo. Eu falei também que queria conhecer o tal garoto e que queria ajudar nesse romance que estava rolando entre eles.

Mas nesse momento, eu estava focada no meu. E em qual roupa iria usar quando fosse vê-lo, em mais um encontro surpresa.

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