Capítulo 27 - Final
Em alguns momentos eu nem sabia mais por que estava chorando, apenas deixava que as lágrimas escorressem, como se tentasse esvaziar meu reservatório para que não chorasse quando o visse ir embora.
Kyle vai embora... às vezes ainda parecia uma ideia distante. Mas não. Ele vai voltar para casa, para a mãe que nunca conheci, para a faculdade que o aguarda, para os amigos que ouvi tão pouco sobre. Vai voltar para toda uma vida que já existia antes de me conhecer, e que ele quase deixou para trás. Por mim.
Chorei. Por pensar que se eu fosse um pouco mais egoísta talvez pudesse tê-lo feito ficar, ele disse que ficaria. Mas eu não me perdoaria, minha cabeça nunca se deitaria leve no travesseiro novamente. Mesmo que ele aceitasse, ainda teria que esperar quase um ano para tentar se inscrever nas faculdades daqui se nada desse certo. E até lá, como seria? Ele me veria estudar e trabalhar naquilo que amo, teria que arrumar um trabalho que talvez não gostasse, provavelmente se afundaria no sentimento de que sua vida estava parada enquanto a de todo mundo passava por seus olhos.
Não. Eu o amava demais para isso. E ele me amava ao ponto de arriscar até sua própria felicidade.
Chorei ao lembrar de todos os nossos encontros, por desejar que não tivessem sido tão poucos. Mas para os últimos meses, quando o tempo era um mero detalhe, tudo pareceu tão certo. Até mesmo toda a confusão naquele almoço, até mesmo isso pareceu certo. Depois, claro. Quando percebi que só tinha doído tanto porque eu gostava mais dele do que achava, do que parecia ser possível para apenas algumas semanas juntos.
Mas, depois do que pareceu uma parcela da eternidade, meu peito não apertava mais. Encarei os desenhos no meu teto, as estrelas pintadas sobre a tinta escura para que se parecessem o máximo com o céu lá fora. Sorri com os olhos marejados, a visão embaçada de alguma forma deixava mais real, lembrando do nosso primeiro beijo e da noite passada. Acho que seria para sempre minha lembrança preferida, de quando o mundo parou por alguns segundos para que nossas bocas finalmente se encontrassem.
Lembrei do céu no dia em que fomos ao cinema a céu aberto, onde nos beijamos até que o filme começasse, nossos corpos pareciam ansiar um pelo outro. Não estava tão estrelado, as luzes da tela gigante ofuscavam um pouco o brilho delas, mas o dos olhos dele nunca diminuiu.
Até que senti o nó voltar ao pensar que não veria mais aqueles olhos castanhos que me prenderam desde que os vi pela primeira vez. Não sorriria ao vê-los quase se fecharem quando Kyle sorria, não sentiria as borboletas no meu estômago quando ele me olhava como se pudesse me despir apenas com o pensamento. Talvez pudesse mesmo.
Não dividimos a cama muitas vezes. O sofá de outras pessoas, o banheiro e o banco de trás do carro, sim. Sempre fantasiei minha primeira vez do jeito mais clichê possível: pétalas de rosa pelo quarto, velas deixando-o a meia luz, talvez alguma música romântica no fundo. Se me dissessem que seria no sofá de uma cabana de ferramentas, com as roupas encharcadas, a chuva caindo agressiva do lado de fora, eu riria.
Dou risada hoje pensando que não poderia ter sido mais perfeito.
O relógio já marcava 03:28 quando desisti de rolar na cama tentando achar uma posição para dormir, e quando franzi o cenho achando estar ficando louca. Mas aconteceu de novo. Um "tec" na minha janela, seguido de outro. O terceiro veio mais forte e eu saltei do colchão. Não sei que tipo de emoção me preencheu quando o vi segurando um punhado de pedrinhas na mão, e do jeito que Kyle sorriu quando finalmente me viu.
— O que está fazendo aqui? São três da manhã!
— Posso entrar primeiro e depois você pergunta? — revirei os olhos com a petulância, e o chamei com um aceno acelerado das mãos.
Fiquei de tocaia certificando que nenhum vizinho com insônia visse a cena do meu namorando escalando a árvore ao lado da minha janela e então passando pela mesma no meio da madrugada. Ah, céus, eu o amava tanto.
— Kyle... — minha voz falhou enquanto ele tirava os sapatos e então fechava a janela devagar.
— Eu só queria... precisava te ver mais uma vez.
— Mas eu vou até o aeroporto com você amanhã. Na verdade mais tarde.
Ele revirou os olhos, suas mãos me puxavam para perto.
— Você me entendeu.
Eu sorri. Meus olhos ardiam com a força que eu fazia para não chorar de novo. Sei que ele percebeu que estavam vermelhos, seu rosto também parecia meio inchado. Mas não falamos nada, deixamos que nossos lábios conversassem por si quando se juntaram, quando seus braços me acolheram num abraço capaz de me fazer desmoronar.
Caminhamos aos tropeços até minha cama. Ele tirou minha blusa quando sentei em seu colo, eu tirei a sua, suspirando com a visão que não me acostumei, que nunca me acostumaria. Não deixamos que nenhuma distância se formasse entre nós, da mesma forma que nossas bocas não se separavam, suas mãos não deixavam que eu me afastasse. Meus seios roçavam em seu peito nu enquanto seus dedos faziam linhas preguiçosas em minhas costas, minhas costelas, meu quadril.
Suspirei pela última vez quando sua língua encontrou a pele sensível do meu pescoço, quando seus beijos me arrepiaram na trilha que ele fazia até meus ombros. Gemi pela última vez quando ele se deitou sobre mim e me preencheu, os lábios pressionados segurando os próprios ruídos. Tentei não pensar que não o sentiria mais daquela forma, que não sentiria mais seu cheiro ao afundar o rosto em seu pescoço enquanto ele se movia dentro de mim, enquanto me fazia ver estrelas que não eram as pintadas em meu teto.
Tentei não pensar que conseguia sentir cada emoção saindo de seus poros, que ele pensava o mesmo que eu, que nossos gemidos abafados não continham apenas prazer, mas uma saudade antecipada, raiva, amor. Deixei que apenas meu corpo respondesse quando nos desfizemos pela última vez.
Também não falamos muito nas horas que se passaram, mas nos recusamos a dormir. Não parecia certo falar que sentiríamos saudade, que se as coisas fossem diferentes não precisaríamos nos despedir, que queríamos que fosse diferente. Já sabíamos disso tudo. Preferi aproveitar seu calor, sua respiração sincronizada com a minha, a sensação de que era apenas um dia normal, uma noite normal. Que amanhã acordaríamos e faríamos planos de ir a praia ou a alguma festa com meus amigos. Que eu faria uma tour pela cidade com seus irmãos como fiz com ele. Era essa a sensação que eu lembraria, de que estava tudo certo. Sei que ele também preferia, que ele também se lembraria de nós assim.
Não era só pelo sexo. Não, quando estávamos juntos era muito mais que isso. Nunca pareceu apenas sexo, mesmo quando o fazíamos em um lugar inusitado, levados pelo desejo que nos consumia no momento. Era a adrenalina, o sentimento que podíamos tudo lado a lado, a excitação de nos sentir simplesmente jovens apaixonados e inconsequentes, mesmo quando tudo ao nosso redor tentasse nos impedir de sermos esses jovens. Kyle me fazia sentir isso tudo, e eu o lembraria assim.
Lembraria de quem eu era com ele, e sorriria. Sem arrependimentos, sem mágoas. Apenas amor.
Papai deixou que eu pegasse seu carro emprestado, e pensei que seria mais difícil do que realmente foi dirigir até o aeroporto. Nós cantamos todas as músicas que tocaram na rádio, rindo das nossas performances, algo que se tornou algo tão nosso quanto encontros na praia, tentando não pensar que aquela era a última vez. Sua mão não saía da minha coxa, mas não tinha malícia, apenas carinho. Eu sorria toda vez que seus dedos me faziam cócegas. E ignorei o vazio que ficou ali quando ele a tirou para sair do carro.
Ele levava apenas a mochila que ajudei a arrumar, seus irmãos iriam com o resto depois. Andamos de mãos dadas até a área de embarque, o limite que eu poderia ir. Admirei o esforço que fiz ao evitar que meus olhos marejassem quando nos abraçamos, e quando Kyle me beijou. Seus dedos acariciavam minha bochecha, meu peito apertou com a ternura que ele passou naquele simples ato.
Não chorei porque quando olhei ele se afastar não vi o garoto que amava ir embora, vi ele tomar o caminho para conquistar o mundo. O seu mundo, depois de conquistar o meu.
Meu coração batia estrondoso, não sei quanto tempo sustentaria o sorriso sem que meus lábios falhassem, mas consegui ser forte. Minhas mãos no bolso de trás da calça escondiam meus dedos inquietos, como eu já sentia a falta dos dele entrelaçado a eles.
Ele parou antes de passar pelo portão. Assim como no dia que nos conhecemos e eu olhei para trás antes de entrar na escola, ele olhou para trás. Assim como ele me olhava, não desviei por nem um segundo. Assim como eu sorri, Kyle sorriu quando nossos olhos se encontraram pela primeira vez. Pela última vez.
Kyle apenas viu a carta quando o avião decolou. Os movimentos bruscos da aeronave fizeram com que o papel escapasse do bolso da mochila, a única coisa capaz de tirar sua atenção do medo que o consumia. Odiava altura, odiava não conseguir entender como algo que pesava toneladas se sustentava no céu e simplesmente não caía.
Mas, assim que estava estável e sua respiração controlada, tomou o papel nas mãos. O nome dela estava escrito como remetente, mas em nenhum momento ele achou que fosse de outra pessoa.
Pensou se talvez não devesse abrir só quando chegasse em casa, ou quando tivesse coragem de encarar a realidade que ainda insistia em não aceitar. Mas a ansiedade nunca deixaria. Então ele abriu o envelope com todo o cuidado, tentando preservar cada pedacinho dela, mesmo que fosse um pedaço de papel.
Kyle teve que piscar para afastar as lágrimas que tentaram transbordar apenas com as primeiras palavras. Mas seu sorriso apenas crescia conforme lia, conseguia escutar sua voz, o jeito que falava mais rápido quando ficava nervosa, a risada presa na garganta que deixava sua voz um pouco mais fina, mais animada. Nunca pensou que a conhecesse tanto, e que amasse tanto cada parte.
"Meu amado Kyle Griffin,
não gosto de começar cartas com "querido". Você é querido por mim, mas é muito mais que isso. Desculpe se eu enrolar muito, não planejei o que escreveria. Nem planejei que escreveria, mas precisava encontrar uma forma de falar tudo que meu peito grita toda vez que te vê. Tudo que eu não conseguiria falar em voz alta, talvez por vergonha, talvez por saber que começaria a chorar depois da primeira frase.
Entendo esse choro como uma forma do meu corpo de transbordar. Seu amor me transborda, Kyle. Tem vezes que me sinto cheia, de uma forma que chega a doer, e preciso colocar pra fora. Então eu choro pensando em como tive sorte de ter você. De te conhecer, de compartilhar um pouco da vida ao teu lado. Uma vida que foi rápida, leve, mesmo que com algumas turbulências (espero que você não passe por elas no avião). Uma breve vida que foi o suficiente para me fazer feliz como jamais fui.
Sinto muito por talvez não ter conseguido expressar como você foi e como vai sempre ser importante pra mim. Peço desculpas se por algum infame momento você talvez tenha duvidado do que sinto, ou se já te dei motivo por isso, porque, Kyle... é impossível colocar num pedaço de papel tudo que meu coração bate por você.
Cada momento que passamos juntos foi mágico, todos mesmo, até o último deles que não aconteceu ainda, mas que tenho certeza que lembrarei como mágico também. E por isso, e por tanto mais, queria te agradecer. Queria te agradecer por adicionar mais luz à minha vida, uma luz que apenas seus olhos conseguiriam trazer. Por fazer com que esse verão fosse mais marcante do que eu poderia imaginar. Por me fazer enxergar uma versão melhor de mim, que farei de tudo para que não se perca quando você voltar para casa. Por ser você.
E acima de tudo, eu queria te agradecer por me apresentar o amor. O amor de verdade, que é puro, apesar de tudo. Que prevalece sobre qualquer coisa que possa tentar apagá-lo. Você foi meu primeiro amor, Kyle, e por isso sempre serei grata à você. Não importa onde esteja, lembre-se que sempre terá meu coração.
Esses meses com você foram os melhores da minha vida, e eles vão ficar pra sempre na minha memória. Não foi apenas um verão, foi o verão em que conheci você. O verão que amei o cara que quase me matou no meu último dia de aula. (Acho que nunca fiquei tão feliz por quase ter sido atropelada.)
Não sei se vamos nos encontrar de novo, talvez a vida de um jeito de fazer a gente se esbarrar mais uma vez. Mas se não acontecer, tudo bem. De verdade. 90 dias foram o suficiente para que você tomasse um lugar no meu coração que ninguém vai substituir.
Obrigada pelos nossos dias finitos, mas que foram infinitos enquanto duraram.
Com amor,
seu pequeno pedaço do verão,
sua Summer."
"Os amores de verão terminam por todo tipo de motivo. Mas, no final das contas, têm algo em comum: são estrelas fugazes. Um instante grandioso de luz nos céus, uma visão momentânea da eternidade, que, num abrir e fechar de olhos, se vão."
— Diário de uma Paixão.
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