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— me sinto num filme de terror. —  changbin murmurou olhando para chan se movimentando ao seu redor atrás de um isqueiro para acender as velas que ele tinha achado em uma das gavetas da cozinha.

A dupla já tinha se trocado, revisando quem ficaria na porta do banheiro segurando a lanterna enquanto o outro se banhava. Chan até mesmo havia esquentado água para o menor se banhar, levando em consideração que ele tremia fervorosamente pelo frio. Temeu que o menino estivesse tendo algum tipo de primeiro estágio de pneumonia — embora não soubesse se continha realmente uma primeira fase, só estava preocupado com o mais novo. Agora, o azulado estava quentinho e de roupa trocada, sendo persuadido a usar uma das roupas do bang ao invés de se manter com suas antigas vestes ensopadas. Tinha sido outro longo processo para convencer o menor a vestir um dos seus casacos, teve que ouvir meia hora de resmungo até o rapaz de fios azuis se convencer a se trocar.

— por que não um romance? — chris indagou, observando de soslaio o menor enrugar a testa, desgostoso.

— não estamos em um conto de fadas.

— com medo de admitir que eu daria um ótimo príncipe encantado? — o lançou uma piscadela.

— tá bom, sapo da Tiana, acha logo esse isqueiro ou fósforo, tanto faz. Só adianta. — deu um empurrãozinho no ombro do bang.

Chan riu, acendendo o cotoco miúdo de vela que achou entre suas coisas com o isqueiro que encontrou pelas gavetas do armário. Estava realmente precisando organizar aquele lugar.

Com changbin em seu encalço iluminando o ambiente com a lanterna do telefone que aos pouquinhos ia perdendo a bateria, chan chegou até a sala e colocou a vela em cima de um piris, impedindo que o contato da vela queimasse diretamente a mesa de centro feita de madeira polida que sua mãe tanto gostava. O azulado desligou a luz quando a vela oscilou sua claridade fantasmagórica pelas paredes da enorme residência. Chan ocupou a lateral, sentando-se ao lado do menor, a chuva lá fora caia como pequenos pingos ruidosos no teto de gesso. O silêncio entre eles não era esmagador, mas deixava o ruivo nitidamente inquieto. Queria dizer algo, chamar atenção do baixinho, escutá-lo pelo menos murmurar daquele jeito meio rude de sempre.

— você não consegue ficar quieto? — o azulado indagou, fitando o australiano remexendo os joelhos pra lá e pra cá, esbarrando de propósito nele. — queria ligar para minhas mães, elas devem estar preocupadas. — chan no mesmo instante mirou em changbin, o vendo encolher os ombros e encostar no sofá que os servia como encosto.

— meu celular tá sem bateria. — tentou ligar a tela do aparelho em cima da mesa de centro, o vendo completamente apagado. Tinha esquecido de colocar no carregador antes de sair para jantar com o menor. — o seu deu perda total mesmo? — olhou para changbin novamente, que assentiu vagamente. Por conta da tempestade que pegaram, o celular do azulado acabou queimando, apesar de prometer aguentar água. — vou te comprar outro, prometo. Foi minha culpa que ele tenha parado de funcionar.

— relaxa, ruivo. Depois vejo o que faço, é só um celular de qualquer forma, a maioria das minhas coisas ficam na nuvem, consigo recuperar. — chan assentiu.

Mais uma vez, eles ficaram em silêncio, porém desta vez chan decidiu ficar quieto e observar ao redor. Dentro de alguns minutos, os suspiros entediados de changbin se tornaram auditivos, chamando atenção do rapaz ao seu lado que contava quantas infiltrações teria que resolver após toda aquela chuva.

— quer brincar de um jogo? — a súbita proposta do azulado fora capaz de tirar chris do seu limbo de pensamentos, ele o olhou de canto, à espera que prosseguisse. — cada um faz uma pergunta, e o outro tem que responder com sim ou não.

— okay, parece legal. — virou-se para changbin. — quer começar?

— você já bebeu ao ponto de passar um dia inteiro de ressaca?

— não. — changbin não pareceu muito convencido, a forma como ele enrugou a testa sempre denunciava isso. — o que? É verdade. O máximo que já bebi foram duas caipirinhas no aniversário do minho no ano passado. Sou meio fraco pra bebida e te garanto que não sou um bêbado muito agradável, mas nunca fiquei de resseca.

— tudo bem, me convenceu. — ele parou de enrugar a testa. — agora é você.

— você acredita em vida extraterrestre? — changbin o fitou como se ele estivesse ficando maluco. — vai me julgar até nas minhas perguntas? Que homem difícil de agradar. Quer que eu te pergunte algo mais vergonhoso? Tipo, já dormiu com alguém que não tomava banho a um bom tempo e quando vocês foram transar parecia que tinha um animal morto dentro da calça dela? — o azulado aparentou estar horrorizado por um instante mas logo irrompeu em risadas, tanto que ele se escorou no bang por se sentir mole demais para manter uma postura. — que fique claro que essa história é do felix, não minha. — esclareceu, cedendo a risada alta e esganiçada do menor. Ele era realmente fofo todo coradinho tendo uma crise de risos, tanto que chan não sabia se o admirava ou acompanhava.

— imagina que situação constragedora. — ele ainda estava encolhido no ombro de christopher enquanto se recolocava nos eixos. — e sobre as duas perguntas, sim e com certeza não. Não sou esnobe o suficiente para achar que em um universo tão grande só exista a gente de seres pensantes e com um intelecto aceitável. E eu nunca fiquei com alguém ao ponto de descobrir se ela tava fedendo como um animal morto. — changbin se ajeitou do seu lado, afastando-se minimamente do seu corpo. Chan quis puxá-lo para seus braços novamente, no entanto guardou isso para si mesmo. — agora sou eu.

— me surpreenda.

— vou mudar um pouco as regras, uma pergunta e você responde a primeira coisa que vier na cabeça. — chan balançou a cabeça, esperando que ele começasse. — uma música.

— Eventually, do Tame Impala.

— um animal.

— coelho.

— seu tipo de contato físico preferido.

— andar de mãos dadas.

— agora é você. — changbin se virou, cruzando os braços para se aconchegar do frio.

— comida preferida. — chan começou.

— ensopado de carne da minha mãe.

— uma banda.

— system of a down.

— você gosta de abraços?

— sim, mas só de pessoas específicas.

— eu tô entre elas? — o azulado o olhou analítico, dando uma risadinha diabólica em seguida.

— você tá carente, ruivo? — se aproximou perigosamente do maior, usando uma mão para se apoiar no sofá e tentar se impor ao australiano, flexionando os joelhos no chão para se erguer. Chan recuou de imediato, assustado pela repentina atitude de changbin.

— eu... ahn… você tá me assustando. — se encolheu num cantinho, o coração batendo no pescoço e as mãos suando, apesar do frio que a chuva trazia.

Changbin riu mais uma vez, talvez um pouco mais alto do que gostaria. Ele afagou o cabelo flamejante do mais velho e voltou para seu lugar em seguida.

— o que foi isso agora? — changbin indagou ainda rindo.

— tenho medo de homem bonito. — admitiu com certo drama, executando toda uma cena melodramática ao colocar uma mão na testa e outra no peito, como se estivesse assumindo seus pecados.

— você é um idiota de carteirinha.

Chan voltou a se encostar no sofá, agora sem medo de encarar changbin. Por um segundo pensou que iria entrar em combustão pela aproximação repentina do azulado, mas tudo não passava de uma provocação, como as outras que ele já havia feito. Não soube até que momento eles ficarem juntos na sala de estar, porém chan deduziu que já era tarde demais para ficar apenas sentado naquele chão frio esperando a energia voltar. Ninguém iria ajeitar o poste de energia queimado a essa hora da madrugada e com toda aquela tempestade. Ele fitou o azulado ao seu lado, ele brincava silenciosamente com a vela, tentando apagar sua chama usando o polegar e o indicador, mas falhando propositalmente.

— você acha que ainda hoje vão ligar a energia? — changbin novamente puxou assunto, para surpresa do bang que não imaginava que ele podia ser tão comunicativo quando queria.

— provavelmente não. — disse, o vendo bocejar coçando os olhos. — quer deitar? Você pode dormir no meu quarto, tô sem sono, vou ficar um tempinho aqui.

— você não dorme? É o que, um vampiro em ascensão?

— sofro de insônia, marrentinho.

— não comigo aqui. Anda, levanta. — changbin ficou de pé, o puxando pelo braço para levantá-lo também. — traz a vela, a gente vai pro porão. — ditou, indo em direção ao local sem esperar pelo rapaz.

— você realmente não quer dormir no quarto? É mais confortável. — tentou argumentar, mas ainda fez o que foi pedido, pegando a vela com cuidado pelo piris, acompanhando changbin até o corredor que levava ao porão.

— seria estranho. — changbin disse. — e eu não me sentiria confortável. Melhor no porão, a gente sempre tá junto lá com a banda, me deixa um pouco mais seguro.

Decidiu não questionar, vendo que o menor não parecia muito à vontade, somente o seguiu até a portinha do outro cômodo, indo na frente para iluminar o local. Já no andar do subsolo, chan procurou por um lugar alto para deixar a vela, assim podia clarear melhor o porão sem encostar nada que pudesse gerar um incêndio. Coisas inesperadas sempre aconteciam com ele, então preferiu não arriscar sua má sorte. Chan ajeitou as grandes almofadas coloridas que ficavam no canto de maneira que pudesse acomodar os dois. Changbin permaneceu sentado atrás da bateria, meio encolhido pelo frio que fazia. Se no andar de cima já estava frio, no porão parecia mil vezes pior. Depois de terminar de organizar as coisas para eles deitarem, chan buscou o cobertor que sempre usava quando dormia por ali, o jogando em cima do amontoado de almofadas e travesseiros. Parecia no mínimo confortável, de certa forma.

— primeiro os mais novos. — inclinou um pouco a coluna, como um guarda real deixando sua majestade passar.

O azulado riu pela brincadeira do outro, se levantando com preguiça.

— muito gentil da sua parte. — retribuiu o sorriso do ruivo, se deitando com cuidado, indo para o canto, perto da parede.

Chan pegou o cobertor, balançando ele antes de colocar com cuidado sobre o seo. Changbin o olhou por um instante, logo se aconchegando no cobertor que emanava o perfume doce do bang. Chan se deitou em seguida, com cuidado para não afastar as almofadas e machucar o menino ao seu lado. Meio acanhado, ele puxou o restante do cobertor, ficando numa distância confortável do seo para não deixá-lo desconfortável.

Em silêncio, os dois se encararam através da luz oscilante da vela um pouco longe de onde eles estavam. Chan observou com preocupação o menor se encolher mais uma vez quando outro trovão soou estrondoso. Com cautela, o ruivo pousou a mão no ombro do menor, afagando com cuidado aquela área usando a extensão dos dedos e a palma, acariciando devagar enquanto o olhava com zelo.

— você tem medo? — indagou, a voz cheia de atenção.

— não, o barulho me pegou desprevenido. — ele não mostrou depreciação pelo toque de christopher, ao contrário, apenas se aninhou melhor sobre sua carícia singela, escondendo metade do rosto usando o lençol.

Chan se arrastou devagarinho para perto, ainda hesitado, continuou com o carinho, tentando mostrar ao menino que estava tudo bem. Changbin bosejou mais uma vez, e o ruivo deixou um sorrisinho despreocupado escapar. Ele parecia tão confortável deitado do seu lado.

— por que você mora sozinho numa casa tão grande? — aquela pergunta deixou christopher sem palavras por um momento.

Tinha várias justificativas pra isso: podia dizer que era porque gostava do local, ou que a casa fora uma herança de algum familiar importante, tipo um avô falecido ou um tio ricaço. No entanto, fitando aquele par de olhos semelhantes a obsidiana, fora impossível mentir. Não queria desabafar suas dores a changbin, era um problema só seu, deveria lidar com isso sozinho. Mas, era inviável mentir perante aquele rapaz bonito deitado na sua frente, não quando ele o olha dessa maneira tão genuína e pura. Chan podia contar até seus piores segredos se changbin se mostrasse interessado, e isso significava admitir que odiava seus pais as vezes por tê-lo deixado sozinho durante sua adolescência e vida adulta, sem suporte ou estrutura psicológica para seguir algum caminho.

— é a casa dos meus pais, não posso ir embora. — expôs, descendo sua mão pela extensão do braço do menor, dedilhando as curvas do seu bíceps bem trabalhado e indo até o cotovelo, num vai e vem cuidadoso.

— não pode ou não quer? — chan desviou a atenção, impacaz de responder. Nem ele mesmo sabia porque ainda não foi embora, poderia facilmente alugar um apartamento menor ou até morar nos dormitórios da faculdade, mas permanecia naquela casa que sugava suas energias gradativamente, como um dementador do Harry Potter. — desculpa a pergunta, mas eles morreram? — changbin se mostrou realmente preocupado naquele instante, e o ruivo não conseguiu evitar a breve risada sem sentido.

— não, gatinho, eles não morreram. — torço que não. Completou em pensamento, querendo afugentar aquela ansiedade que sempre vinha quando pensava demais sobre a condição dos seus pais O azulado soltou um suspiro aliviado.

— você sabe onde eles estão?

— não faço a menor ideia. — admitiu. — mas tenho certeza que eles estão bem, talvez trabalhando em mais uma causa humanitária e salvando vidas por aí. Eles são médicos, é o trabalho deles, de qualquer forma. — deu de ombros, mostrando indiferença, mesmo que a noite, as vezes pedisse para qualquer divindade que existisse protegê-los dos perigos do mundo.

— faz muito tempo que você tá aqui sozinho?

— você tá muito curioso pro meu gosto. — apertou de levinho o nariz redondo e gelado do azulado, que franziu as sobrancelhas. — e sim, eles foram embora eu tinha acabado de fazer quinze anos, eu acho. Faz muito tempo, não me lembro direito.

— isso é um pouco triste. — changbin disse. — se estela soubesse disso, daria um jeito de te adotar, mesmo você sendo adulto. — eles trocaram uma risada amena.

— não acho que seria um bom irmão mais velho pra você. — chris confessou. Nem se achava um bom amigo para seus amigos, quem dirá seria um bom irmão para changbin.

— não quero que você seja meu irmão mais velho. — changbin fez uma cara de nojo, que arrancou uma risada baixa do bang.

— quer me ter como, então?

— como meu mordomo.

— vai sonhando, marrentinho. — apertou sem utilizar força o braço do menor, que se encolheu e riu, daquele jeitinho fofo que ele somente ria de vez em quando. Parecia uma risada de verdade, era um pouco estranha, chan admitia isso, mas ainda assim fofo.

De repente, pegou se questionando quantas vezes já tinha o chamado de fofo em pensamentos. Não sabia exatamente a resposta, mas imaginava que pudesse ser muitas vezes.

O azulado parou de rir aos pouquinhos, apenas o vácuo da sua voz ficando para trás. Ele encarou chan intensamente, antes de tomar fôlego e se arrastar para perto do mais velho, perto o suficiente para seu rosto ficar um palmo de distância do dele e chan ser capaz de abraçá-lo completamente se bem entendesse. Changbin mantinha metade do rostinho escondido pelo lençol, do seu nariz para baixo, então quando ele o mirou direto nos olhos, chan apenas idealizou o quanto ele estava adorável. Sua mão subiu pelo braço musculoso do rapaz, indo até seu rosto, com o maior cuidado que possuía, acariciou sua bochecha usando a palma, esfregando devagar sobre a pele cor de caramelo. Seu coração se agitou entre as costelas e seu estômago ficou uma bagunça, um sentimento forte queimou sua garganta e ele se viu apressionado no olhar de changbin, e parecia ilegal querer desviar. E na verdade, nem ao menos ousava. Era impossível. E bom, muito bom. Poderia ficar assim para sempre.

De repente, quis beijá-lo.

A ideia passou por sua mente como um lampejo de um lampião, tremeluzindo sua estrutura. O que estava pensando? Changbin o mataria se efetuasse essa ação. Por mais calmo e sereno que aparentasse, o baterista com certeza se negaria a isso. Então, com toda sua força de vontade, jogou esse pensamento para debaixo do tapete, continuando a acariciar o rosto macio do azulado, até sua mão ficar dormente pela ação repetida e seu pulso ameaçar doer.

Changbin cochilou no meio do cafuné agradável, se encolhendo o máximo possível para um corpo do tamanho do dele, ficando perto do bang o suficiente para encostar a cabeça perto do seu queixo. Chan podia dizer que ele estava tão encolhido quanto um tatu bola sendo ameaçado do seu hábitat natural. Chegava a ser adorável.

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