[Dia 06]

Aposto que se você fosse uma pessoa, diria a típica frase: "eu bem que te avisei que ia dar merda", bloquinho.

Não sei nem por onde começar - mas por conta dessa introdução - você já deve imaginar a grande confusão que causei entre os meus pais, não é?

Bom, vou começar a te contar tudinho o que aconteceu, se não, vou explodir!

Depois de escrever em você na noite passada, eu já estava com sono, mas minha mãe disse que precisava de mim na sala, então segui para lá. Quando cheguei próximo ao sofá, minha mãe estava sentada, enquanto tomava sorvete. Ela deu duas batidinhas, para que eu me sentasse ao seu lado, e assim fiz, sem entender bem o quê ela queria comigo.

Primeiro, ela queria saber se eu também queria sorvete. - mas como estava sem vontade, recusei. - Em seguida, ela se virou de frente para mim, e perguntou se eu queria assistir a algum filme de terror, com ela.

Para ser bem sincero, eu não estava com a mínima vontade de simplesmente estar ali, no andar de baixo. Muito menos de fazer alguma coisa, eu estava com sono.

Mas me forcei a sorrir um pouco, e concordei com o filme.

Minha mãe analisou o meu rosto por alguns minutos - e assim que aprovou minha resposta - começou a procurar pelo filme.

                                             •••

Assistimos juntos, e quando o filme acabou, ela me disse para ir direto pra cama. Me levantei do sofá, levei o potinho sujo que ela tinha usado, até a pia - subi as escadas sem desejar uma "boa noite" para ela - e me joguei na cama, assim que entrei em meu quarto.

Quando acordei no dia seguinte, estava tão feliz que iria ver meu pai novamente, que quase comecei a pular na cama.

Me levantei rapidamente e comecei a me arrumar, porque sabia que cada segundo com ele seria único.

Minha mãe não estava na cozinha - como de costume - no andar de baixo. Eu sabia disso, porque não a escutava do quarto, como todos os dias.

Andei um pouco pelo corredor do andar de cima, a procura da mamãe, e parei atrás da porta do quarto dela. Percebi que ela ainda estava dormindo, já que era possível ouvir o som do ronco dela.

Mas não comente sobre isso com alguém, tá bom? A mamãe não gosta que falem sobre o ronco dela, ela diz que é tudo mentira, e que ela dorme como uma princesa!

Segui com cuidado até as escadas, e desci com mais cuidado ainda, até chegar na sala. Peguei minhas chaves e saí, trancando a porta de casa, antes de atravessar a rua e bater na porta do meu pai, entrando logo em seguida.

Ele estava sentado no sofá, assistindo aos seus desenhos favoritos, e assim que me viu, fez uma "pequena festa", cantando uma musiquinha inventada, comemorando o fato de eu ter acordado cedo. Já que eu sou uma pessoa que gosta de dormir, sabe?

Eu estava rindo, mas me sentei ao seu lado e conversei um pouco com ele, sobre o desenho. Não entendia muita coisa, por não gostar muito dos mesmos desenhos que ele, mas estava me esforçando para entender a história.

                                           •••

Acho que em algum momento, a minha feição mencionava algo. Porque meu pai me olhou depois de alguns minutos, e começou a perguntar o que estava acontecendo.

Eu não entendi de primeira o que ele estava querendo dizer, mas ele prosseguiu, dizendo que me conhecia muito bem, para saber quando eu estava pensando demais sobre algo.

E eu também sabia muito bem que, nada faria meu pai mudar de idéia. Eu poderia inventar mil e uma histórias, mas meu pai não acreditaria em nenhuma delas.

Ele sempre foi muito bom em saber exatamente quando eu estava mentindo. Nada nunca se passava por despercebido por ele, quando eu era mais novo. Talvez porque eu tenha puxado esse traço dele?

Bom, eu já estava em completo silêncio a mais tempo do que deveria, e isso só fazia a certeza do meu pai de que algo estava mesmo errado, crescer. Não conseguia pensar em nada naquele momento, então decidi apenas respirar fundo. Contei até três mentalmente, e comecei a falar devagar.

Falei sobre a noite recente da mamãe com o seu "step", depois, das outras noites com os outros amigos dela. E quando me dei conta, já estava pedindo desculpas, por nunca ter tocado nesse assunto antes com ele, e quase implorando pra que ele não me considerasse um cúmplice, ou algo desse nível.

Por alguma razão, eu me sentia culpado. Muito culpado.

Meu pai ainda estava me olhando, mas de uma forma séria. Eu nunca tinha visto aquele olhar antes, e isso meio que me entristeceu. Eu não sabia se deveria ir embora, não sabia se deveria ficar ali, parado na sua frente. Eu realmente não sabia o que fazer.

— Acho que você deve estar com fome, não é? Pra sua sorte, tem panqueca na geladeira. Pode ficar a vontade, filho.

Foi a única coisa que ele disse, depois de tanto silêncio.

Eu me levantei do sofá uns minutos depois, já que o meu pai estava vidrado na tv mais uma vez. Segui até a cozinha e comecei a me servir da panqueca, mas não peguei muito, porque realmente não estava com tanta fome assim. Ainda mais com aquele novo clima tenso, pairando no ar.

Depois que eu já estava sentado na pequena mesa da cozinha, meu pai resolveu quebrar o clima, e começou a me perguntar sobre a saída do outro dia, com os meus amigos. Eu sabia que ele na verdade não se importava com isso, mas agradecia internamente, por ele estar falando novamente comigo.

Eu resumi bem a história, e de alguma forma, até consegui arrancar algumas risadas dele. Isso realmente me deixou um pouco mais tranquilo, comigo mesmo. Eu já estava quase me sentindo confiante de novo, para tentar me desculpar pelo outro assunto. Mas ainda precisava de um tempinho.

Comecei a perguntar sobre o trabalho dele, e em como as coisas estavam por lá no quartel. Ele resumia boa parte da história, mas eu realmente gostaria de saber sobre tudo. Ser um bombeiro, me parecia interessante, por mais que o meu pai não falasse muito sobre o assunto.

— Mas você se orgulha do que faz, não é pai? Ser um bombeiro deve ser o máximo. Tirando a parte do perigo diário, é claro.

Eu comentei, pensando alto comigo mesmo, e acabei atraindo os olhares do meu pai, de volta para mim.

— Pensei que você não ligava muito pro meu trabalho. Muito menos com a parte perigosa, kookie.

Alguma coisa me dizia que minha mãe estava por trás desse "pensamento" do meu pai. E isso me deixava desconfortável, mais uma vez.

— Eu ligo sim pai, e muito! Você arrisca a sua vida todo santo dia, pra salvar alguém. E por mais que eu tenha um medo diário, de te perder, eu ainda quero ser como você, algum dia.

Vi meu pai sorrir, e concordar com a cabeça. Eu não sabia se ele tinha ficado orgulhoso, mas sabia que naquele momento, ele não estava mais chateado comigo. E isso me fez sorrir de volta, para ele.

Eu já tinha até me esquecido da panqueca no prato, mas voltei a comer rapidamente, para poder voltar ao sofá. Queria estar com o meu pai, eu sentia falta dele todos os dias.

Estava quase pronto para me desculpar, mas quando voltei a olhar em direção ao sofá, meu pai tinha sumido. Eu me levantei da mesa, andei até o sofá, depois até o corredor que levaria para os quartos, e percebi que estava sozinho em casa.

Corri até a janela, e pude ver meu pai entrando em casa. Mas na casa da mamãe.

Meu coração disparou, e eu saí correndo atrás dele. Não sabia o que ele faria, mas sabia que tudo estava conectado com o assunto dos "steps" e minha mãe.

Quando entrei em casa, meus pais já estavam discutindo na cozinha. Meu pai - como sempre - falava num tom alto, para que a minha mãe o ouvisse. Já a minha mãe, estava praticamente gritando por cima da voz dele - como ela sempre fazia, também - para que apenas a sua voz, fosse ouvida.

Eu me escondi perto da porta mesmo, sabia que se a mamãe me visse, me quebraria em pedacinhos.

Meu pai não parava de perguntar sobre os caras que apareciam em casa, quase toda noite. Minha mãe, claramente furiosa, repetia várias vezes que não precisava dar explicações para ele, sobre nada. E eu, ali parado, conseguia me lembrar exatamente de como eu me sentia assustado, quando ouvia os dois brigarem.

E quando me dei conta, já estava parado no meio dos dois, como eu sempre fazia, quando era pequeno.

Pedi para que eles parassem de brigar, e mesmo com os olhares irritados de ambos, eles acabaram em silêncio.

Minha mãe quebrou aquele pequeno clima, perguntando se eu estava feliz, já que eu era a razão daquela briga dos dois.

Mas é claro que eu não estava feliz com aquilo, eu apenas tive uma ideia estúpida, e agora..

Nem tive tempo de reagir, apenas ouvi o barulho da porta de casa se abrir e fechar com força, sinalizando que o meu pai - mais uma vez - tinha nos deixado. Era óbvio que ele queria explicações, mas não as minhas.

E como ele odiava se envolver em discussões, eu sabia que teria uma longa "conversa" com a minha mãe, naquele momento. E que talvez, essa poderia ser minha última conversa, com alguém.

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