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𝐂𝐇𝐀𝐏𝐓𝐄𝐑 𝐓𝐖𝐄𝐍𝐓𝐘 𝐒𝐄𝐕𝐄𝐍

𝐓𝐇𝐄 𝐆𝐑𝐀𝐍𝐃𝐅𝐀𝐓𝐇𝐄𝐑 𝐏𝐀𝐑𝐀𝐃𝐎𝐗

PROTOCOLO DE PARADOXO: O guia completo da Comissão para Anomalias Temporais.

CAPÍTULO 68: "O paradoxo do Avô."

"Estamos em Nova Jersey, em 1953, e o Elmer Tatelmen odeia o avô dele. O Elmer coloca a culpa de tudo no avô. A dor da mãe, a morte do pai e a sua própria vida triste.

Isso poderia ser só mais uma história triste sobre uma vida deprimente. A não ser por um detalhe. O Elmer está prestes a inventar a viagem no tempo. Veja bem, o Elmer decidiu que a chave para sua futura felicidade era voltar no tempo (1905) e matar o avô dele.

O Elmer completou a sua missão, mas cometeu um erro crucial. Ele voltou demais no tempo. Porque assassinar o avô em 1905, fez com que a mãe do Elmer não existisse para conhecer o pai dele em 1925. O que garantiu que o próprio Elmer nunca tivesse nascido.

O Elmer matou o avô, então sua mãe nunca nasceu. Mas, se a mãe dele nunca nasceu, o Elmer não existe mais. E, se o Elmer não existe mais, como ele poderia ter matado o avô?

E assim por diante a coisa gira. O Elmer criou um paradoxo, o Paradoxo do avô. O problema mais pernicioso no Manual de Protocolos de Paradoxo da Comissão.

Essa história não é real. Mas se fosse, o Elmer teria colocado o tempo,  o espaço e todos os seres vivos em grande perigo. Não sejam o Elmer! Nós tivemos sorte até agora. Com a sua ajuda, vigilância constante e um pouco de violência estratégica, a Comissão vai garantir que nada desse tipo aconteça. Se não, que Deus proteja a todos nós"

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⛈︎彡𝐃𝐢𝐚𝐬 𝐚𝐭𝐮𝐚𝐢𝐬.

A explicação de Cinco havia sido assustadora. Celeste entendia um pouco sobre viagens no tempo, mas nunca tinha parado para considerar os paradoxos e suas implicações devastadoras na existência humana. Ela sabia que o fato de suas mães terem morrido antes mesmo de seus nascimentos era um problema sério. Mas ao ponto de causar um apocalipse? Isso, honestamente, era demais para ela processar. Bufou, tentando parecer tranquila, mas estava óbvio que sua calma era pura fachada.

— Tô muito confuso — Diego resmungou, passando a mão pelos cabelos. A confusão pairava sobre todos, como uma nuvem pesada que ameaçava desabar.

— Chocante — Allison murmurou, cruzando os braços e lançando um olhar perplexo para Cinco.

— Olha, se alguém matou nossas mães, a gente não deveria existir. Mas tá na cara que a gente existe, e o universo simplesmente não tá dando conta disso. — Viktor falou, sua preocupação evidente. Cinco, no entanto, permanecia exasperantemente calmo, pelo menos à primeira vista.

— Esse é o problema. — Cinco respondeu com um tom casual que só conseguiu irritar mais os outros.

— Um problemão, você quer dizer. — Celeste roía as unhas nervosamente, como se estivesse tentando se agarrar ao último fio de sanidade. Cinco, indiferente ao estado dela, caminhou até a mesa e pegou a xícara de café que Diego estava bebendo. Diego lançou-lhe um olhar de incredulidade, mas não se deu ao trabalho de protestar.

— O que vamos fazer? — Celeste perguntou, com a voz trêmula. Seus olhos expressavam a confusão e o medo que tentava esconder.

— Aí que tá. — Cinco deu de ombros, finalmente deixando transparecer uma ponta de preocupação. — Ainda não tenho uma ideia muito clara. Talvez pegar uma maleta e ir até a Comissão pedir ajuda seja o melhor plano.

Enquanto o grupo mergulhava em um caos silencioso, Stan — o mesmo garoto que tinha flertado descaradamente com Celeste naquela manhã — estava ao fundo, chutando o ar em uma tentativa desajeitada de caratê. Seus movimentos eram uma mistura de chutes baixos e socos invisíveis.

— Cobra Kai! — gritou Stan, empolgado. Diego soltou um suspiro tão exasperado que parecia carregar o peso do mundo.

— Stanley! — Diego rugiu. — Dá pra parar? Não é hora de ficar treinando caratê!

Stan virou-se para ele com um olhar desafiador. 

— A mamãe disse que eu preciso praticar.

Celeste segurou o riso enquanto pensava: "Definitivamente puxou a teimosia do pai". Diego, entretanto, apenas revirou os olhos.

— Ela não tá errada. — O tom de Diego era irônico. — Você é péssimo.

— Não esquece que eu já salvei sua pele, mané! — Stan rebateu, jogando um olhar triunfante para o pai.

A discussão foi interrompida por Allison, que ergueu a mão, pedindo silêncio: 

— Beleza, espera aí. Cinco, causamos um paradoxo. O que isso significa?

— Bom, até então era só uma teoria. Mas agora as coisas começaram a desaparecer. — Cinco deu de ombros, claramente tentando minimizar o impacto de suas palavras.

— Que coisas? — Viktor arqueou uma sobrancelha, enquanto Celeste se apoiava na mesa de sinuca, visivelmente perdida.

— No momento? Lagostas.

— E muitas vacas. — Celeste suspirou, derrotada.

— Bem lembrado. — Cinco assentiu, seu tom agradecido contrastando com a gravidade da situação. — Mas tenho a sensação de que isso é só o começo.

— Ah, sensação? — Allison rebateu, o sarcasmo escorrendo de sua voz. Celeste franziu o cenho, confusa. — Você não tá aposentado?

— Era tudo o que eu queria — Cinco resmungou, cansado. Por dentro, queria gritar que a última coisa que desejava era outro apocalipse, ainda mais agora que as coisas entre ele e Celeste pareciam ter mudado.

Para Celeste, aquilo tudo era um pesadelo sem fim. Esse apocalipse parecia pior do que qualquer outro. Era lento, gradativo, como uma doença se espalhando. E a incerteza sobre quem ou o que desapareceria em seguida a deixava aterrorizada.

— Não dá pra continuar jogando a gente nesse ciclo de apocalipses e esperar que lidemos com isso como se fosse normal! — Allison explodiu, movendo-se pelo cômodo com raiva. Seus cabelos, agora cacheados e curtos, pareciam refletir sua nova determinação. Ela se virou para Cinco, furiosa. — Você não é o chefe!

— Beleza. — Cinco deu de ombros, exibindo aquela tranquilidade irritante que parecia ser sua marca registrada, especialmente diante da tensão crescente entre os irmãos. Ele só queria ser levado a sério. — Eu sou o mensageiro, e tô dizendo que alguma coisa horrível vai acontecer.

— Então bora atacar os Sparrows, pegar a maleta e ir pra casa! — Allison retrucou, como se fosse a coisa mais óbvia e simples do mundo.

— Ah, claro, super fácil. — Celeste resmungou com ironia, arqueando as sobrancelhas. Sabia que Allison estava profundamente magoada com sua realidade no novo 2019, mas ultimamente a irritação constante da irmã começava a testar sua paciência.

— Essa é a nossa casa, Allison. — Cinco respondeu com firmeza, olhando diretamente para ela. Seus olhos eram uma mistura de seriedade e desafio. Se o olhar de Allison pudesse lançar fogo, Cinco já estaria em cinzas. — Aceita isso.

Antes que a discussão pudesse ir mais longe, Stanley decidiu roubar a cena ao derrubar o suporte de tacos de sinuca com um golpe certeiro de bastão. O som dos tacos caindo no chão ecoou pelo cômodo, arrancando um suspiro exasperado de Celeste. "Pronto. A história do Cobra Kai foi longe demais", pensou ela, afastando-se da mesa e erguendo uma sobrancelha em um julgamento silencioso.

— Já chega! Vou contar pra sua mãe. — Diego finalmente perdeu a paciência, apontando para o garoto, que apenas revirou os olhos, zombeteiro.

— Peraí, cadê a Lila? — Cinco perguntou, arqueando uma sobrancelha. Sua mente calculava rapidamente. Talvez, naquele momento, ela fosse a peça que faltava para a solução. Afinal, ela tinha uma maleta, e ele lembrava bem disso.

— No banho. — Stan deu de ombros, casual, como se nada estivesse acontecendo. — Falei que ela podia ficar com a gente.

— Quando a Lila voltou? — Viktor perguntou, confuso, arqueando a sobrancelha como se tivesse perdido algum episódio importante.

Celeste, sinceramente, não fazia questão de gastar energia pensando em Lila. Mas quando viu Cinco se afastar da mesa, claramente decidido a ir atrás dela, algo dentro dela se acendeu. Pigarreou, cruzando os braços de forma determinada.

— Cinco? — chamou.

Ele parou imediatamente, virando-se para ela com um olhar intrigado. Por um momento, amaldiçoou-se por não ter incluído Celeste em seus planos. Ele estava tão focado no apocalipse e no paradoxo que esquecera de avisá-la sobre sua próxima jogada. Voltou até ela, parando a poucos passos de distância.

— Vou ter que pedir ajuda à Lila. — Explicou, direto ao ponto, segurando a mão de Celeste com cuidado, enquanto a olhava nos olhos. — Ela pegou a maleta da Gestora no celeiro da Sissy, lembra?

— Tudo bem. — Celeste deu de ombros, tentando parecer casual, mas claramente desconfiada. Melhor deixar essa com ele, pensou, resmungando internamente. Cinco levou a mão dela até os lábios e depositou um beijo breve. — Boa sorte. Você vai precisar. — Ela disse com um sorriso de canto.

Ele retribuiu o sorriso, um daqueles pequenos, mas genuínos, e começou a se virar para ir embora. No entanto, algo óbvio pareceu cruzar a mente de Celeste. Sem pensar duas vezes, puxou a mão dele com firmeza. Cinco girou no mesmo instante, parando novamente diante dela, desta vez com as mãos pousando estrategicamente na cintura dela, um toque carregado de intenção maliciosa.

— Stan disse que ela está no banho. — Celeste relembrou, estreitando os olhos enquanto encarava Cinco com intensidade. Era o tipo de olhar que parecia atravessar a alma, quase capaz de desvendar cada pecado que ele escondia. Ele notou, divertido, e uma ideia passou por sua mente: Ciúmes? — Se colocar os olhos nela, você está morto. — Celeste murmurou em tom ameaçador, a voz baixa o suficiente para que apenas ele ouvisse. Cinco arqueou uma sobrancelha e sorriu, achando graça na suposta ameaça.

A verdade era que Celeste não tinha um pingo de ciúmes de Lila. Era segura de si. Apenas adorava provocar Cinco, brincar com aquele ego inflado dele e arrancar diversão dos seus pequenos surtos internos.

— Prometo que vou esperar ela sair completamente vestida. Dos pés à cabeça. — Cinco garantiu com seriedade. E ela acreditava naquilo completamente. Antes que ela pudesse falar algo, ele apertou suavemente a cintura dela, roubou um selinho rápido e desapareceu em um piscar de olhos.

O estalo característico do teleporte ecoou pela sala, e Celeste suspirou, frustrada. "Por que não fui com ele?". Agora estava condenada a ficar ali, ouvindo os irmãos discutirem sobre mais um apocalipse iminente. Diferente deles, já aceitara o inevitável: teriam que correr contra o tempo novamente. Mas os outros ainda estavam atolados na negação e na confusão.

— O Cinco entende pra caramba desse tipo de coisa. Eu acho que a gente deveria ouvir ele. — Viktor opinou, dando de ombros com a habitual calma.

— Claro! Aí, rapidinho, uma perguntinha. — Klaus interrompeu, levantando-se do chão com um gesto exagerado, como se estivesse prestes a fazer um grande discurso. Enquanto isso, Stan continuava gritando "Cobra Kai!" e treinando seus movimentos desengonçados de luta, completamente indiferente à irritação crescente de Diego. Klaus colocou o livro de colagens sobre a mesa de sinuca, adotando um tom dramático. — Nenhum de vocês, seus insensíveis, se importa com as nossas mães assassinadas?

Celeste, que estava apoiada na mesa, virou-se de frente, cruzando os braços. Fez uma careta, sem esconder o quanto achava tudo aquilo um grande teatro. Entre todos ali, ela provavelmente tinha os melhores motivos para não ligar para a questão das "mães". Literalmente, todos os motivos.

— Klaus, a única mãe que tivemos era um robô. — Diego retrucou, sério, mas com zero emoção no tom. Ele também não parecia tocado pela questão.

— Ah, é? Pois essa aqui é a minha mãe de verdade. — Klaus rebateu, levantando um jornal com a foto de uma mulher estampada. Adotou o tom exagerado de sempre, apontando para a imagem com orgulho. — Ela se chamava Rachel, e eu tenho os olhinhos dela. — Piscou várias vezes, arregalando os olhos teatralmente.

— Quem foi que mentiu pra você? — Celeste disparou, irônica, sem conter um sorriso debochado enquanto cruzava os braços.

Klaus franziu o cenho, fingindo indignação, mas sua expressão era tão cômica quanto seu tom melodramático. 

— Ninguém. — Respondeu, a voz suavemente lamuriosa, como se estivesse magoado de verdade. Celeste arqueou as sobrancelhas, o rosto carregando um "ah, é?" mudo e carregado de sarcasmo. — Pode ir parando com esse deboche exagerado. — Klaus resmungou, atravessando a mesa para dar um leve tapinha no braço dela.

Celeste soltou um riso discreto, quase involuntário, mas a leveza desapareceu quando Klaus continuou.

— Você só está bravinha porque não tinha seu nome nos talões de cheque.

As palavras acertaram em cheio, e Celeste sentiu-se cutucada no ego. Estreitou os olhos e ergueu o queixo, tentando parecer inabalável, mesmo que estivesse prestes a devolver um ataque mordaz. "Pelo menos Reggie quis me recriar. E vocês, bando de delinquentes que o afastaram em 63?", ela pensou.

Mas respirou fundo e se conteve. Apenas virou o rosto com um ar indiferente, recusando-se a dar a Klaus a satisfação de saber que ele havia a atingido.

Os irmãos nem sequer tentaram entender o comentário de Klaus sobre os talões de cheque. Apenas deram de ombros, indiferentes ao trágico destino de suas mães biológicas.

— Mas é sério! — Klaus insistiu, sua indignação ganhando força. — Nós temos que descobrir quem fez isso! Isso é o que importa, o que mais importa!

— É isso que você quer? — Diego retrucou, sua voz carregada com aquele tom de acusação que sempre aumentava a tensão no grupo. — Porque tá na cara que foi o papai! Ele sabia onde a gente tinha nascido, e ele odiava a gente em 63. Bum! Homicídio.

Celeste estreitou os olhos, considerando a possibilidade. Definitivamente um bom palpite.

— Acha mesmo que o papai é capaz de matar gente inocente? — Klaus perguntou, com uma pontinha de incredulidade.

— Eu não duvido nada vindo dele. — Celeste deu de ombros, parecendo desinteressada, mas, como sempre, dando sua opinião.

— Com certeza. — Viktor confirmou com um aceno firme.

— Ah, ele é muito capaz, amigão. — Diego reforçou, cruzando os braços como se fosse óbvio.

Klaus, percebendo que seus irmãos talvez estivessem certos, murchou na mesma hora. Seus ombros relaxaram, e ele fez um bico desajeitado, claramente magoado.

— É... acho que é. — Ele admitiu, derrotado.

A ideia o atingiu como um soco. "Que tipo de pai faria algo assim?". Tudo bem, Reggie nunca fora exatamente o "pai do ano", mas matar suas mães para impedir o nascimento deles? Isso era cruel até para os padrões de Reginald Hargreeves, mesmo que fosse possível.

Celeste, mergulhada em seus pensamentos, foi arrancada de sua reflexão quando Luther subiu as escadas. Ele estava ofegante, mas, de algum jeito, parecia revitalizado. Carregava várias sacolas personalizadas e vestia um casaco vermelho que imediatamente chamou a atenção dela.

— Tá atrasado pra reunião, cara. — Diego comentou, no tom seco e familiar que só ele conseguia usar.

Celeste ergueu as sobrancelhas, intrigada com o visual do irmão. 

— Onde é que você estava?! — perguntou, desconfiada. Seus olhos captaram o detalhe no casaco e nas sacolas. "Sparrow Academy?".

Como se lesse sua mente, Luther respondeu calmamente, mas com uma ponta de confusão.

— Eu fui pego como refém pelos Sparrows.

— O quê?! — Viktor exclamou, chocado, quase em desespero.

— Que história é essa? — Celeste indagou, preocupada. Eles estavam procurando Luther desde cedo, e, o tempo todo, ele estava lá? Para ela, era um milagre ele ainda estar vivo.

— Espera aí. Vocês não perceberam? — Luther perguntou, frustrado, lançando um olhar de leve indignação para os irmãos.

Mas sua postura mudou num instante, os ombros e o olhar caindo ao perceber que ninguém ali parecia tão ocupado ou atento a ponto de suspeitar de um sequestro.

Antes que os irmãos pudessem começar uma campanha de desculpas improvisadas com frases como "Dã! Claro que sim!" ou "Percebemos logo pela manhã", Celeste, com sua honestidade brutal, cortou qualquer chance de salvação.

— Não. — Disse simplesmente, dando de ombros.

O suspiro coletivo de desapontamento foi quase sincronizado.

— Porra, Celeste!

— Você realmente precisa aprender a segurar a língua. — Diego resmungou.

— Estragou nossa mentirada inteira, pirralha. — Klaus acrescentou com um tom divertido, embora estivesse claramente tirando sarro da situação. O coro de vaias dos irmãos só tornou tudo ainda mais cômico.

Celeste ergueu as mãos, incrédula, mas rindo da cena. 

— O que foi?! Era pra eu ter mentido?

— Harram. — Luther respondeu com uma mistura de frustração e resignação, dando batidinhas no ombro dela ao passar. — Valeu.

— Te machucaram? — Allison perguntou com um toque de preocupação, embora seu tom entregasse que não acreditava muito nisso. Luther parecia estranhamente bem, para alguém que supostamente fora refém. Ele largou as sacolas em cima da mesa de sinuca, ao lado de Celeste, que imediatamente começou a espiar o conteúdo.

— O quê? — Luther retrucou, incrédulo, franzindo o cenho como se tivesse ouvido a maior heresia do dia. — Os Sparrows? Nem um pouco. — Ele foi sincero, dando de ombros com uma calma desconcertante. Pegou uma garrafinha de água e começou a beber pelo canudinho, como se estivesse falando de uma viagem ao spa. — Eles foram ótimos anfitriões. São bem charmosos, na verdade. Vocês deviam ver a academia deles. É sensacional. Eu realmente acho que a gente julgou eles mal.

— Ah, claro. — Celeste ironizou, sua voz pingando sarcasmo. — Até porque eles não atacaram o Viktor com uns seis contra um… nem tentaram me fazer virar fumaça… e muito menos nos espancaram feito sacos de pancada.

— Invadimos a casa deles. — Luther deu de ombros, irritantemente compreensivo.

Celeste lançou um olhar julgador, como se ele tivesse acabado de trair a família. 

— Aí, de que lado você está, hein?

Antes que ele pudesse responder, Diego assobiou alto para desviar a atenção.

— O que eles queriam?

— Ah, o Marcus. — Luther respondeu, lembrando-se de repente. Ele deu outro de seus despreocupados ombros. — O cara sumiu e eles querem ele de volta.

— Quem é Marcus? — Celeste perguntou, confusa, franzindo o cenho enquanto se apoiava na mesa com uma mão só. Ela ainda não havia decorado os nomes da turma dos Sparrows.

— O moreno musculoso que me deu uma surra. — Luther explicou com uma naturalidade quase cômica, como se isso fosse algo cotidiano.

— Não estamos com ele. — Viktor cortou a conversa, sincero e direto. Não havia o menor sinal de Marcus com eles, e ele queria deixar isso bem claro.

Luther parou de beber água e ficou estático, como se tivesse acabado de perceber um baita problemão.

— Ah. Eita. — Ele engoliu em seco, claramente nervoso. — Eu tava torcendo pra gente resolver isso logo e passar pro problema dois. Gente desaparecendo-

A tensão crescente foi interrompida pelo som agudo de vidro se estilhaçando. Todos se viraram a tempo de ver Stanley parado em frente a um vaso caro que agora estava em pedaços no chão. Ele segurava dois bastões de sinuca, claramente treinando alguma versão improvisada de caratê.

Diego fechou os olhos e respirou fundo, tentando manter o controle da paciência. Stan, por sua vez, olhou para o grupo e, sem pestanejar, soltou:

— Foi o vento que fez isso.

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A conversa entre os irmãos seguia na sala de jogos quando Celeste decidiu se retirar. Descendo as escadarias, atravessou o imponente hall de entrada e seguiu para o elevador que a levaria ao segundo andar, onde ficavam as suítes mais simples. Enquanto caminhava, seus pensamentos giravam em torno do caos que estavam enfrentando, até ser abruptamente interrompida.

Com um leve baque, Cinco se materializou ao seu lado, carregando duas maletas. Ele parecia um pouco suado, como se tivesse acabado de sair de uma batalha. Ela ergueu as sobrancelhas, já analisando a situação. "Lutaram, com certeza", concluiu mentalmente.

— Ah, te achei! — ele exclamou, aliviado, ajustando a pegada nas maletas. Claramente, tinha perdido tempo procurando por ela pela mansão inteira. — A Lila concordou em ajudar. Mas ela disse que vai precisar trazer alguém com ela. — Cinco foi direto ao ponto.

Celeste estreitou os olhos, desconfiada. 

— Que pessoa? — perguntou, cruzando os braços. A ideia de confiar em Lila ainda a incomodava, principalmente depois de tudo que havia acontecido no celeiro. Aquilo não fazia sentido para ela.

Cinco, no entanto, parecia despreocupado. 

— Não faço ideia — respondeu, dando de ombros enquanto começavam a andar pelo corredor. — Ela falou algo sobre "ser justa". Nem prestei atenção. Desde que essa pessoa nos ajude, para mim tá ótimo.

Celeste suspirou e acabou relaxando os ombros. Olhou para as maletas, intrigada.

— E as maletas? — perguntou, a curiosidade evidente no tom.

Cinco fez uma pausa, levantando as duas maletas como se estivesse exibindo um prêmio complicado.

— Essa é a pior parte. — Seus olhos brilhavam com aquele misto de fascínio e irritação. — As duas pararam de funcionar.

— E não dá pra simplesmente… consertar? — Celeste sugeriu, franzindo o cenho. Para ela, aquilo parecia uma solução óbvia.

Cinco riu pelo nariz, achando graça na inocência da pergunta. 

— Queria que fosse fácil assim, gatinha.

Celeste revirou os olhos, resmungando internamente. "Agora tá roubando meus apelidos também", pensou, meio irritada e divertida, mas sem dar muita importância. Observando mais de perto, notou que uma das maletas, marcada com tinta rosa, era a mesma usada para voltar a 2019. Já a outra, completamente intacta e padronizada, devia ser a de Lila — quando a mesma fugiu do celeiro de Sissy com a maleta da mãe. Mesmo assim, resolveu não perguntar mais nada.

Chegando ao quarto, Cinco puxou as chaves do bolso, enquanto equilibrava as maletas no chão. Celeste esperou pacientemente, observando o ar aconchegante que escapava assim que ele abriu a porta. Era tentador demais pensar em ficar ali, relaxando por horas, mas havia um apocalipse a resolver.

Sem perder tempo, os dois entraram e se ocuparam rapidamente com o que tinham de fazer. Não havia espaço para longas conversas. Tanto Celeste quanto Cinco sabiam que o relógio estava correndo contra eles. Luther havia deixado claro que o Paradoxo já começava a mostrar seus efeitos, e pessoas estavam simplesmente desaparecendo.

Celeste decidiu não trocar de roupa, imaginando que, com sua sorte, provavelmente acabaria em outra batalha, e não queria estragar mais peças novas.

Ao sair do banheiro, com os cabelos soltos caindo sobre os ombros, ela parou no batente da porta, observando Cinco. Ele estava vestido com o paletó feito sob medida na alfaiataria do hotel, e isso quase arrancou um sorriso malicioso dela. Quase.

No entanto, um desconforto súbito e familiar começou a tomar conta dela. O estômago revirou, o corpo inteiro parecia formigar, e o suor começou a aparecer, mesmo sem calor. Era como se ela tivesse sido transportada de volta para a sala da Sparrow Academy. Perturbador.

Cinco, alheio a tudo, ajustava a gravata com atenção. Quando finalmente ergueu os olhos para Celeste, percebeu a expressão tensa e irritada dela. Ele franziu o cenho, confuso.

— Hm? O que foi? — perguntou, preocupado.

Ela continuava escorada na porta, mas o desconforto era evidente em seu rosto. Resmungou algo inaudível e se afastou do batente, tentando ignorar a sensação.

— Vamos logo com isso. — reclamou, irritada, caminhando até a porta.

Antes que pudesse sair, Cinco a impediu, fechando a porta de volta com um movimento firme.

— O que foi agora?! — ela perguntou, estreitando os olhos para ele. — O que aconteceu? — Cinco insistiu, sua voz carregada de exasperação. "Mas que diabos?", ele pensou. Cinco minutos atrás, ela parecia perfeitamente bem, e agora olhava para ele como se fosse estrangulá-lo.

Celeste bufou, tentando controlar a frustração crescente. Tudo o que queria era sair dali e se afastar dele, mas Cinco não a deixava passar.

— Sua voz tá me irritando.

A frase saiu como uma faca. Ele recuou ligeiramente, franzindo o cenho. Por reflexo, afrouxou o braço que bloqueava a porta, e Celeste saiu sem olhar para trás.

— O quê?! O que tem minha voz?! — Cinco perguntou, claramente ofendido, enquanto ela seguia pelo corredor.

Ela não respondeu. Não queria. Estava presa em sua própria irritação, tentando sufocar aquela sensação estranha que insistia em rondá-la. Cinco pegou as maletas e, com um gesto apressado e quase cômico, fechou a porta antes de correr atrás dela.

— Pare de falar.

A ordem foi seca, e ele obedeceu, embora engolisse em seco. A cabeça dele trabalhava rápido, buscando algum momento no passado que pudesse justificar aquilo. Mas nada fazia sentido. Era como se, do nada, ela tivesse decidido que odiava o som de sua voz.

Caminharam em silêncio pelos corredores, descendo escadas e pegando elevadores. Cinco sequer tentou teleportar-se com ela. A última coisa que queria era arriscar um toque e levar um sermão ainda pior. Celeste resmungava o tempo todo, reclamando de tudo ao redor. Era assustador como ela podia transformar pequenos incômodos em grandes discussões.

Quando finalmente chegaram ao local combinado, lá estava Lila, com o cabelo visivelmente descolorido, agora loiro demais. Apesar de já estarem atrasados oito minutos, ela parecia relaxada, saboreando torradinhas com bruschetta de pimentão.

Celeste e Cinco trocaram um olhar antes de se aproximarem. Assim que Lila os viu, limpou a torradinha no antepasto, enfiando-a inteira na boca antes de falar, mesmo mastigando:

— Você não disse que traria ela!

— Desde quando temos que ficar comunicando você? — disparou Celeste, a voz carregada de incredulidade e aquele tom ácido que ela dominava tão bem.

Lila poderia ter se ofendido, claro. Mas, curiosamente, toda a acidez de Celeste só fez ela entender todo mau humor da sua acompanhante: a Celeste da Sparrow Academy.

Assim que a Celeste da Sparrow entrou no hotel há minutos atrás junto com Lila, exalando uma aura insuportável de repente, ela praticamente a expulsou de perto, sugerindo que desse uma volta. Não porque queria ajudar — era pura autopreservação. 

— Desde que combinamos em trabalhar juntos — rebateu Lila, com um dar de ombros tão irritante que parecia feito sob medida para testar a paciência de Celeste.

E então, como se o quebra-cabeça finalmente fizesse sentido, a Celeste da Sparrow Academy surgiu no corredor oposto, com uma maçã na mão e uma expressão tão azeda que parecia pronta para mandar o mundo inteiro para o inferno.

Assim que as duas se viram, o clima piorou drasticamente. Celly — a da Umbrella — começou a coçar o pescoço como se uma alergia repentina tivesse tomado conta. Seus olhos se arregalaram, fixos na outra versão. Já a Celeste da Sparrow parecia igualmente desconfortável, apertando a barriga com uma expressão que misturava dor e irritação.

— E-ela... — Celly gaguejou, incrédula, quase tropeçando nas palavras. — O que ela está fazendo aqui, Lila?!

— É, eu também tô me perguntando que raios de ideia brilhante foi essa! — Cinco retrucou, tão atônito quanto ela. — Quer que minha namorada e essa garota se matem? Elas vão ficar malucas juntas! — Cinco reclamou, desesperado, apontando para as duas.

A Sparrow franziu o cenho ao ouvir aquilo. Claramente, ser reduzida a um "ela" ou "essa garota" não estava no seu plano do dia. Fazendo um gesto impaciente em Libras, ela disse: "Eu tenho nome, seu imbecil."

Cinco bufou, irritado. Ele podia revidar, claro, mas decidiu não dar corda. Bastava uma provocação para Celly da Umbrella perder a cabeça, e ele sabia que, se aquilo acontecesse, o caos seria imediato.

Lila finalmente se levantou, ergueu as mãos como quem admite a culpa, mas com zero arrependimento visível.

— Olha, em minha defesa, eu não sabia que a sua namoradinha ia vir junto, tá legal?

— Isso não era óbvio?! — Cinco rebateu, o sarcasmo escorrendo pela voz enquanto cruzava os braços.

Celly, a da Umbrella, parecia prestes a explodir. Seus dedos estavam inquietos, e a intensidade com que encarava sua versão da Sparrow era quase palpável. Era como se uma conexão estranha e indesejada as ligasse, amplificando todo aquele desconforto.

— Eu achei que você ia deixar ela fora disso! — Lila defendeu-se, dando de ombros com aquele ar de "não é culpa minha". — Você vive falando mal da Comissão, como eu ia saber?

— Mas estamos juntos nessa, Lila! — Cinco exclamou, indignado. "Ela fez isso de propósito, só pode", ele pensou, cada vez mais frustrado.

— E vamos continuar, beleza?! — retrucou Lila, com uma confiança irritante, como se a situação fosse a coisa mais simples do mundo.

— Com as duas juntas? Elas estão se olhando como se fossem explodir a qualquer momento!

Lila bufou alto, impaciente. Era verdade. O silêncio entre as Celestes era ensurdecedor e carregado de tensão, como a calmaria antes da tempestade.

Lila então lançou um olhar para a Sparrow, esperando alguma ajuda. Mas a outra virou o rosto, claramente desconfortável e sem vontade de explicar nada. Resignada, Lila rolou os olhos. "Ótimo, sobra pra mim", ela pensou.

— É que... No ano passado, quando as cordas vocais dela foram danificadas pra valer, minha mãe ofereceu um cargo na Comissão.

Cinco quase engasgou com a revelação. A Sparrow desviou o olhar, triste. Era óbvio que aquilo não era algo de que se orgulhava. Já para Celly, a da Umbrella, foi um choque. Ela ficou imóvel, digerindo a informação. "Então ela tinha voz antes?", pensou, sentindo uma pontada de empatia no meio do turbilhão de desconforto.

— Ela...? — Cinco perguntou, perplexo. "Era uma assassina? Como nós?"

A Celeste da Sparrow assentiu com a cabeça, mantendo a expressão pacífica, mas cheia de dor e desconforto.

— Sim — confirmou Lila. — Em troca de uma cirurgia para reparar as cordas vocais.

— E por que ela ainda não fala? — perguntou Celly, intrigada. Um ano inteiro havia passado, e a cirurgia não fora feita?

Lila soltou um riso amargo, quase cruel.

— Porque vocês deixaram minha mãe morrer antes dela cumprir a parte dela do acordo.

A revelação atingiu Celeste, a da Umbrella, como um soco no estômago. Ela abriu a boca, incrédula, e levou a mão ao pescoço, coçando distraidamente. "Como eu pude esquecer disso?", pensou, enquanto o peso da culpa e do choque a invadia.

— Não tivemos culpa nisso. — Cinco retrucou, incrédulo. A Gestora os havia matado no celeiro, e ainda assim Lila ousava dizer que eles deveriam tê-la salvado. "Ela foi tarde", pensou, mas não disse em voz alta.

A outra Celeste respondeu em Libras, com uma acidez que quase podia ser sentida no ar. 

"Tendo culpa ou não, eu não vou ter minha voz se não for à Comissão".

— As duas vão juntas. — Lila afirmou, cheia de confiança, como se isso fosse uma solução simples. Cinco franziu o cenho, incomodado.

— E deixar as duas se matarem em dez minutos? Nem pensar...

— Elas não vão se matar! — Lila interrompeu, já começando a perder a paciência. "Francamente! Como esse pirralho foi considerado o melhor?", pensou, incrédula. Cinco soltou um suspiro cansado e levantou uma sobrancelha, esperando uma explicação. Lila bufou e, finalmente, falou:

— Elas não são iguais. Todos esses sintomas… é só o universo pregando uma peça nelas.

— Hm? — Celeste perguntou, confusa. — Se eu bem me lembro, isso acontece com pessoas iguais, versões diferentes.

— Versões diferentes… — Lila corrigiu.

— …do tempo. — Cinco completou, em choque. "Como eu não pensei nisso antes?!", pensou, a mente começando a fazer sentido. Era uma revelação incrível.

— Exatamente, pirralho. — Lila falou, dando de ombros, como se fosse óbvio. — Tem muitas coisas que as diferem. No momento em que vocês falaram com o papai de vocês em 1963, deram abertura para que ele criasse pessoas completamente diferentes. É o caso dela.

— Como… desculpa. Eu não tô entendendo isso! — Celeste retrucou, claramente irritada e confusa. Mesmo com os sintomas diminuindo: a coceira, a vontade de urinar e as flatulências; ainda havia uma tensão no ar. Ela parecia faminta, como se o desejo de sangue estivesse se tornando irreprimível.

— Super-choque, faz o favor de acompanhar. — Lila pediu, impaciente, a voz carregada de frustração. Celeste franziu o cenho. "Virou moda agora?", pensou. — Você pôde evoluir seus poderes com calma... — Lila começou, apontando para Celeste da Umbrella e, em seguida, para a outra, destacando as diferenças com o gesto. — Ela foi forçada por cirurgias que só tiveram efeito mais tarde e que continuaram. Você cresceu com um obcecado por Apocalipse, e ela... bem, — Lila fez uma careta — com um cubo esquisito.

Celeste parecia finalmente começar a entender. As peças estavam se encaixando, mas a complexidade do que estava sendo dito ainda a deixava atordoada. Os sete estágios só afetariam alguém que já fosse, ou fosse destinado a ser, aquela versão futuramente. Mas o mais impressionante era o fato de que, apesar de serem "a mesma pessoa", as duas Celestes haviam se tornado radicalmente diferentes com as experiências vividas. Era magnífico, mas também surreal.

— O que eu tô querendo dizer é: — Lila continuou, com mais paciência agora, como se estivesse explicando para uma criança. — Esses sete estágios só vão durar uns minutos quando vocês se encontrarem. Aos poucos, a intensidade vai diminuir. Posso apostar vinte e cinco dólares que vocês, agora, já estão bem melhores do que estavam há pouco tempo, hm?

Celeste abriu a boca, incrédula. Aquilo era fascinante, e... ela realmente parecia melhor do que antes. Mas, apesar da melhoria, ainda havia um desconforto claro quando ela olhava para a outra versão de si mesma. A Celeste da Sparrow, quieta até aquele momento, soltou um suspiro impaciente. "Vamos trabalhar juntos ou não vamos?", ela perguntou, com um gesto de mãos que quase parecia impaciente.

Se tornar amiga de si mesma soava um pouco carente e até narcisista, mas — obviamente — elas não eram iguais, então qual seria o problema de tentar uma amizade? As duas não poderiam ser mais diferentes. Por fim, Cinco e Celly se entreolharam. Ambos soltaram um suspiro praticamente sincronizado, como se tivesse sido ensaiado, e então, concordaram com a cabeça.

Decidiram que a ex-agente da Comissão seria chamada de "Celeste", enquanto a garota da Umbrella ficou com o apelido de "Celly", para evitar confusões. Mas, no caminho até os andares superiores, algo curioso aconteceu: a versão da Sparrow acabou sendo chamada de "Charmander" e a outra, com alfinetadas, ficou com o apelido de "Super-Choque".

Os poderes das duas se completavam, como se fossem opostos que se atraíam. Reginald, durante a conversa com Celly em 1963, havia estudado suas habilidades e, quando criou Celeste, percebeu que, apesar de todo seu esforço, ela ainda enfrentava problemas com o envelhecimento. Então, ele forçou os poderes dela a se manifestarem de uma forma mais intensa.

Era ingênuo acreditar que Reginald mudaria só porque alguém pedisse, ou que ele se importaria com algum pedido de seus "filhos". Claro que ele nunca mudaria, mas deixar claro de onde vinham e como as coisas realmente haviam acontecido fez mais diferença do que imaginavam. De certa forma, ele até parecia grato pelo conselho, embora não fosse algo que ele jamais admitiria.

Celeste, a da Sparrow, sempre soubera que não era adotada como os outros. Sempre soubera que era uma criação errada, uma tentativa falha de alcançar a perfeição. Ela não queria decepcionar o pai. E, por isso, aceitava aquelas cirurgias sem sentido, porque ansiava pelo poder tanto quanto ele. Mas quando o poder finalmente veio, sua voz foi cruelmente tirada dela pelo destino. De que adianta ter força, quando um dos dons mais preciosos foi arrancado sem piedade? Era, sem dúvida, uma crueldade que ninguém poderia compreender completamente.

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Haviam concordado em trabalhar juntos. De uma forma até meio cômica, mas a verdade é que o casal ainda guardava um rancor mútuo contra Lila. Celly lembrava bem do choque tão forte que deu nela, fazendo a garota quase perder os movimentos por um tempo. E Lila, bom, ela dizia para si mesma que, se soubesse o que aconteceria depois, teria feito ainda pior — principalmente depois de ver que, mais tarde, eles deixaram a Gestora morrer.

Já a Celeste da Sparrow, ao contrário, ainda carregava uma pequena rixa pela bagunça que fizeram na academia dias atrás, mas parecia surpreendentemente tranquila. Definitivamente, era bem diferente da outra versão. Mais gentil, menos ácida, com um toque até de ingenuidade. Ela e a outra Celeste não se aproximaram muito enquanto subiam os andares do hotel. Não se conheciam bem ainda, e, apesar de a teoria de Lila ter sido confirmada, as duas ainda se observavam com desconfiança.

Agora, os quatro estavam cruzando o corredor. Lila e a versão da Sparrow à frente, com uma naturalidade que parecia se dar bem com todo mundo, e Cinco e Celly logo atrás. O garoto carregando as maletas e Celly, bem, com uma expressão fechada.

— Ainda não está se sentindo bem? — Cinco perguntou, olhando-a de soslaio e quase levantando uma sobrancelha. Celly negou com a cabeça ligeiramente.

— Não é isso. — Ela respondeu, com um suspiro. — É só que… eu tô com pena dela.

Cinco ergueu uma sobrancelha, claramente confuso. "Há dez minutos atrás, ela queria matá-la… que bipolaridade é essa?". Celly percebeu a confusão dele e continuou:

— A Lila disse que ela perdeu a voz há um ano. A Gestora deveria ter um jeito, né? E… bem, se a gente não tivesse matado ela… a Charmander poderia estar falando agora e-

— Vamos achar uma maneira. Lila está levando ela junto para ser justa. Para cumprir o que a Gestora não pôde cumprir. — Cinco interrompeu. Não gostava da ideia de se arrepender por ter deixado a Gestora morrer. Ele se lembrava muito bem de quem tinha atirado em Celly no celeiro. A Gestora poderia até ser uma santa ao devolver a voz para a versão da Sparrow, mas ele jamais a perdoaria por aquilo.

— Chegamos. — Lila avisou, animada. Estendeu os braços à frente, como se estivesse mostrando algo grandioso. Os três pararam, encarando a porta à frente, no final do corredor. — Essa sala aqui vai ser ótima.

Era a sala de máquinas. O lugar onde ficavam os geradores de energia, as chaves de luz e tudo relacionado à eletricidade. Eles abriram a porta cautelosamente, se apertando para entrar rapidamente.

Começaram a se preparar. O plano era simples: usar a eletricidade de Celly para dar uma descarga suficiente nas maletas, fazendo-as funcionar, e quando estivessem prontas para serem consertadas, eles se segurariam nelas e viajariam diretamente para a Comissão. Arriscado? Com certeza. Iria doer? Definitivamente. Mas, tinha outra opção? Infelizmente, não.

Cinco colocou as duas maletas sobre a mesa, com tranquilidade. Caso as coisas dessem errado e pegassem fogo, a Celeste da Sparrow poderia ajudar a controlar o incêndio.

— Belo terno. — Lila elogiou, despretensiosa. Celeste, a da Umbrella, nem ligou, estava completamente alheia a tudo. Sua vida estava uma bagunça desde os documentos de Hale e a descoberta de um novo apocalipse iminente.

— Valeu. — Cinco deu de ombros, sem se impressionar. — Aquele alfaiate é muito bom no que faz.

— Mesmo assim, sinto falta dos joelhos de fora. — Lila fez um beicinho de brincadeira, como se estivesse magoada. Celeste ergueu as sobrancelhas, divertida. Lila claramente estava zoando ele.

— Eu gosto do terno. — Celly, a da Umbrella, disse com um tom sério. Cinco deixou escapar um sorriso, ligeiramente convencido. Enquanto conectava os cabos de energia na maleta, ele virou abruptamente o rosto para olhar para ela, surpreso com a declaração.

— Eu fico bem com ele, é? — Cinco perguntou, cheio de si, quase desafiando. Lila e a outra versão se entreolharam, um olhar que disse mais do que palavras.

— Bastante. — Celly respondeu, com um sorriso malicioso que brotou de seus lábios, quase como um segredo compartilhado.

— Achei que você estava brava comigo. — Cinco admitiu, franzindo o cenho, claramente confuso. A lembrança da ordem dela para ele ficar quieto ainda pesava no coração dele. Ela havia ficado irritada com sua voz antes, e isso o deixava desconfortável. — Você disse que minha voz estava te irritando.

— Você inteiro irrita todo mundo. — Lila retrucou, sua língua afiada entrando na conversa com aquele tom alfinetante que sempre a acompanhava.

— Era culpa dos sete estágios. — Celeste se defendeu, dando um leve empurrãozinho nele com o ombro, tentando aliviar a tensão.

— Eu vou acreditar nisso para não ficar magoado. — Cinco disse, erguendo as sobrancelhas, forçando um sorriso de desdém, embora por dentro estivesse começando a relaxar.

A versão da Sparrow, curiosa, usou as mãos para perguntar: "Por que trocou o uniforme acadêmico pelo terno?"

Cinco, meio desconcertado com a pergunta, respondeu de forma descontraída:

— Hoje em dia, quanto menos pele exposta, melhor. — Ele deu de ombros. Celly, por outro lado, ergueu as sobrancelhas, divertida, claramente achando graça no comentário. Lila, então, pegou um dos cabos de transmissão.

— Pra você. — Lila disse, estendendo o cabo em direção a Cinco, que, sem hesitar, terminou de conectar tudo.

"Estou pronta", a versão da Sparrow disse, já se preparando para conter qualquer possível incêndio. Ela parecia incrivelmente calma, tão tranquila que sua serenidade parecia se espalhar pelo ambiente. Ela esticou o braço e apoiou a mão na parede, observando a cena com atenção. Algo nela fazia até os outros sentirem que tudo ficaria bem.

Celeste posicionou os cabos de transmissão elétrica nas caixas do prédio, aquecendo as mãos enquanto se concentrava para o próximo passo. Não deveria ser difícil, ela pensou. Era só transferir a eletricidade das caixas para as maletas.

Com a mão esquerda, ela tocou os cabos conectados. Cinco, rapidamente, conectou outro cabo à maleta, segurando a outra extremidade enquanto aguardava a descarga elétrica.

Quando Celeste fechou os olhos, sentiu a eletricidade correr por suas veias, o estalo nos dedos, e então transferiu a energia diretamente para ele. Cinco soltou um "Porra!" ao sentir a dor da descarga, tentando resistir enquanto seus poderes eram intensificados. Lila, ao lado, não pôde evitar uma risada. Ela achou o desespero dele completamente divertido, e não tinha levado o plano dele a sério desde o começo. Era um desastre anunciado.

A maleta, então, se incendiou instantaneamente. Mas Celeste, rápida como um reflexo, controlou o fogo, que não durou mais de dois segundos. Lila, já se afastando, saiu do quartinho em meio a risadas, claramente se divertindo com a situação.

— Eu tinha 99% de certeza que não ia dar certo. — Lila gargalhou, sentando-se em um dos bancos do corredor, sentindo-se revigorada. Celeste, a da Sparrow, quase deixou escapar um sorriso, orgulhosa por ter controlado o fogo com tanta eficiência.

Celly, por outro lado, sabia exatamente o que tinha dado errado. Ela não se concentrou o suficiente e mandou mais eletricidade do que o necessário. Era óbvio que tudo sairia do controle. Ela sentiu a culpa pesar sobre ela.

— Ei, você tá bem? — Celly perguntou, preocupada, enquanto acariciava a mão de Cinco, temendo que ele fosse ficar marcado pela descarga. "Ai, droga", ela pensou, culpada.

— Ah, eu tô sim. — Cinco respondeu, com um sorriso, aliviado. Por sorte, não havia sido tão ruim. A situação havia saído um pouco do controle, mas a intensidade não foi tão forte. — Eu esperava que acontecesse.

— Desculpa. — Celeste disse, franzindo as sobrancelhas, sentindo-se completamente péssima. — Eu tentei passar a energia só da caixa, que seria o suficiente, mas acabei me empolgando e-

— Tá tudo bem. — Cinco interrompeu, tentando manter a calma, mas com um toque de paciência. Ele estava se segurando para não fazer careta e não fazer a garota se sentir pior do que já estava. — Que bom que alguém não acha graça da minha dor. — Cinco olhou para Lila, que se divertia visivelmente com a situação. A outra Celeste, por outro lado, parecia genuinamente preocupada, mesmo não o conhecendo.

— Não faz ideia. É terapia pra mim. — Lila respondeu, com aquele tom ácido e divertido que só ela tinha.

— Tá, mas agora temos uma maleta meio morta e os meus saltos só funcionam por alguns minutos. — Cinco lembrou, com um suspiro de preocupação. O objetivo era chegar à Comissão, e tudo parecia estar indo pelo ralo.

— Estamos ferrados. — Celly disse, a voz baixa e derrotada. A versão da Sparrow soltou um suspiro longo, sem perder a calma.

— Talvez sim, talvez não. — Lila disse, voltando ao problema com um sorriso presunçoso. Ela parecia ter algo em mente.

— Ah, eu não gosto desse sorriso. — Cinco comentou, franzindo o cenho, claramente desconfiado. Ele não queria nem pensar em seguir qualquer plano que Lila tivesse.

— Escuta. Sozinhos, os seus pulinhos são patéticos. — Lila disse, levantando-se de onde estava, cheia de si e com aquele olhar tentador. — Mas, se usarmos seu poder juntos, você pulando e eu imitando seu pulo, podemos criar uma retroalimentação e ter energia suficiente para dar partida na maleta. E, além disso, a Super-choque pode ser útil, passando eletricidade para a maleta.

— Não é uma má ideia. — Celly deu de ombros, parecendo se convencer da proposta. Cinco, por outro lado, ainda estava com um pé atrás, observando Lila com desconfiança.

— Nós trabalhando juntos? — Cinco riu, incrédulo. Ele levantou uma sobrancelha, como se fosse uma piada.

— Já estamos mesmo, que escolha temos? — Celly, a da Umbrella, respondeu, dando de ombros. Lila soltou um suspiro, como se estivesse pronta para continuar.

— Teríamos que confiar um no outro. — Lila disse, a confiança em suas palavras era inconfundível. Ela parecia realmente acreditar que aquilo daria certo.

"Eu vou acabar depositando o dobro de confiança, já que nem faço parte desse plano", a Celeste da Sparrow falou, com um toque ácido em suas palavras, usando Libras. Cinco soltou um suspiro exasperado, claramente não conseguindo ver razão para confiar tanto assim nela. Celly, no entanto, parecia ignorar todos os conflitos passados. Para ela, o que importava era salvar o mundo. Tudo o mais era secundário.

— Lila, você passou os últimos dez dias tentando acabar com a minha vida. — Cinco argumentou, incrédulo. Ele soltou um suspiro, negando com a cabeça. — E você, quase matou minha namorada.

— Você matou os meus pais. — Lila retrucou, dando de ombros, sem mudar sua expressão.

"E vocês invadiram minha casa", a versão da Sparrow lembrou, em Libras, com um toque de ironia.

— Mas você mentiu para todos nós durante uma missão para sua mãe. — Celly, a da Umbrella, disse, estreitando os olhos, como se sentisse uma certa traição. — Eu achava você divertida!

— E daí? — Lila respondeu, desafiadora. — A sua família inteira ficou parada enquanto aquele sueco atirava na mulher que me criou. — Ela cruzou os braços, magoada, seu tom de voz carregado de ressentimento.

— A gestora ia te matar, Lila. Na verdade, ela te matou. — Cinco corrigiu, com um sorriso presunçoso nos lábios. "Qual a dificuldade de entender, hein?!" Ele estava quase se divertindo com a própria explicação. — Aí eu voltei no tempo e deixei o sueco terminar o trabalho dele. — Ele enfatizou suas palavras, claramente se achando no direito de fazer isso. Mas então, se lembrou de Diego no celeiro, quando ele pulou sobre Luther para permitir que ela fosse embora. — Ah, e, aliás, se você está enganando o Diego de maldade pelo que aconteceu no Texas, você está irritando o cara errado. — Cinco deu um suspiro, sentindo-se exasperado. — Porque pode ser que aquele idiota te ame de verdade. A gestora nunca te amou.

Cinco falou tudo isso como um turbilhão de pensamentos. Ele se afastou do trio, caminhando pelo corredor, claramente tentando reorganizar sua cabeça. As duas Celestes se entreolharam. Era como se soubessem exatamente onde aquilo tudo iria parar.

— Como você sabe? Passaram-se décadas, e a Celly ficou sozinha-

Antes que Lila pudesse terminar a frase, Cinco surgiu na sua frente com um movimento rápido, teleportando-se.

— Não envolve a Celly nisso, Lila! — Cinco disse entre dentes, claramente irritado.

— ISSO É LOUCURA! — Lila gritou, olhando para o teto, como se estivesse pedindo paciência divina. — Não tem como superar tudo isso e chegar à Comissão! A gente nunca vai conseguir confiar um no outro! Nem eu vou confiar na Celeste, nem as duas Celestes vão se dar bem quando estiverem perto, porque elas são completamente diferentes uma da outra, e...

— Eu discordo. — As duas interromperam, falando juntas. Uma em Libras, a outra com a voz. As duas se encararam por um segundo. A Celeste da Sparrow, com um sorriso, gesticulou com as mãos: "Ela é bem agradável."

Cinco soltou um suspiro, já exausto daquela conversa.

— Pelo menos existe uma honestidade no nosso ódio, que é bem sincero. — Cinco disse, dando de ombros. Ele só precisava que ela aceitasse. Precisava ir à Comissão, era como uma missão pessoal: salvar o mundo e ter a Celly para si.

Lila olhou de cima a baixo, ainda desconfiada. Ambos estavam cheios de mágoa, e o quarteto estava claramente dividido. Ela soltou um suspiro profundo, pensando nos prós e contras. As duas Celestes pareciam dispostas a fazer o que fosse necessário para resolver seus problemas. Então, Lila revirou os olhos, convencida:

— Então vamos logo, casal do ano. — Lila disse, sarcástica, e abriu a porta da sala de máquinas novamente, estendendo a mão para a amiga da Comissão, que entrou sem protestar.

Cinco e Celeste se entreolharam, e o olhar deles falava mais do que palavras. "Tudo ou nada." E, sem hesitar, Celly foi à frente, com Cinco logo atrás. Lila ficou para trás, fechando a porta com um sorriso travesso.

Mais um capítulo! Se não compreendeu alguma coisa, estou aberta para perguntas.

Votem e comentem!💖

revisão concluída ☑️💚